Exército pode ter primeiras mulheres generais após dois séculos

Estabelecido em 1822, o Exército Brasileiro pode, pela primeira vez em sua história de mais de duzentos anos, contar com uma mulher no posto de oficial-general a partir de novembro deste ano, quando o Alto Comando inicia um novo ciclo de promoções. Atualmente, duas candidatas estão qualificadas para atingir o mais alto nível da hierarquia: as coronéis Carla Maria Clausi e Carla Lobo Loureiro. Ambas pertencem à turma de oficiais médicos de 1997 e passarão por uma avaliação para promoção ao grau de general de brigada em outubro, com a possibilidade de uma decisão no mês subsequente.

Com a implementação do alistamento voluntário de mulheres pelas Forças Armadas, valida desde este ano, o Exército tem focado em iniciativas que enfatizem a dedicação à inclusão feminina nas carreiras militares. Nesse contexto, especialistas envolvidos na discussão apontam que há uma esperança de que o Alto Comando nomeie uma mulher para o cargo de general até o começo de 2026.

A escolha, feita pelo líder da instituição, Tomás Paiva, junto com 16 generais do Exército (título conferido aos militares ativos promovidos ao quarto estigma), é apresentada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) através do Ministério da Defesa, que tem a opção de aceitar ou rejeitar o nome. Entretanto, é incomum que o chefe do Executivo negue essa proposta.

A ascensão de um coronel ao posto de general, assim como o número de promoções concedidas, está condicionada à disponibilidade de vagas o coronel deve aguardar que um general se aposente. As indicações são submetidas a um processo minucioso de avaliação pelo Alto Comando e a seleção é baseada em dois critérios principais: tempo de serviço e desempenho.

 

Reconhecimento da ONU

Carla Clausi se destaca por ter sido a pioneira no liderazgo de uma unidade do Exército, sendo a primeira mulher a ocupar essa posição. Em 2015, ela foi nomeada para chefiar o Hospital de Guarnição de João Pessoa. Naquele período, ganhou destaque na mídia devido às ofensas misóginas que enfrentou nas redes sociais. Mensagens em uma publicação na conta oficial do Exército sugeriam que sua nomeação era resultado de influência de seu “marido” ou de ser filha de alguém importante”.

Nem um nem outro. Ao longo de seus 28 anos de trajetória nas Forças Armadas, Clausi construiu um extenso histórico de contribuições. Formada em Medicina pela Universidade Federal do Paraná, com especializações em cardiologia clínica e terapia intensiva, ela se alistou no Exército em 1996 na posição de tenente temporária.

No ano posterior, participou do exame para ingressar na profissão de oficial médica e finalizou, com a melhor colocação, o treinamento na Escola de Saúde do Exército, em 1997. Em seu currículo, destaca-se uma missão no Haiti, onde resgatou crianças que estavam sob os escombros de um edifício que desabou em 2008, fato que a fez ser reconhecida com uma homenagem da Organização das Nações Unidas (ONU).

Clausi se afastou do comando do Hospital de Guarnição de João Pessoa em 2017, quando se mudou para Brasília para trabalhar na 11ª Região Militar. No começo da pandemia de Covid-19, em 2020, já estabelecida na capital, a coronel participou da criação da infraestrutura do Hospital de Campanha, que foi organizado para atender os 34 brasileiros repatriados da China durante a Operação Regresso à Pátria Amada Brasil.

Atualmente, a coronel concilia sua carreira militar com sua atuação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital de Base, localizado no Distrito Federal. Nesse ambiente, a médica se dedica ao setor coronariano, que cuida de pacientes que enfrentam dificuldades cardíacas.

Ao serem procuradas, tanto Clausi quanto sua colega, ambas candidatas ao generalato, optaram por não comentar sobre o processo de promoção. A divulgação de informações desse tipo geralmente não é bem vista pelos oficiais de alta graduação.

