Segundo o Ministério do Trabalho, carvoarias e áreas de criação de gado têm o maior número de casos. Grupo Heineken surge na lista em caso de motoristas de transportadora resgatados de jornada exaustiva
Com 204 novos nomes o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) divulgou na quinta-feira (5) a atualização do cadastro de empregadores responsabilizados por mão de obra análoga à de escravo, a chamada “lista suja”. Esse é o maior número já registrado de entradas de pessoas físicas e jurídicas na base de dados criada em novembro de 2003, segundo a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do MTE.
Com a atualização, o cadastro totaliza 473 empregadores autuados nos últimos anos e incluídos após exercerem o direito de defesa em duas instâncias na esfera administrativa. Lançada há 20 anos, no primeiro governo Lula, a lista é atualizada semestralmente com a entrada e a saída de nomes – a última atualização foi em abril. Ela seguiu em vigência durante a gestão Jair Bolsonaro e, segundo as Nações Unidas, representa um dos principais exemplos globais de combate à escravidão contemporânea.
De acordo com o MTE, a atualização tem “decisões irrecorríveis” referentes a casos identificados pela Inspeção do Trabalho desde 2018. Esses casos abrangem 25 das 27 unidades da federação – as exceções são Acre e Amapá. Entre os estados com maior quantidade, estão Minas Gerais (37), São Paulo (32), Pará (17), Bahia e Piauí (14 cada), Maranhão (13), Goiás (11) e Rio Grande do Sul (8).
Dos 204 novos empregadores, destaca-se a presença da Cervejaria Kaiser, empresa do grupo Heineken, 19 ligadas ao serviço doméstico e três restaurantes de comida japonesa no município de São Paulo. Confira a relação completa neste link. Em nota, a cervejaria afirma que respeita a legislação e mobilizou-se para apoiar os trabalhadores.
Na avaliação do auditor fiscal Matheus Viana, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do MTE, o cadastro continua sendo “uma importante ferramenta de transparência” para a sociedade. Para ele, o número recorde de novas entradas reflete “o compromisso da Inspeção do Trabalho em erradicar o trabalho escravo”.
Carvão, bovinos, domésticos
Ainda segundo a SIT, as atividades econômicas com maior número de empregadores incluídos são produção de carvão vegetal (23) e criação de bovinos para corte (22). Em seguida, vêm serviços domésticos (19), cultivo de café (12) e extração e britamento de pedras (11). “A inclusão de pessoas físicas ou jurídicas no Cadastro de Empregadores só ocorre quando da conclusão do processo administrativo que julgou o auto específico de trabalho análogo à escravidão, no qual tenha havido decisão administrativa irrecorrível de procedência”, ressalta o MTE. A atualização, semestral, visa a “dar transparência aos atos administrativos que decorrem das ações fiscais de combate ao trabalho análogo à escravidão” realizadas por auditores-fiscais do Trabalho.
Essas operações costumam incluir agentes de outros órgãos públicos, como Defensoria Pública da União (DPU), Ministérios Públicos Federal (MPF) e do Trabalho (MPT), Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF). Os nomes dos empregadores devem permanecer publicados durante dois anos. Por isso, a atual lista teve 12 excluídos. Das centenas de casos, dois se destacam pela quantidade de trabalhadores resgatados. Foram 138 na Fazenda São Franck, da Agro Pecuária Nova Gália, em Acreúna (GO). E 78 em instalações de uma fábrica, ao lado de igreja em Ceilândia, no Distrito Federal, envolvendo o pastor Alírio Caetano dos Santos Junior.
De acordo com os dados disponíveis na SIT, neste ano, até agora, foram resgatados 1.443 trabalhadores de situação análoga à escravidão. Em todo o ano de 2022, foram 2.587. Desde que as operações tiveram início, em 1995, o total chega a 61.711.
Heineken
A ação fiscal que levou à inclusão da Kaiser na lista suja ocorreu em março de 2021. Na ocasião, auditores fiscais fizeram uma inspeção na Transportadora Sider, em Jacareí (SP) e Limeira (SP), e resgataram 23 trabalhadores. Durante as investigações, constatou-se o vínculo entre a transportadora e a Kaiser. “Conclui-se que o contratante Cervejarias Kaiser Brasil é responsável direto pelas condições análogas às de escravo a que foram submetidos os 23 motoristas profissionais que lhe prestavam serviços de transporte da contratada Transportadora Sider”, diz o auto de infração.
Os resgatados eram todos migrantes estrangeiros – um haitiano, e os demais, venezuelanos. De acordo com os auditores, eles foram “arregimentados de forma fraudulenta e ilícita”, caracterizando “tráfico de pessoas para fim de exploração laboral”. A jornada de trabalho foi considerada exaustiva, sem tempo para descanso semanal remunerado nem intervalo de jornada. Também foram identificadas condições degradantes, pois parte dos trabalhadores não tinha residência e dormia no próprio caminhão.
Em nota, o grupo Heineken afirmou que, na época da fiscalização, a empresa se mobilizou para “dar todo apoio aos trabalhadores envolvidos e para garantir que todos os seus direitos fundamentais fossem reestabelecidos prontamente”. O texto informa ainda que a transportadora não faz mais parte do quadro de fornecedores da companhia. A nota informa que a Heineken reafirma o “respeito à legislação e aos direitos dos trabalhadores” e que segue “à disposição para continuar construindo, em parceria com o mercado, formas de trabalho e controle para que casos como esse não se repitam no futuro”.
(Foto: Cid Vaz/TV Bahia)