Com 9 votos a dois, Corte entendeu que marco temporal é inconstitucional; Definições sobre a tese serão feitas na próxima sessão
Depois de onze sessões de julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, por nove votos a dois, a validade do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Com o voto final da presidente da Corte, ministra Rosa Weber, nove ministros se manifestaram contra a tese — Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Na outra ponta, foram favoráveis ao marco temporal os ministros Nunes Marques e André Mendonça.
A proclamação do resultado causou grande comemoração do lado de fora do Supremo, tanto entre os indígenas de diferentes etnias que acompanharam o julgamento na frente do edifício sede do STF, como do outro lado no Eixo Monumental, nos ministérios e no Congresso Nacional, entre os governistas. “O Supremo Tribunal Federal formou a maioria absoluta com os votos de hoje. Seguimos agora comemorando, celebrando sim, essa grande conquista. Foram tantos anos de muitas lutas, muitas mobilizações, muita apreensão para este resultado, porque esse resultado define o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil. Então vamos sim comemorar o resultado dessa grande força dos povos indígenas do Brasil”, disse a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, que segue em Nova York, cumprindo agendas relacionadas à Semana do Clima.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, afirmou em seu perfil no X (ex-Twitter) que “essa é uma vitória enorme, fruto de muita mobilização dos povos indígenas”, para que o Brasil honre “a tradição ancestral dos povos originários”. Ela também declarou que o país “é terra indígena”. O líder do Governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), compartilhou um vídeo nas redes sociais afirmando que a tese do marco temporal “era descabida por excelência”. Para ele, está confirmado pela Suprema Corte que a tese fere a Constituição. Ele ainda lembrou uma frase dita pelo presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães (1916-1992), na promulgação da Carta Magna: ‘Traidor da Constituição é traidor da pátria'”.
O líder da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) no Senado Federal, Fabiano Contarato (ES), celebrou a inconstitucionalidade da teses do marco temporal e disse que os “indígenas não precisam comprovar quando e onde chegaram”. “A demarcação é o reconhecimento estatal do direito à posse de territórios ocupados tradicionalmente pelos povos originários. Ao dizer não ao marco temporal, o Judiciário brasileiro demonstra que o Brasil não pode – e não vai – retroceder e violentar, ainda mais, os povos que são a origem da nossa história”, destacou nas suas redes sociais.
Também através de um vídeo no X, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, destacou o que representa o resultado da votação para o País. “Isto comprova, mais uma vez, que é possível combinar #DesenvolvimentoEconômico com #Sustentabilidade e proteção de terras, que não são só dos povos indígenas, mas do conjunto da União. Esta é a garantia da defesa da nossa biodiversidade. Da nossa diversidade étnica e cultural”. Para a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente do PT, comemorou a decisão do STF, mas alertou para a atenção que se deve ter agora no Parlamento. “Muito bom! STF derruba tese do marco temporal garantindo à comunidade indígena o direito à terra. Agora, é atenção no Senado pra evitar o retrocesso de invasores, desmatadores e garimpeiros. Vivam os povos originários!”
A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, celebrou o placar favorável ao que chamou de “luta incansável” dos povos indígenas. “Hoje é um dia de comemoração para nós, para os povos indígenas, porque é a Suprema Corte colocando um ponto final nessa discussão do marco temporal. Essa é uma questão que gera enorme angústia e apreensão para os povos indígenas, são muitos esforços que as pessoas fizeram até agora para chamar atenção desta causa, vieram até Brasília, fizeram grandes mobilizações. Por isso, o STF reconhecer a inconstitucionalidade é um alívio” disse.
A deputada indígena Célia Xakriabá (PSOL-MG) também celebrou a vitória para os povos indígenas: “Marco Temporal enterrado! 9×2! Esse é o placar pela vida! Vitória da luta! Vitória do quarto poder! Vitória dos povos indígenas!”, exaltou. Parlamentares da base governista também celebraram publicamente a decisão histórica do STF, como os senadores Beto Faro (PT-PA), Humberto Costa (PT-PE), Rogério Carvalho (PT-SE) e os deputados Lindberg Farias (PT-RJ), Emidio de Souza (PT-SP), Rogério Correia (PT-MG), Maria do Rosário (PT-RS), Duda Salabert (PDT-MG), Túlio Gadêlha (Rede-PE), Sâmia Bomfim (PSol-SP), Talíria Petrone (PSol-RJ), Guilherme Boulos (PSol-SP), Jandira Feghali (PCdoB-RJ) entre outros.
Últimos votos
Há divergências quanto às reparações e indenizações devidas a quem ocupa terras consideradas indígenas, questão que ainda será definida com a fixação de uma tese na próxima quarta-feira (27), dia da última sessão presidida por Rosa Weber. Nesta quinta-feira a maioria dos ministros concordou apenas em derrubar a validade do marco temporal. Fux e Cármen seguiram a posição do relator, ministro Edson Fachin. Também contrários ao marco temporal, mas com divergências com relação a algumas outras condicionantes, foram os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Dias Toffoli. Moraes foi seguido pelo ministro Gilmar Mendes e Barroso seguiu Zanin. “O marco temporal, como afirmou o relator, não é o fator definidor para as terras que são tradicionalmente ocupadas”, disse Cármen.
Esses magistrados entendem que não é necessária a comprovação de que os povos originários ocupavam a terra no momento da promulgação da Constituição de 1988 para ter direitos sobre o solo. Seria, portanto, inconstitucional estabelecer esse critério, como pretende o Congresso Nacional, por meio de lei, ou por decisão do Poder Judiciário. “Ainda que não tenham sido demarcadas, essas terras devem ter a proteção do estado. Essa no meu modo de ver é a interpretação mais correta da Constituição. Muito já se disse aqui. Trago no meu voto essa interpretação finalístico do artigo 231 que assenta que são reconhecidas aos índios as terras que tradicionalmente ocupam”, disse Fux, que se absteve de proferir uma tese neste momento.
Indenizações
Com relação às indenizações, o quadro de divergências entre os ministros se dá entre Fachin, para quem não deve haver qualquer indenização, Moraes, que defende indenização a todos que ocuparam de ‘boa-fé’ e Zanin. Ao votar contra o marco temporal, Zanin reconheceu o direito à indenização das benfeitorias decorrentes das ocupações de terras indígenas feitas de boa-fé, mas defendeu a necessidade de também indenizar o valor da terra nua, se for comprovada a aquisição de boa-fé.
No Legislativo, a apreciação do projeto que trata do marco temporal, já votado pela Câmara, foi adiada na quarta-feira (27) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Após um pedido de vista feito por governistas, que defendem uma decisão pelo STF, o texto do relator Marcos Rogério (PL-RO) deve ser analisado pelo grupo só na próxima semana.
(Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebon/Agência Brasil)