Donald Trump está de volta com tudo

Henrique Acker   –   A vitória de Donald Trump escancara algumas questões que precisam ser reconhecidas. A primeira delas é que o trumpismo não é um fenômeno de direita, conservador ou “populista”. Trata-se de um movimento fascista, adaptado ao século XXI.

A extrema-direita é a mãe da propaganda política, desde os tempos de Josef Goebels, ministro do governo do III Reich. A base de tudo é difundir o medo e a desconfiança na sociedade, para oferecer a saída autoritária como solução. Foi assim na Alemanha de Hitler, recentemente no Brasil de Bolsonaro, e é assim com Trump, nos EUA.

Trump simplificou as coisas: ironizou Biden, xingou a adversária, prometeu jogar pesado contra os imigrantes, deu a palavra que vai acabar com a guerra na Ucrânia. Tudo num tom do velho slogan “A América para os americanos”.

 

Sistema financeiro e neoliberalismo

Desde que o sistema financeiro se apropriou por completo dos estados nacionais, através do financiamento estatal dos negócios privados (via endividamento e privatizações), o grande capital impôs a receita neoliberal: menos Estado, menos serviços públicos e menos direitos e benefícios.

Sobrou pouco do chamado Estado-de-bem-estar-social, implantado após a II Guerra Mundial. A aplicação das novas tecnologias e métodos de gestão na produção aumentou a exclusão e a pobreza. Vivemos a sociedade do “salve-se quem puder”, dos salários baixos, trabalho precário e estafante e do endividamento. A humanidade deixou de sonhar, se desiludiu.

Os neoliberais de direita, centro  e centro-esquerda revezaram-se nos governos para aplicar o receituário que agrada aos bancos e especuladores. Foi essa gente que conduziu e ainda conduz parte dos governos que estão em crise no mundo, enquanto o sistema financeiro se alimenta da ciranda da especulação nas bolsas de valores, nasdaq e nas lavanderias dos paraísos fiscais.

 

Neofascismo como possibilidade

A concentração de riqueza cresceu como nunca na virada do milênio, beneficiando as grandes holdings, especuladores e banqueiros. O que resta do minguado orçamento dos estados nacionais vai para financiar os grandes grupos econômicos, que em troca bancam as  campanhas eleitorais, elegendo governantes e parlamentares.

Não há mais o que prometer, não há mais o que oferecer aos povos. A fragilidade política dos governos é tamanha, que se abriram brechas para a organização e participação de partidos de extrema-direita (inicialmente tímidos) no processo político-eleitoral.

Antes marginalizados, depois tolerados e finalmente incorporados como fenômeno legítimo e “normal”, os partidos e líderes de extrema-direita passaram a fazer parte da vida democrática e na mídia em todo o Ocidente, como se algum compromisso tivessem com a democracia. A próxima batalha será justamente na Alemanha, em 2025.

 

Esquerda sem rumo

Tudo indicava que da crise do neoliberalismo emergiria uma nova esquerda, capaz de organizar os trabalhadores, pobres e excluídos por um novo sonho. Mas a esquerda se apequenou, não fez nem a crítica consistente da nova realidade, nem a autocrítica dos erros que cometeu, tomando como base o chamado “socialismo real”.

Parte da esquerda limitou-se ao jogo político-eleitoral. Outra preferiu insistir com dogmas e fórmulas do passado que não correspondem à realidade do novo milênio. Ou seja, ambas nada têm de novo a oferecer.

Há também uma parcela da esquerda que enveredou pelas chamadas políticas identitárias,  dividindo a classe trabalhadora por extratos de cor, sexo e origem. As três fórmulas estão levando a esquerda a resultados cada vez mais pífios em todo o Mundo ocidental.

 

Extrema-direita voltou com tudo

Do outro lado surgiu a extrema-direita neofascista. E veio para rachar. Assumiu o discurso da revolta, da indignação, agitou as massas com sua retórica sempre debochada, trazendo como solução o retorno dos “valores cristãos”, a caça à  bandidagem e o preconceito contra imigrantes.

O neofascismo é claro: fala de uma sociedade de “paz” e “harmonia” para os homens de “bem” e dureza implacável para os “maus”; aponta os responsáveis (os de fora, que roubam nossos empregos, sujam nossas cidades e trazem a violência) e propõe soluções, através de um Estado autoritário e policialesco. E de quebra chuta a ciência para escanteio, como se viu durante a pandemia.

Sua fórmula não é nova, mas vem com outra roupagem, adaptada ao século XXI: lideranças polêmicas, de personalidade forte, e o uso massivo das redes sociais para difundir e sustentar sua interpretação dos acontecimentos.

 

Financiamento do Reino dos Céus

Como todas as pessoas precisam de um sonho, agarram-se às versões que confirmam suas expectativas. Assim, não só reproduzem em suas redes sociais o discurso conservador, anticientífico e preconceituoso, como monetizam os portais, podcasts e canais da extrema-direita, blindando suas lideranças e financiando seu trabalho.

Em países como o Brasil, a extrema-direita neofascista se associa à bandidagem ligada às forças policiais (milícias) e a grupos religiosos neopentecostais. Assim, consolida o domínio econômico-financeiro nas áreas mais pobres com o controle do território, através da força e  da fé.

Nos EUA, o trumpismo recebe o apoio dos lobbies mais tradicionais, entre eles o das seitas “cristãs” neopentecostais, do sionismo pró-Israel, do tabaco, do petróleo, parte das big techs e das armas, e dos cassinos. Seu eleitor típico é o habitante dos condados e pequenas cidades, sempre “desconfiado” de tudo e de todos.

 

Nova geração

Por isso, não assusta que um milionário com 34 processos nas costas desde sua primeira gestão na Presidência dos EUA siga livre, concorra e vença a eleição, voltando à Casa Branca com mais votos que a candidata democrata.

Trump não elegeu somente o maior número de delegados ao colégio eleitoral – o que lhe garante a eleição presidencial -, conquistou também a maioria na Câmara de Deputados e no Senado. Além disso, conta com seis dos nove os juízes da Suprema Corte, órgão máximo do Judiciário nos EUA. Tem nas mãos o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Trump, Bolsonaro e Macri já parecem coisa do passado, gente que herdou o cacoete do político tradicional, fazendo cálculos antes de adotar medidas e buscando a conciliação com a direita fisiológica. Depois de Milei, a nova geração da extrema-direita tem muito mais a ver com Pablo Marçal e outros desqualificados.  (Foto: Reprodução)

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional) 

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