Enem 2023: questões abordam racismo, ditadura, desigualdade, Palestina e igualdade de gênero

Estudantes também tiveram de responder a itens sobre a ginasta Simone Biles, o desenho Jetsons e protestos de torcedores do Fluminense contra cantos preconceituosos em estádios

 

O primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023, realizado neste domingo (5), em todo o Brasil, teve 90 questões de linguagem e ciências humanas, que abordaram os grandes temas e problemas nacionais, lançando um olhar integrado para o Brasil. Foram de racismo, passando por violência gênero, até o desmatamento na Amazônia. Na primeira vez em que uma prova do Enem teve páginas coloridas, os estudantes também tiveram de responder a itens sobre o que antecedeu a criação do Estado de Israel, ditadura militar, igualdade de gênero, a ginasta Simone Biles o desenho Jetsons e protestos de torcedores do Fluminense contra cantos preconceituosos em estádios.

Também foi aplicada a redação do Enem, que teve como tema os “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. Os exames começaram a ser aplicados às 13h30 e o horário limite para conclusão é às 19h. A segunda parte da prova, com questões de Ciências da Natureza e Matemática, acontece no próximo domingo (12).

A escolha dos assuntos foi elogiada por professores de diversos cursinhos que analisaram e compararam diversos aspectos da avaliação. “De maneira geral, a prova teve temas muito atuais e pertinentes, como Paulo Freire, por exemplo. A prova deste ano trouxe temas muito relevantes para os cenários brasileiro e internacional”, avaliou Karoline Barreto, professora de artes do Sistema Positivo de Ensino, em entrevista à CNN. “A questão da mulher foi abordada de diferentes maneiras. Teve a questão da violência contra a mulher, a questão sobre violência patrimonial — com a Lei Maria da Penha — a própria redação que trouxe, de alguma forma, o tema da mulher. Também houve questões que abordavam a equidade de gênero e uma questão muito bacana sobre o trabalho da Lina Bo Bardi no Masp e como esse trabalho só foi reconhecido agora, de maneira póstuma”, acrescentou a professora.

Para Caê Lavor, diretor de Avaliações no SAS Educação, o exame apresentou nível médio, com questões carregadas de textos interpretativos e, por vezes, extensos. “Foi uma prova com temas bem progressistas, que abordavam principalmente temas de engajamento social”, afirmou ao Estadão. “Vários temas associados à equidade de gênero serviram como contexto na prova”, completou.

Segundo Caê, um destaque na edição deste ano foi que vários enunciados usaram referências consideradas atuais. “Isso tornou a linguagem de alguns enunciados muito mais acessível, permitindo esse aluno se conectar com a informação. Porém, isso exigiu do aluno habilidades diferentes. Ele precisou ter muito mais senso crítico e muito mais consciência social”, diz o professor.

Rodrigo Magalhães, professor de geografia do Colégio e Curso AZ, chamou atenção que, além dos temas voltados à mulher e seu papel na sociedade, havia também uma questão sobre revisionismo de termos racistas, com o contexto de um cântico da torcida do Fluminense direcionada à torcida do Flamengo, que falava de “mulambo imundo”.  A palavra mulambo é um termo de origem angolana, que significa farrapo, e costuma ser usada em sentido negativo para apontar uma pessoa mal arrumada.

“O uso mais comum da expressão mulambo pode ser considerado racista, já que ela foi bastante explorado tanto na escravidão quando no pós”, explicou ao G1 o doutor em linguística e autor do livro Racismo linguístico Gabriel Nascimento. Ele comentou que o termo é usado para apontar que pessoas pretas não parecem bem arrumadas – termo de origem angolana, que significa farrapo, e costuma ser usada em sentido negativo para apontar uma pessoa mal arrumada.

Outro destaque foi uma questão sobre os problemas de saúde mental externados pela ginasta Simone Biles, que recentemente foi destaque no Campeonato Mundial de Ginástica Artística após passar dois anos sem competir. Houve também uma questão que abordou Torto Arado, livro do escritor Itamar Vieira Jr. que foi sucesso de vendas no ano passado. Além de itens com menção às escritoras Conceição Evaristo, autora de Olhos D’Água, e Jarid Arraes, que escreveu Corpo Desfeito.

Um dos textos abordou ainda a Declaração de Balfour, carta de 1917 em que britânicos se comprometeram a criar um território para Israel e que pode ser considerada como um marco que antecedeu a criação do Estado israelense. O tema está em alta por conta da Guerra Israel-Hamas, mas, segundo professores de cursinho, foi tratado de forma objetiva. Sobre o regime militar, foram duas questões presentes na prova de Ciências Humanas, segundo professores de cursinho. Uma primeira relacionada ao processo de sindicalização rural e outra que abordava instrumentos de repressão presentes no período. Especialistas avaliaram como positivo o retorno do tema ao maior exame do País.

O Enem está sendo feito apenas presencialmente neste ano. Em março, o Ministério da Educação decidiu acabar com o formato digital do Enem, criado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) em 2020 em meio à pandemia. Segundo o MEC, poucos estudantes optaram nos últimos anos pela avaliação feita pelo computador, que tem alto custo. Mais de 3,9 milhões de candidatos participam neste domingo do Enem. A prova é aplicada em 132 mil salas de aulas de 1.750 municípios de todo o País. No próximo dia 12, os participantes fazem as avaliações de Ciências da Natureza (45 questões) e Matemática (45 questões). A aplicação terá 5 horas de duração, contadas a partir da autorização do chefe de sala para o início das provas.

 

Lista dos temas que caíram no Enem 2023:

  • Caetano Veloso, com a música “Alegria, alegria”;
  • Paulo Freire e a pedagogia da autonomia;
  • Tela de Lasar Segall;
  • Valorização da identidade indígena;
  • Machismo (com a personagem de “Os Jetsons” sendo vítima de piada preconceituosa);
  • Envelhecimento da população;
  • História da Palestina;
  • Migração de judeus para o Brasil;
  • Espetáculo de dança em que mulheres apareciam sem a parte de cima da roupa;
  • Trechos dos escritores Itamar Vieira Junior, Conceição Evaristo, Olavo Bilac e Machado de Assis;
  • Ditadura militar no Brasil e censura imposta no período;
  • Mudanças climáticas e aquecimento global;
  • Jogos olímpicos;
  • Violência de gênero e racial;
  • Revolução Francesa;
  • A importância dos esportes eletrônicos.
  • Tema da redação: “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”.

(Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo)

Compartilhe

Outras matérias

Relacionados

plugins premium WordPress