Europeus pagam a conta da sabotagem aos gasodutos Nord Stream

Henrique Acker (Correspondente Internacional) – Primeiro foram as denúncias do premiado jornalista Seymour Hersh(*), depois o dossier com informações obtidas e divulgadas por um hacker e reproduzidas pelo jornal Washington Post. Hersh afirma, com base em depoimentos de suas fontes, que o governo Biden foi o mandante da explosão do Nord Stream 2, gasoduto situado no Mar Báltico, que liga a Rússia à Alemanha, em setembro de 2022.

Por sua vez, com base em documentos reproduzidos pela plataforma de bate-papo Discord, supostamente pelo membro da Guarda Nacional Aérea, Jack Teixeira, o Post teve acesso e publicou informações do serviço europeu de inteligência. Neles se reconhece planos da Ucrânia para destruir o gasoduto, a partir da ação de um grupo especial de sabotagem que se reportaria diretamente ao comandante-em-chefe das forças armadas ucranianas.

Após meses de pressão de Washington, o governo alemão suspendeu a autorização final de funcionamento do Nord Stream 2, poucos dias antes das forças russas invadirem a Ucrânia, em fevereiro de 2022.

Autoridades americanas e europeias temiam que Berlim achasse a Rússia uma fonte de energia importante demais para romper os laços com o governo Putin.

Seja como for, quem pagou a conta salgada da destruição dos gasodutos e o corte de fornecimento de gás e petróleo russo foi o cidadão europeu.

 

Ucranianos ou estadonidenses?

De acordo com a investigação conduzida e relatada por Hersh, que se apoia em informações de uma fonte anônima “com conhecimento direto do planeamento operacional”, os mergulhadores da marinha dos EUA colocaram explosivos C4 no gasoduto durante um exercício naval conjunto da OTAN, em junho de 2022. Três meses depois, os explosivos foram detonados através de uma bóia hidroacústica lançada por um avião da marinha norueguesa, em 26 de setembro.

As explosões subaquáticas causaram grandes vazamentos nos gasodutos Nord Stream 1 e 2, deixando apenas uma das quatro ligações de gás da rede intacta. Alguns funcionários do governo Biden sugeriram inicialmente que a Rússia era a culpada pelo que o Presidente Biden chamou de “um ato deliberado de sabotagem”, prometendo que os Estados Unidos trabalhariam com seus aliados “para chegar ao fundo do que exatamente (…) aconteceu.”

Por outro lado, investigadores alemães descobriram detalhes sobre o bombardeio, que têm muitas semelhanças com o que o serviço europeu afirmou que a Ucrânia estaria planejando.

Os investigadores combinaram resíduos explosivos encontrados na tubulação com vestígios encontrados dentro da cabine do iate, chamado Andrômeda. E ligaram indivíduos ucranianos ao aluguel do barco por meio de uma aparente empresa de fachada na Polônia. Os investigadores também suspeitam que pelo menos um indivíduo que serve no exército ucraniano estava envolvido na operação de sabotagem.

 

Coincidências

Nada disso deveria causar surpresa aos analistas políticos, ainda mais depois de duas evidências. No mês anterior à invasão da Ucrânia, a secretária de Estado dos Assuntos Políticos, Victoria Nuland, tinha avisado numa conferência de imprensa que “se a Rússia invadir a Ucrânia, o Nord Stream 2 não avançará, seja de que maneira for”.

E a menos de três semanas da invasão, o próprio Presidente Biden afirmou, no final de um encontro com o chanceler alemão Olaf Scholz, na Casa Branca, que “se a Rússia invadir, não haverá Nord Stream 2. Vamos acabar com ele”.

O exercício naval conjunto da OTAN foi visto como a ocasião perfeita para colocar os explosivos, com a equipe especial de mergulhadores a ser incluída na operação. A Noruega serviu de aliado ideal, pois além do alinhamento político com os EUA – o atual líder da OTAN, Jens Stoltenberg, tinha antes chefiado o governo norueguês durante oito anos – também teria a ganhar com o fim do fornecimento do gás russo aos países europeus, ao poder dessa forma aumentar a quota de mercado das suas exportações de gás.

