No mais novo ensaio da Revista Amazônia Latitude, o pesquisador Felipe Garcia Passos aborda as manipulações no sistema de avaliação do IDEB, que permitiram uma arrancada expressiva do Pará nos índices de educação básica do país.
Como o Estado saiu da penúltima posição (em 2021) e alcançou a sexta colocação (em 2023) no IDEB sem ter, na verdade, melhorado a qualidade do ensino ofertado aos estudantes paraenses?
Segundo o pesquisador, o “segredo” está no fim das reprovações anuais. A mudança no sistema de avaliação adotado pela Secretaria Estadual de Educação paraense, impede a reprovação de estudantes antes de concluírem o último ano do ensino médio, e mascara o real cenário da educação no Pará.
O pesquisador Felipe Garcia Passos também reflete sobre a efetividade de medidores educacionais como o IDEB, que além de ser facilmente manipulado por uma secretaria estadual de educação, também deixa de fora informações importantes como condições estruturais das escolas, qualidade de trabalho dos professores e o número de estudantes que estão fora de sala de aula.
Leiam abaixo o artigo do pesquisador, acompanhado de gráficos publicados por ele na Revista Amazônia Latitude:
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O governo e a Secretaria Estadual de Educação do Pará (Seduc-PA) fizeram uma série de anúncios no mês de agosto festejando o alcance da sexta posição nacional na média do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) do ensino médio público. O estado saltou da 26º posição (penúltima), em 2021, para uma das melhores médias, ficando inclusive acima da média do Brasil (ver Gráfico 1).
Qual é o histórico?
O salto da média estadual de 3 para 4,3 pontos foi o maior do país. De fato, o resultado se apresenta muito expressivo, uma vez que na série história de médias do IDEB, de 2005 até 2023, o Pará sempre esteve entre as últimas posições, ocupando a penúltima posição nas três versões anteriores à de 2023, como podemos ver na Figura 2.
Quando somadas as notas do IDEB desde 2005, fica mais uma vez evidente que o resultado de 2023 não condiz com o histórico do estado, que, mesmo com a nota de 2023, continua ocupando a 26º posição entre as unidades federativas do Brasil.
Diante do cenário apresentado pelos dados, nos perguntamos, então, como o estado alcançou resultado tão expressivo em apenas dois anos? Para entender como isso ocorreu, precisamos dar um passo atrás e conhecer melhor como se compõe o índice Ideb.
O número final do índice é o resultado da multiplicação do fluxo de aprovados – percentual de aprovação dos estudantes dos três anos do ensino médio – pela nota média da prova do Sistema de Avaliação da Educação Básica (AEB), realizada pelos estudantes de terceiro ano do ensino médio”.
O que a Seduc-PA fez para aumentar a nota?
Sabedor da composição de cálculo do IDEB, o secretário de educação, Rossieli Soares, alterou o regime de avaliação
(reprovação/aprovação) em toda a educação básica, que era feito anualmente e passou a ser por ciclo, ocorrendo, então, apenas nos anos finais de cada uma das etapas – ensino fundamental menor, maior e médio. Para o Secretário, essa mudança reduziria a evasão escolar, numa ação isolada que entende a evasão pela ótica do estímulo pela aprovação automática, tirando inclusive a autonomia dos professores na avaliação dos estudantes.
Com a mudança no ensino médio, os estudantes só podem ser reprovados no terceiro ano. A alteração fez com que o
Pará atingisse o primeiro lugar nacional no fluxo de aprovação do primeiro e segundo anos, com 100% de aprovação! – taxas nunca antes alcançadas por nenhum estado na história do indicador”.
No terceiro ano, esse índice caiu para décimo, com 96% de aprovação. Na média dos três anos, o estado se manteve em primeiro lugar com a taxa de 99% de estudantes aprovados na etapa. Este desempenho consta como o principal fator no salto do estado no Ideb. Para se ter uma ideia deste desempenho, na avaliação anterior a nota de fluxo do Pará foi de 75% e a melhor nota do estado tinha sido em 2019, com 80%.
Os dados de 100% de aprovação nos primeiros anos soam, no mínimo, estranhos, uma vez que a progressão automática é normalmente aplicada apenas para fins de desempenho na aprendizagem escolar e não contempla isenção de critérios na frequência escolar dos estudantes. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo vinte e quatro, estabelece o mínimo de 75% de frequência para aprovação.
De fato, em trabalho de campo de nossa pesquisa de doutorado, que está sendo realizada no Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo, entrevistamos estudantes que disseram ter ficado ausentes por sete meses da escola e que mesmo assim foram aprovados ao final daquele ano letivo.
Em relação à nota do Saeb, houve uma pequena melhora constatada. O estado passou de 4 pontos, em 2021, para 4,3, em 2023. Mas, considerando apenas o Saeb, o desempenho do estado é o 16º e fica abaixo da média nacional. Para se ter ideia do peso das duas taxas na atual nota, caso se tivesse mantida a média de fluxo da avaliação anterior, o estado teria atingido 3,4, isto é, apenas 0,4 acima da nota de 2021 e seria o antepenúltimo colocado em 2023.
Limitações e manipulação do indicador, quem perde são os jovens
A pergunta que fica é, afinal, o que de fato mudou na aprendizagem dos estudantes paraenses que têm agora a certeza de que serão aprovados para o aumento do Ideb? Ou, então, o que foi alterado na vida daqueles que nem sequer estão na escola, uma vez que a taxa de jovens entre 15 e 17 anos fora de sala de aula no Pará ultrapassa os 10%, sendo o dobro da média nacional? O indicador em questão não computa de nenhuma forma a taxa de jovens excluídos da escola. Seja ela qual for, o estado pode atingir a maior nota no país.
Já em relação à aprendizagem dos estudantes, quando olhamos para os resultados no ENEM 2023, avaliação que pode ser porta de entrada para as melhores universidades do País, notamos que a média paraense, em uma avaliação muito mais completa, não passa da 19º posição, estando mais uma vez abaixo da média nacional.
Afinal, questionamos, qual é a efetividade de um indicador como o Ideb, que é facilmente manipulado pela Seduc-PA, permitindo, inclusive, medidas ilegais de frequência dos estudantes, e que não avalia as reais condições das escolas, não leva em conta as condições socioeconômicas dos alunos, a condição de trabalho dos professores, tampouco o número de excluídos da escola, de evadidos e ações de equidade em um país tão desigual como o nosso?
A festa do governador e do secretário de Educação, mais uma vez, não é a festa do povo paraense.
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Felipe Garcia Passos é professor do Instituto Federal do Pará (IFPa) e doutorando do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP). Desenvolve pesquisa extensão em políticas educacionais, ensino de Geografia e linguagem cartográfíca no IFPa e no Laboratório de Ensino de Geografia e Material Didático (LEMADI-DG-USP).