Henrique Acker (correspondente internacional) – Depois da invasão que levou tropas russas às proximidades de Kiev, em 2022, o conflito na Ucrânia passou por um período de estagnação durante todo o ano, provocado por problemas climáticos e de solo (frio, neve e lama), uso de equipamentos militares obsoletos e o entrincheiramento de tropas de ambos os lados.
Alguns episódios marcaram o primeiro ano de guerra, entre eles:
. Formação de uma ampla coalizão ocidental em apoio político, financeiro e militar ao governo ucraniano, tendo a frente os países da OTAN;
. Aceleração do processo de pedido da adesão da Ucrânia à União Europeia, que ainda não foi aprovado;
. Censura no Ocidente aos meios de comunicação russos, como a rede de TV à cabo, Russia Today (RT), acusada de veicular propaganda de guerra do governo Putin;
. Tentativa frustrada de negociação de paz em março/22, em Istambul;
. Massacre de Bucha, quando tropas russas se retiraram da cidade, com um saldo de centenas de mortos, de acordo com as autoridades ucranianas. Por conta das denúncias de desrespeito aos direitos humanos, o Tribunal Penal Internacional de Haia emitiu mandado de prisão contra Vladimir Putin.
. Explosão dos gasodutos russos Nord Stream I e II, que forneciam combustível para a Alemanha, em setembro de 2022. As investigações do caso levadas a cabo pela Dinamarca concluíram que houve “sabotagem deliberada dos gasodutos”. Mas, assim como o MP da Suécia, as autoridades dinamarquesas informaram que não há base legal para prosseguir com o processo em seu país. O próprio presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou que não permitiria que as instalações russas continuassem operando. O processo de investigação segue em segredo na Alemanha.
2023: contra ofensiva ucraniana
No segundo ano da guerra (2023) criou-se grande expectativa pela anunciada contra ofensiva ucraniana. Mas o que se viu, apesar do volume de recursos e material de combate repassado pelas potências ocidentais à Ucrânia, foi um resultado bem abaixo do pretendido pelo governo Zelensky.
Em número muito maior, os russos aguardaram o avanço das tropas ucranianas formando um sistema de trincheiras em cinco linhas de defesa.
Apesar do esforço, os ucranianos conseguiram reconquistar apenas 208 quilômetros quadrados de território e dez localidades espalhadas pela linha da frente. Um resultado muito aquém do esperado, uma vez que a Rússia já tinha ocupado 103 mil quilômetros quadrados do território da Ucrânia.
Outros episódios marcaram o ano de 2023:
. Crise do regime russo com o grupo Wagner – depois de publicar diversos vídeos de advertência reclamando da falta de equipamentos militares no front de combate, o líder dos mercenários do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, passou a acusar diretamente as principais autoridades militares russas de sabotarem a atuação de seus combatentes. O episódio levou a uma sublevação dos mercenários, que ocuparam a cidade de Rostov, como sinal de uma crise que poderia ameaçar o governo Putin. A rebelião foi debelada em pouco tempo, as tropas mercenárias recuaram e Prigozhin foi aconselhado a viver na Bielorrússia. Em 23 de agosto de 2023, dois meses depois do motim, ele e outros líderes do grupo morreram na queda de um avião, num episódio cercado por suspeição.
. Uso intensivo de equipamentos teleguiados – O uso de drones foi intensificado nas frentes de combate, não só como equipamentos de espionagem e localização de alvos inimigos, mas de ataque. Os ucranianos também passaram a usar pequenos barcos teleguiados para bombardear embarcações e instalações russas no Mar Negro. Por outro lado, os antigos batalhões, que exigiam um grande número de soldados e equipamentos, foram substituídos por forças em menor número e mais ágeis de combate para a conquista de alvos inimigos.
