Por Henrique Acker – Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, faleceu aos 88 anos na Semana Santa. Sua última aparição em público foi na Praça de São Pedro, no Vaticano, no domingo de Páscoa.
Jesuíta, Bergoglio foi também o primeiro Papa não europeu. Francisco deixa um legado de simplicidade, reaproximação da Igreja Católica com os mais pobres, tolerância inter-religiosa e firmeza no combate à corrupção e pedofilia na Igreja Católica.
Jesuíta
Jorge Bergoglio nasceu em Buenos Aires, no bairro de Flores, numa família de imigrantes italianos. Ingressou na Companhia de Jesus em março de 1958.
O cardeal Bergoglio foi eleito Papa em 13 de março de 2013. Escolheu o nome de Francisco para o seu pontificado, numa referência à “simplicidade e dedicação aos pobres” de Francisco de Assis.
Apesar de denúncias de que teria se omitido ou até mesmo colaborado com a prisão de padres ligados à resistência contra o regime militar na Argentina, várias testemunhas e personalidades desmentiram cabalmente qualquer ligação de Bergoglio com a ditadura.
Justiça social
Ao contrário do que se pensa, o Papa Francisco não era ligado à Teologia da Libertação, corrente da Igreja Católica de viés progressista na América Latina. Ainda assim, o Papa é conhecido por sua postura a favor dos menos favorecidos.
“Vivemos na região mais desigual do mundo, a que mais cresceu e a que menos reduziu a miséria. A distribuição injusta de bens persiste, criando uma situação de pecado social que grita aos céus e limita as possibilidades de vida mais plena para muitos de nossos irmãos”, declarou em 2007.
Recentemente, em entrevista a uma emissora de TV argentina, Francisco revelou preocupação com o crescimento da extrema-direita no mundo. Para o Papa, o antídoto para este fenômeno político é a “justiça social”.
“Tesouro” da Solidariedade
Em discurso na apresentação das cartas credenciais de embaixadores na Santa Sé em 16 de maio de 2013, o Papa fez menção à solidariedade como o verdadeiro tesouro do homem e que o culto ao dinheiro produz desigualdades e injustiças contra corações e contra povos.
Sobre a crise econômica e a prevalência da “economia de mercado”, Francisco tinha uma posição bastante crítica. Na ocasião, Francisco cunhou a frase “O dinheiro deve servir, e não governar”.
“Criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro encontrou uma nova e cruel versão na idolatria do dinheiro e na ditadura de uma economia realmente sem fisionomia nem finalidade humanas”, alertou o Papa.
“Os alimentos jogados no lixo são alimentos roubados da mesa do pobre, de quem tem fome. A ecologia humana e a ecologia ambiental são inseparáveis, (…) vemos agora a crise no meio ambiente, mas a vemos, sobretudo, no homem. A pessoa humana está hoje em perigo! (…) Na cultura do desperdício, se morrem homens e crianças não é notícia; mas se a bolsa cai, é uma tragédia.” Palavras que proferiu no Dia da Natureza, em 2013.
Sem preconceitos
Não foi um Papa que desafiou os dogmas da Igreja Católica, como o celibato e a proibição da ordenação de mulheres, embora tenha tratado do casamento, do homossexualismo, do aborto e outros temas sem preconceito e sempre com cautela.
Em 2013, em entrevista durante o voo de retorno a Roma depois de ter participado da Jornada Mundial da Juventude, ocorrida no Brasil, Francisco declarou: “Se uma pessoa é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para a julgar?
Francisco chegou a afirmar que os homossexuais não devem ser marginalizados, mas integrados à sociedade. “Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar na sua vida a vontade de Deus.”
Banco do Vaticano
No entanto, promoveu iniciativas para sanear antigos problemas, entre eles a denúncia de lavagem de dinheiro em contas do Banco do Vaticano.
Em 24 de fevereiro de 2014, o papa criou a Secretaria para a Economia. Contas do banco foram examinadas e milhares foram fechadas — a fim de cumprir os padrões internacionais.
No fim de 2014, o responsável pelas investigações anunciou que tinha encontrado “centenas de milhões de euros” escondidos em contas particulares que não apareciam no balanço da instituição.
Combate à pedofilia
Em abril de 2014, o Papa pediu perdão pelos casos de pedofilia e abusos sexuais cometidos por sacerdotes da Igreja Católica.
Em maio de 2019, Francisco promulgou o motu proprio “Vós sois a Luz do Mundo”, estabelecendo novas normas de procedimento para combater o abuso sexual e garantir que bispos e superiores religiosos sejam responsabilizados por suas ações.
O documento exige que clérigos e irmãos e irmãs religiosos, incluindo bispos, em todo o mundo denunciem casos de abuso sexual e encobrimentos de abuso por seus superiores.
Inter-religioso e entusiasta da juventude
Em 2019, durante uma visita aos Emirados Árabes Unidos, o Papa encontrou-se com Ahmed Al-Tayeb, Grande Imã de Al-Azhar, em Abu Dhabi. Na ocasião, a 4 de fevereiro, os dois assinaram o Documento sobre a Fraternidade Humana.
Entusiasta das ações sobre as mudanças climáticas e seus efeitos sobre o meio ambiente, Francisco não perdia oportunidades para alertar os católicos e a humanidade sobre os perigos do aquecimento global e do mau convívio com a natureza em todo o planeta.
Francisco foi também um Papa que incentivou e participou ativamente da Jornada Mundial da Juventude católica, tanto no Brasil quanto em Portugal. Era a oportunidade que encontrava para dialogar abertamente com jovens do mundo inteiro.
Contra as guerras, pela paz
Francisco condenou a ofensiva militar israelense contra a Faixa de Gaza e pediu investigação internacional do caso. Num excerto de livro publicado em novembro de 2024, o pontífice escreveu que alguns especialistas internacionais disseram que “o que está acontecendo em Gaza tem as características de um genocídio”.
Em 21 de dezembro, o Papa expressou publicamente seu repúdio ao massacre em Gaza: “Ontem, as crianças foram bombardeadas”, disse o papa. “Isso é crueldade. Isto não é guerra. Eu queria dizer isso porque toca o coração.”
“Simplesmente menciono hoje dois fracassos da humanidade: a Ucrânia e a Palestina, onde as pessoas sofrem, onde a arrogância do invasor prevalece sobre o diálogo”, disse o Papa em 25 de novembro do ano passado.
Por Henrique Acker (correspondente internacional)