Cálculo considera que desmatamento permitido em fazendas valeria para terras indígenas homologadas após 1988.
Estudo produzido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) alerta para um potencial de destruição futura da vegetação nativa na Amazônia Legal – abrangendo também parte do Cerrado e Pantanal -, caso seja aprovado o marco temporal, que restringe a demarcação de terras indígenas àquelas ocupadas em 1988. A estimativa é que entre 23 a 55 milhões de hectares de áreas nativas sejam desmatados e possam desaparecer, resultando na emissão de 7,6 a 18,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), equivalentes a 5 e 14 anos de emissões do Brasil, ou a 90 e 200 anos de emissões dos processos industriais, respectivamente.
Em 30 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 490 — que estabelece o marco temporal — e que foi encaminhado como PL 2903/2023 ao Senado. Nesta quarta-feira (7), o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento sobre a demarcação das terras indígenas para decidir se o marco temporal é ou não é constitucional. Entretanto, o ministro pediu vista do caso (mais tempo para analisar) e o julgamento foi novamente suspenso, sem uma data para ser retomado.
A tese é criticada por lideranças indígenas e ambientalistas — pois afirmam que além de dificultar o processo demarcatório, o marco temporal libera a exploração econômica dos territórios. “Além de serem totalmente descabidas à luz da Constituição Federal, que protege o direito dos povos indígenas às suas terras, o projeto de lei e a tese do marco temporal ainda colocarão em risco o equilíbrio climático da região Amazônica, afetando o país como um todo. Podemos dar adeus à meta de desmatamento zero do atual governo e ao compromisso do país em reduzir as emissões de carbono. Nos aproximaremos perigosamente do ‘ponto sem retorno’ que dezenas de cientistas vêm preconizando; estas iniciativas esdrúxulas ameaçam a segurança nacional”, afirmou Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM e coordenador do estudo.
A análise do IPAM levou em consideração 385 terras indígenas, cujo decreto de homologação foi assinado após a Constituição Federal de 1988. Os pesquisadores levantaram dois cenários para as terras indígenas existentes: I. grave, com previsão de desmatamento futuro de 20% nas terras indígenas na Amazônia e de 50% para Cerrado e Pantanal; e II. muito grave, com desmatamento de 50% nas terras indígenas da Amazônia e de 70% para Cerrado e Pantanal.
O avanço da destruição da vegetação nativa, previsto pelo estudo, trará implicações para o regime de chuvas na região, com consequentes alterações nas condições climáticas em todo o país. Os impactos na agricultura, pecuária e geração de energia poderão ser particularmente relevantes. Efeitos das mudanças climáticas em curso já afetam a produção em 28% das áreas agrícolas de soja e milho no centro-oeste brasileiro. Sem adaptação, a porcentagem de agricultura fora do ideal climático no Brasil pode chegar a 50% na próxima década e a 70% em trinta anos.
“É preciso entender que respeitar os direitos originários é essencial para todos. Povos indígenas são as raízes da nossa sociedade e seus conhecimentos tradicionais são a base para mantermos o clima equilibrado. Diversos países e cientistas já reconhecem essa importância, agora o Brasil precisa fazer seu dever de casa”, acrescentou Martha Fellows, coordenadora do núcleo de estudos indígenas do IPAM.
Terras indígenas ocupam apenas 13% do território nacional e são as categorias fundiárias com as menores taxas de desmatamento (< 2%) da região amazônica, quando comparadas com o desmatamento em áreas privadas (> 30%). Porém, de 2019 a 2021, só na Amazônia, o aumento do desmatamento em terras indígenas foi de 153% em comparação com o triênio anterior. O cenário, causado, sobretudo, pelo aumento da grilagem e do desmatamento ilegal, poderá se agravar se as alterações na legislação sobre os direitos indígenas forem aprovadas.
Os pesquisadores do Ipam recomendam que as instituições competentes tomem providências imediatas, a fim de garantir os direitos indígenas e a preservação ambiental.
Confira os cinco pontos levantados pelo Instituto:
- Extinguir toda e qualquer tentativa de reduzir ou retirar direitos originários;
- A demarcação e proteção de todos os territórios tradicionais que aguardam o processo de demarcação e aplicar a destinação correta das Florestas Públicas Não Destinadas de acordo com os usos, costumes e natureza de cada área;
- Fim das atividades ilegais em terras indígenas, uma vez que interesses privados elevam o grau de insegurança dentro dos territórios criando conflitos, e isso é especialmente grave em territórios onde vivem povos indígena isolados;
- Fortalecimento da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas enquanto órgãos que têm competência para administrar uma agenda que demanda conhecimentos específicos.
- Promover mais pesquisa para compreender a interdependência dos regimes de chuva que irriga a agricultura e a cobertura florestal.
(Foto: Fernando Tatagiba/ICMBio/Divulgação)