Em Portugal como no Brasil, as “coincidências” que ligam policiais à extrema-direita (*)

Lisboa ( Henrique Acker  )    – Jornalistas portugueses do Portal Setenta e Quatro receberam denúncias de infiltração de extrema-direita na Guarda Nacional Republicana (GNR) e na Polícia de Segurança Pública (PSP), em 2021.

Mensagens racistas, xenófobas, homofóbicas e misóginas postadas por quase 600 membros da GNR e PSP em redes sociais embasam as denúncias.

Por considerarem o material de interesse relevante, os profissionais do Setenta e  Quatro decidiram formar um consórcio com colegas de outros meios de comunicação portugueses, para garantir uma abrangência maior do trabalho de investigação e divulgação dos fatos.

O consórcio de jornalistas analisou 3090 prints recolhidos pelos investigadores digitais.

A apuração levou a policiais que já haviam se envolvido em casos de agressão e até condenados por crimes de violência.

A maioria dos investigados é simpatizante de grupos facistas e do Chega, partido de extrema-direita em Portugal, e muitos expressam saudosismo em relação ao salazarismo.

Na PSP surgiu até um grupo organizado, conhecido como Movimento Zero, que funciona de forma anônima.

O Movimento Zero, criado em maio de 2019, ficou conhecido aos olhos do grande público na manifestação de novembro do mesmo ano, onde André Ventura (líder do partido Chega, de extrema direita) foi ovacionado.

Naquela mesma manifestação os policiais presentes ostentaram o gesto “zero” com as mãos, associado a movimentos de supremacia branca: um símbolo identificado com o “white power” (poder branco).

O deputado municipal Hugo Ernano (Chega) é o atual Presidente deste movimento, que tem página no Facebook e postagens no Youtube. Cabe ressaltar que alguns de seus membros também são dirigentes sindicais de algumas associações de policiais.

O alvo predileto do discurso de ódio desses agentes policiais são jovens negros de bairros pobres da periferia de Lisboa e, outras vezes, os ciganos.

O caso mais conhecido é o dos rapazes da localidade de Cova da Moura, em 2015, quando seis deles foram detidos com violência, levados para as dependências da Esquadra de Alfragide e espancados por membros da PSP.

Alguns foram hospitalizados.  Dos 17 policiais processados, oito foram condenados, mas só um cumpriu pena de um ano pelas agressões.

Outro caso mais recente é o de Bruno Candé, o ator negro assassinado por guardas da GNR em plena luz do dia na Avenida de Moscavide, em Lisboa, no dia 25 de julho de 2020.

De acordo com o consórcio de jornalistas, a PSP instalou quase 29 mil processos profissionais internos entre 2006 e 2021, mas 77,8% deles foram arquivados, 2,9% resultaram em suspensão e apenas 0,8% levaram a demissões.

Os investigadores digitais que entregaram a base de dados entraram em vários grupos fechados, muitos dos quais são compostos apenas por profissionais das forças de segurança.

Foram aos confins de grupos como o GNR – Só Camaradas, Polícias – Profissão de Risco, Pela PSP, PSP-Portugal, Forças de Segurança, Profissão de risco, GNR-Portugal e GNR – Apenas GNR, entre outros.

Muitos partilham – não só nos grupos privados – conteúdos do Notícias Viriato e do Invictus Portucale, sítios e páginas de propaganda de extrema-direita que publicam notícias falsas e descontextualizadas.

Foram analisados 3090 print screens sobre as interações no Facebook de 591 profissionais das forças de segurança, que reproduzem discursos de ódio e apelam à violência.

Nesta base de dados, entregue pelo grupo de investigadores digitais, 447 (75,6%) são simpatizantes do Chega. Neste bolo de apoiantes de André Ventura, 334 (75,1%) manifestam comportamentos racistas, xenófobos, misóginos e homofóbicos.

A primeira ministra da Justiça negra em Portugal, Francisca Van Dunem, é uma dessas personalidades.“É completamente contraditório e não faz qualquer sentido que, do sistema organizado para defender as pessoas, venham ataques” racistas e “incitamentos” à violência, critica.

Por sua vez Nuno Afonso, hoje dissidente do grupo de Ventura dentro do Chega, confirma que “o fato de essa aceitação ter vindo das forças de segurança e, ainda por cima, de uma base tão alargada e abrangente, acabou por ser muito positivo para o partido e para essa normalização de que precisávamos”.

O Ministério Público abriu um inquérito sobre publicações de teor racista e xenófobo feitas por policias nas redes sociais. No entanto, José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna, pediu lucidez na abordagem deste caso, destacando que é importante não confundir “a parte com o todo”.

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(*) Esta matéria foi redigida com base em dados do trabalho de colegas do Portal Setenta e Quatro e do consórcio de jornalistas formado para apurar denúncias sobre envolvimento de policiais portugueses com a extrema-direita.

(**) Henrique Acker é jornalista e correspondente internacional radicado na Europa

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