Época em que falar se tornou fácil, mas comunicar-se virou arte rara

No artigo do jornalista Rodrigo Vargas, ele trata das relações nos dias atuais prejudicadas pela predominância das redes sociais na vida das pessoas. “Mandamos áudios de dois minutos, mas sequer conseguimos trocar um ´bom dia´ e seguir com algum assunto aleatório na parada de ônibus ( e ainda achamos estranho quando alguém puxa conversa)”, lembra o cronista.

A seguir, íntegra do texto.

………….

 

Olho no olho, por favor

(*) Rodrigo Vargas

Outro dia, no cafezinho do meu ambiente de trabalho, vi duas pessoas sentadas frente a frente. Na mesa, duas xícaras de café, que pelo jeito já deferiam estar frios. Nos rostos, nenhuma expressão. Nos olhos, nenhum encontro. Cada uma delas mergulhada em seu próprio universo digital, os polegares mais ativos do que as bocas. Eram amigos, talvez até colegas de trabalho, mas naquele instante, estavam a quilômetros de distância — embora separados por apenas meio metro de mesa.

Vivemos numa era em que falar se tornou fácil, mas comunicar-se virou arte rara. Mandamos áudios de dois minutos, mas sequer conseguimos trocar um “bom dia” e seguir com algum assunto aleatório na parada de ônibus (e ainda achamos estranho quando alguém puxa conversa). Enviamos emojis de coração, mas gaguejamos diante de um “eu te amo” ao vivo. Sabemos escrever textos apaixonados por aplicativos de mensagens, mas travamos diante de um pedido de desculpas cara a cara.

As redes sociais nos deram voz, alcance, visibilidade. Mas e a escuta? E o olhar que acolhe? E o gesto que diz mais do que mil palavras? Há algo na presença física que nenhuma conexão 5G substitui: o arrepio de uma conversa boa, o improviso de uma risada, o incômodo necessário de um silêncio entre duas pessoas que realmente se olham.

Estamos perdendo o hábito do olho no olho — e, com ele, o tato, o tempo, o tom. Porque comunicar-se de verdade não é só dizer. É sentir o outro dizendo. É saber esperar a pausa. É perceber que às vezes o corpo fala mais do que a boca. É não precisar de filtros. É não apertar “enviar” e seguir ileso.

Há urgência em reaprender a conversar ao vivo. Em voltar a errar o timing de uma piada e receber a crítica, sem se abalar. Em interromper sem querer e depois pedir desculpa. Em olhar no olho e dizer: “Desculpa, eu fui grosso.” Ou ainda: “Isso que você disse me tocou.” Há urgência em ensinar às novas gerações que conexão humana não se mede em curtidas, mas em calafrios, em mãos suadas e até mesmo em lágrimas.

Não se trata de demonizar as redes. Elas nos aproximam, nos salvam, nos informam. Mas não podem substituir o toque. A pausa. O cheiro do café compartilhado enquanto se fala da vida, e porque não o barulho do abrir de latas de cervejas (ou refrigerante) enquanto se ri de uma piada idiota. Não podem ser muleta para quem desaprendeu a se colocar no lugar do outro sem precisar de um avatar, ou de quem se esconde atrás de Nicks falsos.

Comunicar-se presencialmente é um ato de coragem. É aceitar que ali não há edição. Não há rascunho. É o coração na linha de frente.

Então, da próxima vez que for encontrar alguém, tente uma ousadia: desligue o celular. Abra um sorriso. E converse como quem entrega um presente.

Porque, no fim das contas, a melhor conexão ainda é feita de pele, voz e presença. Olho no olho, por favor.

(*) Rodrigo Vargas  é jornalista

 

 

Relacionados

plugins premium WordPress