Cantor e escritor recebeu a honraria nesta segunda-feira (24). A premiação foi anunciada em 2019, mas o então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, se recusou a assiná-la. “O ex-presidente teve a rara finesa de não sujar o diploma do meu Prémio Camões, deixando o seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula”, disse Chico Buarque.
Por Henrique Acker – Uma cerimônia marcada pela emoção, com direito a uma apresentação magistral de “Tanto Mar” ao piano, por Mário Laginha. Foi assim o clima da entrega do Prêmio Camões de Literatura 2019 a Chico Buarque de Holanda, no salão do Palácio de Queluz, em Sintra, o local onde morou D. Pedro IV de Portugal – D. Pedro I do Brasil.
“Chico esperou quatro anos para receber o Prêmio em mão, como os amigos esperam uns pelos outros”, lembrou o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa. O presidente português fez questão de lembrar os laços históricos que unem Brasil e Portugal, saudando a presença dos escritores Manuel Alegre e Mia Couto, também ganhadores do Prêmio em outras edições.
O líder português ainda comparou o Prêmio Camões de Chico ao Nobel de Literatura recebido pelo cantor Bob Dylan. Reconheceu o gigantismo dos dois, mas ressaltou que Dylan é celebrado, principalmente, pela sua obra musical, enquanto a obra do brasileiro é mais vasta, pois vai das músicas ao teatro e à literatura. Ele disse ainda que, apesar de a entrega da honraria ao artista ocorrer somente em 2023, ninguém, no futuro, se preocupará com datas, pois Chico, em seus 60 anos de carreira, é merecedor de prêmios todos os anos.
A premiação a Chico Buarque foi anunciada em 2019, mas o então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, se recusou a assiná-la. Foi a forma que encontrou para reforçar que havia elegido a cultura e muitos artistas como inimigos. Rebelo de Sousa também foi vítima do descaso de Bolsonaro. Em duas oportunidades que esteve no Brasil teve um almoço no Palácio do Planalto cancelado e, numa cerimônia do Sete de Setembro, acabou escanteado, sendo afastado do ex-presidente para dar lugar a um empresário amigo do governo.
O presidente Lula, em seu discurso, exortou a importância do papel de Chico Buarque para a cultura brasileira, atacada pelo governo anterior. “O ataque à cultura em todas as suas formas fez parte da estratégia que a extrema-direita tentou implementar. Se estamos aqui para fazer essa reparação é porque finalmente a democracia venceu no Brasil. Hoje já é outro dia”, celebrou Lula da Silva, citando a célebre canção de Chico “Apesar de Você”, que se tornou um hino contra a ditadura no Brasil.
“Hoje, para mim, é uma satisfação corrigir um dos maiores absurdos cometidos contra a cultura brasileira nos últimos tempos. Digo isso porque esse prêmio deveria ter sido entregue em 2019 e não foi. Todos nós sabemos por quê”, completou Lula.
Homenagem
Chico Buarque fez questão de lembrar do papel de seu pai, o historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, de quem – segundo ele – herdou o amor pela língua brasileira. “Por mais que eu escreva, publique e leia livros, no Brasil eu gosto de ser conhecido como um cantor e compositor popular”, confessou à plateia.
Além de homenagear o pai, Chico Buarque ressaltou que quase todos os brasileiros têm antepassados negros e indígenas. “Trago nas veias sangue dos açoitados e dos açoitadores”, disse. E, num tom mais leve, contou que descobriu recentemente que os seus avós eram judeus sefarditas, perseguidos e tornados cristãos novos: “Pode ser que algum dia eu alcance o direito à cidadania portuguesa em jeito de reparação histórica”, comentou. “É sempre bom ter uma porta aberta em Portugal.”
O homenageado relembrou que os quatro anos de espera pela entrega do Prêmio Camões coincidiram com o tempo do governo Bolsonaro. “Foram quatro anos de uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás”, disse. “Reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara finesa de não sujar o diploma do meu Prémio Camões, deixando o seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula”, concluiu.
Ao final, o pianista Mário Laginha emocionou a plateia com a interpretação da música “Tanto Mar”, obra que o próprio homenageado escreveu a propósito da Revolução dos Cravos e que o colega português interpretou em versão meio jazzística.
Prêmio Camões
O prêmio Camões é uma parceria entre os governos de Portugal e do Brasil, criado em 1988. A premiação é considerada a mais importante da língua portuguesa. Entre os brasileiros que já foram laureados, estão Raduan Nassar (2016), Ferreira Gullar (2010), Lygia Fagundes Telles (2005) e Jorge Amado (1994).
O escritor homenageado recebe 100 mil euros (R$ 555 mil), sendo metade desse valor subsidiado pela Fundação Biblioteca Nacional, entidade vinculada ao Ministério da Cultura, e a outra metade é paga pelo governo português.
Além de Chico Buarque, ainda devem receber o prêmio o escritor português Vitor Manuel de Aguiar e Silva (escolhido em 2020), a moçambicana Paulina Chiziane (2021) e o brasileiro Silviano Santiago (2022). (Foto: Henrique Acker)
Com informação de Henrique Acker, correspondente na Europa do Opinião em Pauta