Glauber denuncia que reforma garante tributação reduzida para compra de agrotóxicos

Texto mantém benefícios fiscais a venenos usados em lavouras na contramão de países desenvolvidos que têm criado taxação extra. Para deputado, essa é uma “bomba relógio” da bancada ruralista da Câmara. 

 

 

Thiago Vilarins – Uma voz divergente à aprovação da proposta de Reforma Tributária na Câmara dos Deputados, o deputado Glauber Braga (PSol-RJ) fez duras críticas a uma grave distorção contida no texto do relator, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), de manter benefícios fiscais aos agrotóxicos. Conforme o parlamentar, o texto dá desconto de 50% nos tributos sobre agrotóxicos e produtos similares. Braga atribui esse benefício à influência da bancada ruralista da Câmara dos Deputados.

“É um absurdo, porque vai na contramão do que está acontecendo, em vários países do mundo, que é ampliar a taxação sobre os agrotóxicos. Aqui, a bancada do latifúndio garante que você vai ter uma ampliação do veneno na mesa de brasileiros e brasileiras, sem uma política que seja de fortalecimento, prioritariamente, a agricultura familiar, a agricultura orgânica. Então, é uma bomba”, reclamou Glauber em entrevista exclusiva ao Opinião em Pauta.

O deputado explica que o texto aprovado na Câmara garante a cobrança de impostos reduzidos sobre o comércio de agrotóxicos no país. A reforma, em si, prevê, basicamente, a simplificação do sistema tributário nacional pela unificação de impostos federais, estaduais e municipais. Caso aprovada, o país passaria a ter somente dois impostos sobre consumo, que teriam uma alíquota única. Isso implica que todo produto ou serviço teria uma carga de impostos padrão. O governo estima que ela ficaria em torno de 25% do preço final. A reforma, contudo, também estabelece algumas exceções. Determinados tipos de produtos ou serviços teriam uma alíquota reduzida –40% da padrão– para torná-los mais acessíveis. Entram aí medicamentos, serviços de saúde, educação, etc. E nessa mesma lista entram os agrotóxicos.

Para Glauber, há necessidade de escancarar para a população essa armadilha contida na reforma para que o Senado se sinta obrigado à tirá-la do texto final. “O Senado muda se tiver pressão do povo pra mudar. Então, a nossa principal tarefa é se articular com o povo. É explicar o que está acontecendo. Uma parte significativa das pessoas acaba não sabendo o conteúdo que foi aqui aprovado. E porque não tem obrigação de saber mesmo. Uma matéria que entrou no plenário, no seu último texto, às 18h58 e foi votada às 21h e que uma emenda aglutinativa foi anunciada na hora, no plenário, como é que as pessoas vão saber? Uma parcela significativa dos deputados também não sabia o que que estava sendo votada”, disse.

Abstenção

Essa “bomba” foi uma das razões de Glauber ter sido uma das três únicas abstenções na votação da reforma tributária – o acompanharam Sâmia Bomfim (SP) e Fernanda Melchionna (RS). A posição dos parlamentares divergiu do resto da bancada do partido, que votou de forma favorável à proposta e, portanto, compôs os 382 votos que aprovaram a reforma no primeiro turno. A orientação dos três parlamentares foi a de se abster nos dois turnos. Eles tentaram dialogar com os colegas de bancada sobre a posição, mas não conseguiram convencê-los.

“O voto de abstenção teve um sentido de não se confundir com a hipocrisia bolsonarista, da extrema direita, que seria capaz de votar com a aprovação dessa matéria e, principalmente, com o conjunto de dados que foram por nós alertados. O Bolsonaro e os aliados dele não teriam dificuldade nenhuma de voltar a diminuição de impostos sobre agrotóxicos. Não teriam dificuldade nenhuma em ampliar a isenção sobre as instituições e conglomerados ligadas à grandes igrejas. Inclusive, foi durante o governo Bolsonaro que eles liberaram a faculdade do Silas Malafaia e que ampliaram o poder dessas estruturas. Não teriam nenhuma dificuldade em ampliar a isenção sobre tributação para produtos que vão para o exterior. Mas eles para se colocarem como oposição fizeram ali uma posição hipócrita, mesmo tendo acordo com boa parte daquilo que estava sendo aprovado”, disse.

 

Glauber Braga: “A orientação da reforma ela tem um caráter liberal e é fundamental a gente chamar a atenção para aquilo que está acontecendo, prioritariamente, para esses pontos que são mais drásticos.” ( Foto: Reprodução)

Confira a entrevista exclusiva do deputado para o portal Opinião em Pauta:

   

O senhor se posicionou contrário a grave distorção contida na PEC da reforma tributária, em relação ao desconto de 50% nos tributos sobre agrotóxicos e produtos similares. O relator disse que fez uma alteração neste item, mas ao que parece ela não atendeu a sua reivindicação. Essa distorção continua no texto que foi para o Senado?

