Em entrevista ao Congresso em Foco, o ex-ministro da Secretaria de Governo da Presidência de Jair Bolsonaro, general Carlos Alberto dos Santos Cruz cobra um posicionamento mais incisivo do Comando do Exército em relação aos tentáculos que o bolsonarismo ocupou na esfera militar.
Geeral Criz, como é chamado na caserna, considera que o ex-presidente cometeu um “crime absurdo” contra o Exército durante seus quatro anos à frente do Planalto. E prega que o atual comandante da instituição, general Tomás Paiva, seja mais contundente na defesa das Forças Armadas.
“Ele até falou, mas está muito espalhado, uma mensagem aqui, outra ali. Talvez uma concentração maior de informações seja melhor, tenha maior efeito na sociedade”, afirmou o general Santos Cruz. Para ele, o atual comando do Exército precisa deixar claro que eventuais crimes cometidos por militares próximos a Bolsonaro não podem ser confundidos com a instituição.
Sobre o envolvimento de militares com denúncias relacionadas ao governo Bolsonaro, o general disse que ficou surpresa, “ porque nenhum de nós imaginou que fosse chegar neste nível. São fatos muito degradantes, um nível muito rasteiro de problemas. São pessoas que têm um passado profissional de destaque”, falou.
Opinião em Pauta reproduz algumas perguntas respondidas pelo militar ao portal:
Qual o grau desse problema para as Forças Armadas?
Como pessoas, eles vão ter de se explicar. O assunto já passou para o controle da Justiça. Agora, sempre tem um reflexo para a instituição, isso não temos dúvida. Eu tenho alertado que uma coisa são as responsabilidades pessoais, outra são as instituições.
Precisa ser tomada alguma providência em relação ao Exército?
Você tem dois aspectos, o individual que está sendo analisado em inquérito, e as pessoas vão ter de se explicar dentro da lei. E tem as instituições que acabam sofrendo também. Tem de explicar ao público que uma coisa é responsabilidade individual, outra institucional. Não é a instituição que mandou fazer certas coisas. O Exército não pode tomar medidas disciplinares. Quando você tem um inquérito aberto, o assunto já está nas mãos da Justiça, o Exército não pode tomar medida administrativa.
O tenente-coronel Mauro Cid alega que estava cumprindo ordens. Um militar, com a experiência que ele tem, teria condições de negar uma ordem vinda de um presidente da República?
Há dois aspectos aí. Um é que não interessa se é presidente da República ou não. Não interessa nada. Uma ordem que você classifica como irregular você não deve cumprir. Uma ordem ilegal você não consegue justificar dizendo que estava cumprindo ordens. Isso é ensinado, todo mundo sabe. Agora, quando vai para a vida prática, o pedido ilegal sempre tem uma pressão sobre o subordinado, mas ele tem de dizer, “olha, não é isso aí”. Agora, o absurdo é alguém, em posição de superioridade, pedir alguma coisa ilegal a um subordinado. Aí é pior ainda.
O senhor imaginava que o ex-presidente Jair Bolsonaro chegasse a essa situação?
Isso está sendo avaliado, porque ele diz que não sabia, que não tinha conhecimento. A investigação vai ter de dizer se sabia ou não sabia. Agora tem de confrontar o depoimento dele com o do tenente-coronel.
O senhor acredita em Jair Bolsonaro?
Não. Agora, uma coisa é o que eu acho, outra é o que a investigação vai comprovar. O que vale agora é a investigação. Agora, você não consegue imaginar que presentes de governo, alguém vai se apropriar daquilo. É um nível tão ruim que você realmente se surpreende um pouco.
Bolsonaro fez mal para o Brasil?
A política tem ciclos. Ele foi eleito em uma eleição normal, limpa. Ele foi eleito não só porque a maioria da população votou nele, mas porque existia um clima de desencanto com governos anteriores. Ele foi eleito numa expectativa de corrigir isso aí. Não corrigiu. Fez algumas coisas como todo governo faz, porque tem orçamento, mas na parte comportamental foi muito ruim. O fanatismo que se desenvolveu, o extremismo, o populismo, tudo isso foi muito ruim, mas faz parte de um ciclo político. Depois ele não foi reeleito, agora vem um novo governo. A dinâmica política é assim. Ele foi uma ocorrência da dinâmica política.
O governo dele fez mal para as Forças Armadas?
Claro, sem dúvida. A vida militar é muito caracterizada pela farda, por uma série de coisas. Mas não é só a vida militar. Quando um padre faz uma besteira aí, a igreja toda é penalizada. Algumas instituições são muito marcadas, e quando alguém faz alguma bobagem ela desgasta a instituição também, que é o caso do Exército. Nesta hora, é muito importante lembrar que uma coisa é a responsabilidade individual, outra é a institucional. Tem de explicar para a sociedade, neste momento de desgaste, que a responsabilidade individual é uma coisa diferente.
Está faltando atitude das Forças Armadas em explicar à sociedade essa diferença?
O comandante do Exército (general Tomás Paiva) soltou uma nota dizendo que o Exército tem de se dedicar à vida profissional, à Constituição, às leis, vai corrigindo aos poucos. Mas aí, eu concordo com você, poderia ser feita uma coisa mais concentrada, mais forte para a sociedade tomar conhecimento. Ele até falou, mas está muito espalhado, uma mensagem aqui, outra ali. Talvez uma concentração maior de informações seja melhor, tenha maior efeito na sociedade. Na parte institucional você não pune a instituição. O maior erro é tentar punir a instituição. Instituição você aperfeiçoa.
Houve participação de militar em uma tentativa de golpe, e o que está acontecendo agora com o tenente-coronel Mauro Cid é um exemplo. Quando o Exército não coloca sua posição de forma clara, é ruim para a democracia?
É. A democracia é uma combinação de coisas. É a responsabilização individual e o aperfeiçoamento institucional. Esse conjunto de informações mais concentradas podem ter um efeito mais contundente para a sociedade. Mas ele tem feito de maneira mais espalhada. Há uma série de mensagens, mas uma explicação mais concentrada pode ter um efeito melhor.
Até porque a imagem do Exército está saindo chamuscada dessa situação?
É. Até porque há hoje uma tática contra o Exército muito forte pelos extremistas que não foram atendidos, que queriam que o Exército fizesse uma coisa que não fez. Não só por esses acontecimentos de agora. Há uma turma infiltrada e o Exército não fez o que eles queriam que era paralisar o processo eleitoral e o Exército não fez.
É um momento ruim para a instituição Exército?
É um momento difícil.
O bolsonarismo acabou fazendo mal para o Exército?
O período de Bolsonaro foi de um crime absurdo feito contra o Exército. Particularmente, no final do primeiro turno, ocorreram esses acampamentos, ele ficou quieto, não falou nada. Era uma obrigação dele falar, se dirigir àquelas pessoas e dizer que voltem para casa porque na porta do quartel não vai ter solução política. Ele tinha de falar isso porque era obrigação do presidente da República. E depois ele foi embora do país durante o exercício do mandato, uma coisa inimaginável que não dá para entender como a nossa legislação permite. Ele falhou. Foi uma covardia política. Era uma questão de respeito mínimo. (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)