Gaza e Ucrânia: Biden dá uma no cravo e outra na ferradura

Pode parecer exagero, mas a política externa dos EUA é tão complicada de entender quanto de justificar. “Joe Genocida”, como o Presidente Biden passou a ser conhecido entre manifestantes pró-palestina depois dos primeiros bombardeios de Gaza, apresentou dia 31 de maio um plano para o cessar-fogo entre Israel e o Hamas. No entanto, sua administração recusa qualquer diálogo de paz com a Rússia e quer garantir apoio militar permanente à Ucrânia.

Num critério de dois pesos e duas medidas, o mesmo governo dos EUA que faz apelos em favor de um entendimento e manda carregamentos de alimentos para Gaza, segue dando toda a sustentação ao governo de direita em Israel, vetando qualquer resolução de paz na ONU e, o mais importante, enviando toneladas de armas para as forças militares de Israel, com dinheiro dos impostos dos estadunidenses.

Sob a ameaça de nova vitória dos republicanos na eleição presidencial dos EUA, em novembro, Biden precisa apagar o incêndio causado pelo genocídio de Gaza, que conta com o apoio de seu governo desde outubro de 2023. Ao mesmo tempo, pretende fortalecer a OTAN no confronto com a Rússia, numa batalha para conter o avanço da China – hoje o principal parceiro comercial dos russos – sobre os mercados ocidentais. Por isso, autoriza o uso de foguetes de médio e longo alcance contra território russo, por parte do exército ucraniano.

 

Reeleição ameaçada

As consequências da política externa do governo democrata se fazem sentir na opinião pública dos Estados Unidos, ameaçando a reeleição de Biden.

Enquete do Wall Street Journal sobre a eleição presidencial de novembro deste ano, aponta que o candidato republicano, Donald Trump, consolidou liderança em seis dos sete estados decisivos para o colégio eleitoral que indica o Presidente dos EUA.

As opiniões negativas sobre o desempenho de Biden superam as opiniões positivas em pelo menos 16 pontos percentuais e mais de 20 pontos em quatro estados pesquisados. Trump obteve avaliação desfavorável de seu trabalho durante o período em que esteve na Casa Branca em apenas um dos sete Estados.

A pesquisa foi realizada entre 17 e 24 de março com 600 eleitores de cada um dos sete estados, perfazendo um total de 4.200 respostas.

 

Aliado problema

Biden descreveu a proposta de acordo para Gaza como “um mapa para um cessar-fogo duradouro e a libertação de todos os reféns”.

A primeira fase teria a duração de seis semanas e prevê “um cessar-fogo completo e total”, a retirada das forças israelitas de todas as áreas povoadas em Gaza, além da libertação de um determinado número de reféns israelenses, incluindo mulheres, idosos e feridos, numa troca por centenas de prisioneiros palestinos.

Os restos mortais dos reféns assassinados seriam devolvidos às famílias israelenses. A assistência humanitária aumentaria durante a primeira fase, com 600 caminhões a serem autorizados a entrar em Gaza todos os dias.

A segunda fase inclui a libertação dos restantes reféns vivos e também de soldados. As forças israelitas se retirariam de Gaza. “Enquanto o Hamas cumprir os seus compromissos, o cessar-fogo temporário se tornará, nas palavras das propostas israelitas, a cessação permanente das hostilidades”, garantiu Biden.

A terceira fase inclui o início da reconstrução de Gaza, que deverá levar décadas, já que o território está totalmente devastado pelos combates.

 

Problemas também para Netanyahu

No entanto, o fim da ofensiva militar em Gaza deve criar dificuldades políticas também para o governo do partido Likud e extremistas de direita de Israel, e a própria carreira de B. Netanyahu, que enfrenta três processos na Justiça e pode ser preso por corrupção, fraude e abuso de confiança, caso a situação política do país retorne à normalidade.

A situação se agrava com a decisão do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), que condena Netanyahu e líderes do Hamas, apesar dos EUA e Israel não reconhecerem o TIJ.

Por isso, o ministro dos Assuntos da Diáspora de Israel, Amichai Chikli, conclamou seu governo a não aceitar o acordo apresentado por Joe Biden. “Não temos outra escolha senão continuar a guerra e aniquilar o Hamas, e não há opção de aceitar um cessar-fogo enquanto o Hamas ainda estiver no poder”, disse Chikli.

Já os ministros Bezalel Smotrich (finanças) e Itamar Ben-Gvir (segurança nacional) – ambos da extrema-direita israelense – anunciaram que renunciam aos seus cargos se a proposta de Biden for aceita por Netanyahu.

 

Hamas acena com apoio

O Hamas, por sua vez, anunciou que encara a proposta “positivamente” devido ao seu apelo a um cessar-fogo permanente, à retirada das forças israelenses de Gaza, à reconstrução e à troca de prisioneiros.

Representantes do grupo disseram estar prontos para “lidar de forma positiva e construtiva” com qualquer proposta baseada num cessar-fogo permanente, desde que Israel “declare seu compromisso explícito com isso”.

Um oficial palestino familiarizado com as negociações que viu a nova proposta israelense disse que o documento não incluía uma garantia de que a guerra terminaria, nem que as tropas israelenses se retirariam por completo de Gaza.

Mais de 36.200 palestinianos já foram mortos e 82.000 ficaram feridos nos ataques israelitas a Gaza desde 7 de outubro, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.

 

Armas e dinheiro para a Ucrânia

É conhecida a posição do Partido Republicano, que não enxerga a Rússia como principal ameaça aos EUA, preferindo o enfrentamento direto com a China e, internamente, a questão dos imigrantes. Se os republicanos vencerem a eleição de novembro, a situação da guerra da Ucrânia pode mudar.

Por isso a pressa de Jens Stoltenberg, secretário-geral da OTAN, em anunciar um plano de ajuda permanente de 40 bi de euros/ano para a Ucrânia. Este acordo deve ser firmado em julho, na Conferência de Washington, que marcará os 75 anos de existência da aliança militar.

A conferência de Washington também poderá ser o palco do anúncio do convite formal para a adesão da Ucrânia à OTAN. O gasto militar de todos os membros da OTAN ultrapassa mais de 70% do total de despesa militar global, apesar de alguns países ainda não investirem os 2% do seu Produto Interno Bruto no setor de defesa, como previsto.

Vale lembrar que o projeto estratégico OTAN 2030, apresentado em 2019 e que voltará a ser abordado em Washington, associa a necessidade da organização enfrentar o avanço da China ao nível global, propondo o reforço da cooperação com parceiros na região do Indo-Pacífico, entre eles a Austrália, o Japão, a Coreia do Sul e a Nova Zelândia. (Foto: BBC-Londres)

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

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