Em reação ao STF, Senado aprova projeto do marco temporal

Projeto de lei segue para sanção presidencial, correndo o risco da medida ser considerada inconstitucional

 

Uma semana após o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar ilegal a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, o plenário do Senado aprovou na noite desta quarta-feira (27), por 43 votos a 21, o projeto de Lei que estabelece um marco temporal “turbinado”. O parecer do senador Marcos Rogério (PL-RO) manteve o texto aprovado na Câmara dos Deputados e na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado. O plenário avalia, agora, dois destaques, alterações pontuais à matéria.

O texto estabelece que só podem ser demarcadas terras indígenas que estavam ocupadas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, além de prever outros pontos polêmicos, como a retomada de terras indígenas em caso de mudanças culturais destes povos e a plantação de transgênicos nas áreas demarcadas.  Ao longo da votação, parlamentares da base governista alertaram que a proposta é inconstitucional por, dentre outros motivos, tentar mudar um entendimento do Supremo Tribunal Federal por meio de um projeto de lei. Até mesmo o relator Marcos Rogério  admitiu que alguns trechos mais polêmicos deverão ser vetados pelo presidente da República.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi um dos favoráveis ao texto. Embora tenha liberado a bancada da minoria para votar, afirmou ter defendido o marco temporal na Constituinte e citou, ainda, o entendimento do STF no caso do território Raposa Serra do Sol, usado por Marcos Rogério para embasar seu parecer. “Essa é uma questão em aberto, eu libero a bancada, vou votar favoravelmente ao marco temporal porque eu já votei na Assembleia Nacional Constituinte. Mais do que isso, eu estava no Ministério da Justiça quando demarcamos Raposa Serra do Sol e fizemos valer a regra da Constituição, 13 anos depois o Supremo disse que aquela decisão foi constitucional. Se o Supremo hoje muda a posição, eu prefiro continuar coerente com o que escrevemos na Constituição Federal”, disse o parlamentar.

Os senadores vão na contramão do STF, que rejeitou por nove votos a dois, o marco temporal e se debruça nesta quarta-feira (27) sobre os parâmetros que valerão com a queda da tese, como as eventuais indenizações de pessoas que receberam terras de boa-fé. “Por óbvio, presidente essa matéria será levada ao veto do presidente da República. Mesmo que os vetos sejam derrubados, por obvio, será acionada a Suprema Corte”, afirmou o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O senador Alessandro Vieira (MDB-CE) ainda criticou os discursos dos senadores que alegaram que algumas cidades poderiam até desaparecer caso seja mantido o entendimento do Supremo Tribunal Federal contra o marco temporal.

“O cidadão brasileiro que está amedrontado com as narrativas de que cidades vão desaparecer está sendo enganado”, afirmou, reforçando ainda que não é possível mudar o entendimento do plenário do Supremo por meio de um projeto de lei. “Qualquer criança sabe que não é possível, por projeto de lei, rever uma decisão dessa natureza”, disse.

“Preservado o núcleo central, existem pontos aqui que são escolha de governo”, admitiu o relator Marcos Rogério (PL-RO).

Antes da votação, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), declarou que a votação do texto na Casa não representa um “enfrentamento” ao tribunal e classificou o movimento do Congresso como “muito natural”. Ele ainda afirmou que, desde que o projeto chegou da Câmara, ele deu encaminhamento da tramitação da proposta nas comissões. “Não houve da nossa parte nenhum açodamento para que o projeto fosse levado ao plenário”, afirmou Pacheco.

O texto foi aprovado pela Comissão de Constituição de Justiça nesta quarta e enviado para o plenário que, no mesmo dia, aprovou um requerimento de urgência e votou a proposta.  Para Bruno Taitson, analista de políticas públicas da WWF Brasil, porém, a tramitação foi muito acelerada e sem considerar a importância do tema que merecia ser discutido em outras comissões também. “Trata-se de um PL que tem impacto diretos sobre questões de Direitos Humanos e ambientais. No entanto, quem decidiu foi a Comissão de Agricultura e a CCJ, sendo que houve apenas uma audiência pública na Comissão de Agricultura, que aconteceu no mesmo dia da votação. Foi uma tramitação açodada que não condiz com a importância do tema”, afirma.

(Foto: Divulgação/Andes)

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