Continua, porque você teve ali uma redução de 60% na cobrança de impostos sobre agrotóxicos ao eles serem tratados como insumos agropecuários. Se você manteve a tributação, em menos da metade, para esses insumos, consequentemente, está tratando de agrotóxicos também. O que saiu do texto foi aquela tabela que estava indicada em que existia uma confusão, porque entrava na mesma parte que tratava de produtos de higiene, mas o desconto para agrotóxico continuou como insumo agropecuário.

 

Essa é uma armadilha, uma bomba relógio, escondida no relatório da reforma tributária?

É um absurdo, porque vai na contramão do que está acontecendo, em vários países do mundo, que é ampliar a taxação sobre os agrotóxicos. Aqui, a bancada do latifúndio garante que você vai ter uma ampliação do veneno na mesa de brasileiros e brasileiras, sem uma política que seja de fortalecimento, prioritariamente, a agricultura familiar, a agricultura orgânica. Então, sim, é uma bomba.

 

Para aprovação desta reforma tributária e também de outras propostas importantes na Câmara, o governo teve que contar com o apoio do Centrão, onde está a bancada ruralista que o senhor critica. O senhor acredita que elas estão passando porque também estão atendendo os interesses deste grupo parlamentar?

E mesmo assim quando você for pensar nas medidas positivas que estão dentro da matéria, como, por exemplo, a cobrança da tributação no destino e não na origem, isso ficou pra frente, ficou pra 2026, nem pega esses primeiros três anos do governo Lula. Ou seja, pega só o ultimo ano. Aí depois pega 2035. Tem coisas que estão sendo jogadas para uma quantidade tão grande de anos a frente que depois, esses mesmos caras do centrão e da direita, podem entrar com uma outra emenda `na Constituição modificando. Agora, parte significativa dos privilégios deles já são alterações constitucionais imediatas.

 

Como quais, por exemplo?

Um exemplo é a ampliação do conceito de isenção para entidades ligadas à igrejas, a grandes conglomerados religiosos. Mudou na Constituição, está válido. Então, a bancada do latifúndio e outras bancadas que têm muita força, do ponto de vista congressual, estão fazendo com que os seus interesses estejam contidos no conjunto de matérias que tem sido votadas por aqui.

 

Essa foi uma das razões do senhor, mesmo sendo da base do governo, não ter a favor da reforma tributária e ter preferido se abster?

Sim, o voto de abstenção teve um sentido de não se confundir com a hipocrisia bolsonarista da extrema direita, que seria capaz de votar com a aprovação dessa matéria e, principalmente, com o conjunto de dados que foram por nós alertados. O Bolsonaro e os aliados dele não teriam dificuldade nenhuma de voltar a diminuição de impostos sobre agrotóxicos. Não teriam dificuldade nenhuma em ampliar a isenção sobre as instituições e conglomerados ligadas à grandes igrejas. Inclusive, foi durante o governo Bolsonaro que eles liberaram a faculdade do Silas Malafaia. Ampliaram o poder dessas estruturas, não teriam nenhuma dificuldade em ampliar a isenção sobre tributação para produtos que vão para o exterior. Mas eles para se colocarem como oposição fizeram ali uma posição hipócrita, mesmo tendo acordo com boa parte daquilo que estava sendo aprovado. E, também, não se confunde com o ‘oba oba’ que parte dos partidos que compõem o governo fizeram como se todos os problemas estivessem resolvidos com a aprovação dessa matéria, o que não é verdade. Repito, tem problemas estruturais gravíssimos e parte significativa do que é positivo é jogado para o futuro. Abstenção foi um sinal de alerta e uma chamada de atenção, inclusive, porque essa matéria vai continuar tramitando e ainda passa no Senado Federal. A orientação da reforma ela tem um caráter liberal e é fundamental a gente chamar a atenção para aquilo que está acontecendo, prioritariamente, para esses pontos que são mais drásticos.

 

De que forma o senhor e a bancada do seu partido vão tentar intervir no Senado para que esses itens que são motivos da sua crítica não estejam no texto final?

O Senado muda se tiver pressão do povo pra mudar. Então, a nossa principal tarefa é se articular com o povo. É explicar o que está acontecendo. Uma parte significativa das pessoas acaba não sabendo o conteúdo que foi aqui aprovado. E porque não tem obrigação de saber mesmo. Uma matéria que entrou no plenário, no seu último texto, às 18h58 e foi votada às 21h e que uma emenda aglutinativa foi anunciada na hora, no plenário, como é que as pessoas vão saber? Uma parcela significativa dos deputados também não sabia o que estava sendo votada. Até, porque, não teve nem tempo de fazer a leitura daquilo que estava colocado, principalmente, na emenda aglutinativa. ‘Ah, a matéria já está tramitando há tantos anos’, mas o texto que foi votado e a emenda aglutinativa que foi votada foi apresentada naquela hora. Então, o nosso papel e o nosso esforço tem que ser dialogar com as pessoas, mostrar o que está sendo votado e estabelecer uma organização para pressionar pelas modificações do Senado Federal dos pontos que são mais trágicos.

 

(Foto: Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados)

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