Carla Lobo Loureiro ocupa a posição de inspetora de Saúde na 12ª Região Militar, localizada em Manaus. Ela se graduou em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e possui uma especialização em otorrinolaringologia, tendo dedicado parte significativa de sua trajetória profissional como médica no Comando de Aviação do Exército.

Ela foi uma das primeiras mulheres a liderar duas organizações militares de saúde. Inicialmente, no Hospital de Guarnição de Florianópolis, onde atuou de 2019 a 2022, e posteriormente, no Hospital Militar de Área de Porto Alegre (HMAPA), que esteve sob sua direção até dezembro de 2023.

 

Advertência de Moraes

No ano anterior, a militar recebeu uma reprimenda do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), direcionada ao Exército, após realizar visitas diárias ao seu esposo, o coronel Hélio Lima, que estava detido em um batalhão no Rio, sob a suspeita de participação na conspiração golpista contra a posse de Lula. Na oportunidade, o Exército argumentou ao ministro que, como ela morava em Manaus, havia aproveitado sua estadia no Rio para efetuar as visitas contínuas.

Até o ano passado, as Mulheres podiam ingressar nas Forças Armadas após concluírem os cursos para suboficiais e oficiais. No entanto, essa situação foi alterada em 1º de janeiro, quando passou a ser permitido o alistamento feminino no Exército, na Marinha e na Aeronáutica a partir dos 18 anos.

Ao contrário dos homens, que devem se alistar em uma unidade militar ao atingir a maioridade de 18 anos, a alistamento feminino é opcional, restrito às mulheres que desejam se juntar às forças armadas. De acordo com a capitã do Exército Etiene Luíza Busnello, essa medida visa promover a equidade entre os gêneros dentro da corporação.

O serviço militar possui uma longa história e é notável que a participação feminina tem aumentado ao longo dos anos. A proposta de aceitar mulheres como soldados visa promover a igualdade e a universalidade entre os gêneros. Segundo Busnello, as experiências vivenciadas pelas mulheres ao se alistarem são equivalentes às dos homens.

O processo de incorporação terá início em 2026. Conforme informou a capitã, até o momento, 26.130 mulheres se registraram, e esse total deve crescer, pois as inscrições permanecem abertas até o dia 30 de junho. Contudo, somente 1.010 serão escolhidas para o serviço.

 

‘O Brasil se encontra em desvantagem

Em comunicado, o Exército afirma que a integração das mulheres na corporação tem sido realizada de maneira segura e gradual, fundamentada em estudos científicos, de forma progressiva e ajustada às particularidades individuais e coletivas das mulheres brasileiras e da Força Terrestre“.

Atualmente, mais de 34 mil mulheres fazem parte das Forças Armadas do Brasil. No entanto, a oportunidade para que elas se juntassem a essas instituições surgiu apenas em 1980, com a criação do Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha (CAFRM). O Exército, por sua vez, começou a admitir mulheres em suas tropasum pouco mais de trinta anos, em 1992.

Segundo a instituição, atualmente existem aproximadamente 13 mil mulheres na Força, exercendo funções como oficiais, subtenentes e sargentos, “com os iguais direitos, responsabilidades, remunerações e chances que os militares do sexo masculino”.

Em abril de 2023, na esteira dos eventos do dia 8 de janeiro, Lula esteve presente em uma cerimônia para apresentar os oficiais-generais recém-nomeados do Exército, Marinha e Força Aérea. Durante o evento, a médica Maria Cecilia Barbosa foi promovida a contra-almirante pela Marinha, tornando-se a primeira mulher negra a alcançar o posto de oficial-general.

No mês de agosto do ano anterior, o titular da Defesa, José Múcio Monteiro, apoiou a inclusão das mulheres no processo de alistamento.

— Isso é extremamente relevante, o Brasil está em desvantagem ressaltou.

Na imagem destacada,  Carla Lobo Loureiro caminha ao lado do comandante do Exército, Tomás Paiva  (Foto: HOSPITAL MILITAR DE ÁREA DE PORTO ALEGRE /DIVULGAÇÃO)

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