Apesar da vitória eleitoral apertada da Aliança Democrática (direita), o grande vencedor da eleição portuguesa de 10 de março foi o Chega, de extrema-direita, liderado por André Ventura. O partido alcançou 1 milhão e cem mil votos (18,06% ) e quadruplicou sua bancada na Assembleia da República, obtendo 48 cadeiras no parlamento.
O cenário político que emerge das urnas em Portugal é de incerteza. Mesmo com os votos da Iniciativa Liberal, a AD estará longe da maioria na Assembleia da República (116 deputados). Para governar, a AD teria que fazer um acordo com a extrema-direita, mas seu líder, Luís Montenegro, já deixou claro que essa hipótese não existe. André Ventura, por sua vez, só aceitará um acordo com a AD se o Chega estiver representado no governo.
Pedro Nuno Santos, líder do Partido Socialista, reconheceu a vitória da direita, admitindo que o seu partido não deve votar contra a posse de um governo liderado pela AD. Mesmo com o desgaste de um partido que esteve no governo desde 2015, além da perda significativa do número de deputados que obteve em 2022, o PS ainda conseguiu alcançar 29% dos votos.
Pesquisas eleitorais falharam outra vez
Mais uma vez as pesquisas eleitorais falharam, ao indicar uma diferença maior e crescente entre os dois maiores partidos, sempre favorável a AD nas últimas semanas. Também não se previu a corrida dos portugueses às urnas, registrando a menor abstenção (33%) desde 1995. Os votos de grande parte desses eleitores descontentes foram determinantes para o resultado expressivo do Chega, é o que concluem os analistas.
A diferença entre a AD (79 deputados) e o PS (77 deputados) foi a menor já registrada nos confrontos eleitorais entre os maiores partidos políticos de Portugal. Ainda faltam contar cerca de 200 mil votos dos portugueses que residem fora do país, que elegem quatro parlamentares. Mesmo que o PS conquiste três das quatro cadeiras que restam, Nuno Santos sabe que é impossível governar contra uma maioria de deputados de direita e extrema-direita.
Do lado da esquerda, mesmo com uma aliança entre o PS e os outros partidos (Bloco de Esquerda = 5 deputados; Livre = 4 deputados; PCP = 4 deputados) não seria possível uma maioria na Assembleia da República para sustentar um governo. Neste quadro, caberá aos partidos de centro-esquerda e esquerda constituírem a oposição.
Resta saber como deve se comportar a extrema-direita, que será decisiva para sustentar ou derrubar o governo da AD no parlamento. A primeira grande batalha deverá ser a votação do Orçamento de Estado para 2025. Se o governo não conseguir a aprovação não terá como se sustentar e, neste caso, deverá ser convocada nova eleição.
Extrema-direita avança em toda a Europa
A eleição portuguesa de 10 de março foi uma preliminar das eleições para o Parlamento Europeu, de 6 a 9 de junho deste ano. Já há analistas de política admitindo abertamente que a extrema-direita, em seus mais diversos matizes, deve ser a segunda maior bancada parlamentar dos 720 deputados. A previsão é do estudo encomendado pelo Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR).
De acordo com o levantamento realizado nos 27 países da União Europeia, os partidos de extrema-direita devem eleger as maiores bancadas em nove países (Áustria, Bélgica, República Checa, França, Hungria, Itália, Países Baixos, Polônia e Eslováquia) e disputarão o segundo ou o terceiro lugares em outros nove (Bulgária, Estonia, Finlândia, Alemanha, Letonia, Portugal, Romênia, Espanha e Suécia).
Riscos e fracasso da “legalização”
Os defensores da legalização de partidos de extrema-direita alegam que esta seria a forma mais eficaz de controlar os passos dos extremistas. Cabe lembrar que a II Guerra (1939-1945) custou 36 milhões de vidas e a destruição de países inteiros só na Europa.
O resultado da legalização desses partidos, herdeiros do nazi-facismo, é que hoje eles participam de três governos (Itália, Suécia e Finlândia), e ainda estão em negociação para formar governo nos Países Baixos.
O crescimento da extrema-direita também influencia a guinada mais à direita dos tradicionais partidos conservadores em todo o Continente, temerosos de perderem suas bases eleitorais. Há quem preveja uma aliança entre a direita e a extrema-direita, que pode ser maioria no Parlamento Europeu no próximo mandato.
A receita dos extremistas de direita é a mesma dos tempos do nazi-facismo, apenas reciclada: encontrar bodes-expiatórios e culpá-los pelas dificuldades da população, mirando nos imigrantes, como fizeram com comunistas, judeus, ciganos, etc na década de 30 do século XX. Além disso, combater os acordos para melhoria das condições climáticas.
A postura dos líderes neofacistas é sempre de deboche, com discursos inflamados, ultranacionalistas e moralistas, de preferência na defesa de costumes conservadores e contra a corrupção. (Foto: REUTERS)
Por Henrique Acker (correspondente internacional)