João Salame (Brasília) – Na última sexta-feira o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, coordenou uma audiência com representantes de organismos em defesa dos direitos humanos e parentes de vítimas, em Brasília. Na pauta o cumprimento de sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) estabelecidas ao Estado brasileiro em virtude dos assassinatos do jornalista Vladimir Herzog e do advogado Gabriel Sales Pimenta.
“Esses casos devem servir para dar uma satisfação aos familiares, às comunidades e uma resposta para o futuro, como ponto de partida para transformar o Brasil em um País melhor. O não cumprimento das decisões da Corte Interamericana, de uma maneira geral, vai contra os interesses do Estado, porque vai contra os interesses do povo brasileiro”, disse o ministro.
Sílvio Almeida informou que o Ministério já está trabalhando na criação de uma comissão especial para atuar em conjunto com as famílias, a sociedade civil e entidades que atuem contra a violência no campo e na cidade.
Para o assessor especial da Defesa da Democracia, Nilmário Miranda, a iniciativa “é um grande passo para o Brasil no reencontro com a democracia, sobretudo com aqueles que foram mortos e os crimes ficaram impunes”.
Sensação de alívio
Rafael Pimenta, irmão de Gabriel, participou virtualmente da reunião com o ministro Silvio Almeida. Ao Portal Opinião em Pauta, Rafael se disse muito feliz com a decisão da Corte e a receptividade do governo Lula para o tema. “Meus pais e meu falecido irmão José certamente estariam comemorando essa decisão, que chegou muito tarde, mas afinal veio. Foram anos e anos de luta de combate a impunidade”, afirmou.
Segundo Rafael, o caso Gabriel Pimenta traz de novo para o mundo do direito o fato de que a Corte se convenceu do assassinato e suas motivações através de inúmeras reportagens feitas por diversos veículos de comunicação. “Registro, inclusive, amplas reportagens feitas pelo Jornal Opinião, de Marabá, que fazem parte das provas documentais acostadas ao processo, feitas pelo jornalista João Salame”, relembra Rafael.
O irmão de Gabriel se disse muito satisfeito com a boa vontade do governo brasileiro para com o assunto. “O Ministro Sílvio Almeida, o grande parceiro de nossas lutas Nilmário Miranda e toda a equipe do ministério estão empenhados em fazer cumprir as determinações da Corte”, afirmou.
Nos próximos dias deverá acontecer a primeira reunião da Comissão Especial para tratar da execução das medidas determinadas pela Corte. Entre elas a construção de um Memorial em homenagem a Gabriel Pimenta e todas as vítimas que deram suas vidas à luta em defesa dos direitos humanos. O Memorial será construído em Juiz de Fora, terra natal de Gabriel e onde moram seus familiares.
Todo o processo na Corte Interamericana foi acompanhado pelo advogado José Batista Afonso, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), radicado em Marabá, que considerou a sentença um grande avanço para combater a impunidade no campo.
O que a corte decidiu
Em razão das violações, a Corte ordenou as seguintes medidas de reparação ao Brasil:
Criar um grupo de trabalho com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias geradoras da impunidade e elaborar linhas de ação que permitam superá-las;
Publicar o resumo oficial da sentença no Diário Oficial da União, no Diário Oficial do Estado do Pará e em um jornal de grande circulação nacional, assim como a sentença, na íntegra, no site do governo federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário do Estado do Pará;
Realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação com os fatos do presente caso;
Criar um espaço público de memória na cidade de Belo Horizonte, no qual seja valorizado, protegido e resguardado o ativismo das pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil, entre eles o de Gabriel Sales Pimenta;
Criar e implementar um protocolo para a investigação dos delitos cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos;
Revisar e adequar seus mecanismos existentes, em particular o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, nos âmbitos federal e estadual, para que seja previsto e regulamentado através de uma lei ordinária e tenha em consideração os riscos inerentes à atividade de defesa dos direitos humanos;
Pagar as quantias fixadas na sentença a título de dano material (US$ 100 mil), imaterial (US$ 280 mil), custas e gastos (US$ 32.500).
Entenda os casos
Gabriel Sales Pimenta defendia o direito à terra de pequenos produtores da comunidade de Pau Seco, uma área pública no estado do Pará que fica na região conhecida como Polígono dos Castanhais, a maior reserva de castanha-do-Pará do Brasil à época.
A terra – mais de um milhão de hectares – era reservada para assentar famílias de agricultores. No entanto, os madeireiros Manoel Cardoso Neto, o Nelito, e José Pereira da Nóbrega, o Marinheiro, obtiveram, em 1980, o domínio útil de imóveis na região. Começou aí um conflito fundiário.
Com um pedido feito à Vara Penal de Marabá, os madeireiros conseguiram uma liminar de reintegração de posse e expulsaram os posseiros da região. Gabriel Sales Pimenta, então, entrou com um mandado de segurança contra a decisão, sob o argumento de que os moradores não tinham sido ouvidos e, portanto, a medida era ilegal. O recurso foi aceito e os trabalhadores voltaram à área.
Poucas semanas depois, ao sair de um bar em Marabá, o advogado foi morto com três tiros nas costas, à queima-roupa. Um inquérito foi aberto no dia seguinte e deu início a uma série de omissões da Justiça brasileira, conforme alegam os familiares e também a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Conforme os autos, várias tentativas de ouvir os acusados fracassaram, porque eles não foram às audiências, principalmente alegando falta de condições financeiras. No decorrer das diligências, Marinheiro e Crescêncio Oliveira de Sousa, denunciado como autor dos disparos, também foram assassinados. Só Nelito foi condenado em júri popular, mas sumiu antes da sentença de pronúncia e só foi preso quatro anos depois, sendo solto em um mês.
O imbróglio culminou na prescrição do processo, 24 anos após o crime. Até hoje, 40 anos depois, ninguém foi punido.
Jornalista Vladimir Herzog
Em 25 de outubro de 1975, morria o jornalista, dramaturgo e professor Vladimir Herzog, assassinado em uma cela do DOI/CODI, em São Paulo. O Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) era um órgão subordinado ao Exército, e criado durante o regime militar para combater inimigos internos que, supostamente, ameaçariam a segurança nacional.
No dia anterior à sua morte, Herzog, então funcionário da TV Cultura de São Paulo, se apresentara voluntariamente para depor às autoridades militares. Entretanto, foi preso, interrogado, torturado e morto.
As autoridades da época informaram que se tratou de suicídio e publicaram uma foto em que ele aparece enforcado, segundo o laudo oficial, com a cinta do macacão que usava amarrada a uma grade a 1,63 metros de altura.
Ocorre, porém, que o macacão dos prisioneiros não tinha cinto, que era retirado, juntamente com os cordões dos sapatos. As fotos do laudo oficial mostravam os pés do prisioneiro tocando o chão, com os joelhos fletidos – posição em que o enforcamento era impossível.
A versão foi comprovada como falsa por uma ação civil na Justiça Federal, em 1976. Em outubro de 1978, o juiz federal Márcio Moraes, em sentença histórica, responsabilizou o governo federal pela morte de Herzog e pediu a apuração do caso. Em 1992, o Tribunal de Justiça do Estado considerou que a Lei de Anistia (1979) impedia a investigação.
Em 2018, A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil por negligência na investigação do assassinato do jornalista. (Fotos arquivos e redes sociais)
Na foto superior, membros da Corte Interamericana de Direitos Humanos – Crédito: Lucas Carlos Lima
Com informações da jota.info e Ensinar História