A experiência da marinha norueguesa foi determinante na escolha dos locais exatos onde colocar os explosivos e também na sua detonação, que primeiro esteve prevista para acontecer através de um temporizador de 48 horas colocado nos explosivos. Mas uma súbita mudança de planos de Washington, considerando que esse tempo seria demasiado curto e tornaria óbvia a autoria da sabotagem, levou à solução da detonação remota três meses depois, através das bóias hidroacústicas.

Conta salgada

Em 2019, cerca de 26% da eletricidade na União Europeia (UE) foi produzida a partir das centrais nucleares e outros 23% a partir da queima de gás natural. A eletricidade é muito difícil de armazenar e, como tal, grandes oscilações nos custos de combustível traduzem-se rapidamente em volatilidade de preços.

O resultado concreto da explosão dos gasodutos Nord Stream foi o corte do fornecimento russo de gás e óleo, influenciando diretamente o preço dos combustíveis que movimentam as usinas de energia elétrica em toda a Europa.

Os custos de produção do Megawat/hora chegaram a subir em torno de 600%, provocando aumentos estrondosos nos serviços ao consumidor.

Os preços energéticos aumentaram em toda a União Europeia no primeiro semestre de 2022, quando comparado com 2021(*). Enquanto a eletricidade subiu de 22 euros por 100 kWh para 25,3 por 100 kWh, o preço do gás escalou de 6,4 euros por 100 kWh para 8,6 euros na primeira metade de 2022.

Já o preço da eletricidade saltou de 23,5 euros por 100 killowatt/hora (kWh) no segundo semestre de 2021 para 28,4 euros por 100 kWh nos últimos seis meses do ano passado, enquanto os preços médios do gás no bloco europeu passaram de 7,8 euros por 100 kWh para 11,4 euros por 100 kWh, no mesmo período.

Em euros, o Eurostat revela que os preços médios da eletricidade doméstica no primeiro semestre de 2022 foram mais baixos nos Países Baixos (5,9 euros por 100 kWh), Hungria (9,5 euros) e Bulgária (10,9 euros) e mais altos na Dinamarca (45,6 euros), Bélgica (33,8 euros), Alemanha (32,8 euros) e Itália (31,2 euros).

 

Saltos impressionantes

Expressos em euros, os preços médios do gás doméstico no primeiro semestre de 2022 foram mais baixos na Hungria (2,9 euros por 100 kWh), Croácia (4,1 euros) e Letônia (4,6 euros) e mais altos na Suécia (22,2 euros), Dinamarca (16,0 euros) e Holanda (12,9 euros).

Em Portugal, segundo o Eurostat, os preços do gás dispararam 65% no segundo semestre do ano passado, face ao segundo semestre de 2021. Mesmo assim, é um aumento que está longe das subidas verificadas em países como a Chéquia, que registou um aumento de 231%, da Roménia (165%), da Letónia (157%) e da Lituânia (112%).

Expressos em euros, os preços médios do gás para as famílias no segundo semestre de 2022 foram mais baixos na Hungria (3,5 euros por 100 kWh), na Croácia (4,5 euros) e na Eslováquia (4,9 euros) e mais elevados na Suécia (27,5 euros), na Dinamarca (20,8 euros) e nos Países Baixos (19,3 euros).

Estima-se que os governos da UE ainda tiveram que liberar em torno de 280 bilhões de euros para cobrir os prejuízos alegados pelas companhias produtoras de energia, forçadas a represar seus preços, como a EDF, na França.

Ou seja, o cidadão europeu pagou duas vezes por esta conta, que também atingiu em cheio grande parte do parque industrial alemão, o mais importante da Europa, basicamente movido a gás.

Na imagem, vazamento de gás no gasoduto Nord Stream 2 em vista aérea por um F-16 dinamarquês. (Foto: Ritzau Scanpix/via REUTERS)

 

———————-

(*) Seymour Hersh – Jornalista que recebeu o Prêmio Pulitzer por coberturas sobre massacres na Guerra do Vietnam e a atuação da CIA na prisão secreta de Abu Grahib, no Iraque.

(*) Eurostat – Instituto de Estatística da União Europeia

Compartilhe

Outras matérias

Relacionados

plugins premium WordPress