. Adesão da Finlândia e da Suécia à Otan – Se o motivo alegado por Vladimir Putin para invadir a Ucrânia era a possibilidade de instalação de armas da OTAN na fronteira com a Rússia, a guerra ampliou o problema. Com a admissão da Finlândia e, recentemente, da Suécia à Aliança Atlântica, a fronteira da OTAN com a Rússia ganhou mais 1.300 km de extensão.
. Crise na Palestina e o massacre em Gaza – Os ataques do Hamas em 7 de outubro a aldeias israelitas nas proximidades da Faixa de Gaza, redundaram numa crise de grandes proporções no Oriente Médio, com novo massacre da população civil de Gaza por tropas de Israel. Isso tirou o foco internacional da guerra na Ucrânia nos últimos três meses do ano. O período coincide com o início do inverno na Europa e a estagnação da contraofensiva ucraniana.
Gastos, mortos e feridos em dois anos de combates (2022/23)
EUA / União Europeia / Ucrânia
. Os 31 países da OTAN já liberaram em torno de R$ 500 bi para o governo ucraniano
. Só os EUA repassaram 75 bi de dólares (R$ 370 bi ou 40 bi euros) e tentam aprovar mais 95 bi dólares em ajudas (US$ 60 bi para a Ucrânia)
. A União Europeia já disponibilizou cerca de 85 bi euros para a Ucrânia, dos quais 28 bilhões de euros em equipamento militar . Recentemente, a UE aprovou mais 50 bi euros (R$ 267 bi) em parcelas até 2027 –
. A dívida pública da Ucrânia já chega a 34 bi dólares.
Rússia
. De acordo com o Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (Sipri), a Rússia gastou 86.400 milhões de dólares (cerca de 78.600 milhões de euros) em 2022 em armamentos, o que representa um aumento de 9,2% face ao ano anterior. O valor investido equivale a 4,1% do PIB russo.
. Para 2023 Vladimir Putin assinou medidas de lei que previam gastos de US$ 143 bilhões – ou 9 trilhões de rublos – com os setores de defesa/segurança, o que equivale a 1/3 do orçamento total do país.
Número aproximado de mortos e feridos:
. 31 mil soldados ucranianos mortos, 10 mil civis mortos – com os corpos reconhecidos – e 20 mil feridos, além de 8 milhões de refugiados (segundo Zelensky).
. Em agosto passado, o jornal New York Times, citando responsáveis norte-americanos, estimou as perdas militares em 70 mil mortos e entre 100 mil e 120 mil feridos no lado ucraniano, e 120 mil a 170 mil mortos e 170 mil a 180 mil feridos no lado russo.
Quando se trata dos inimigos, as estimativas dos dois lados são sempre elevadas:
. O Exército ucraniano calculou ter matado ou ferido cerca de 405 mil soldados russos em dois anos.
. O ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, afirmou, por sua vez, em dezembro de 2023 que 383 mil soldados ucranianos foram mortos ou feridos desde o início da invasão.
Perspectivas para 2024
Putin aproveitou o ano de 2023 para investir pesado na indústria de armas de seu país, modernizar os equipamentos militares e preparar nova ofensiva a partir do início de 2024. O resultado até aqui é um avanço das tropas russas, sobretudo na região do Donbass, a começar pela conquista da cidade de Avdiivka.
Os sucessivos pacotes de sanções econômicas da União Europeia e outras medidas punitivas dos EUA não foram suficientes para paralisar a economia russa. O país passou a vender o grosso de sua produção de petróleo e gás para a China e a Índia – além do mercado negro de combustíveis – e a investir cerca de 5% de sua arrecadação na modernização e fabricação de armas.
Enquanto isso, os ucranianos reclamam da falta de armas e munições, alegando que de todas as promessas feitas pelos países da União Europeia apenas 50% dos equipamentos militares chegaram à linha de frente.
Líderes europeus assustados
Alarmado com a situação de precariedade das forças ucranianas, o Presidente Emmanuel Macron convocou, em fevereiro deste ano, reunião de cúpula com líderes de toda a União Europeia. Macron admitiu até mesmo a possibilidade de enviar tropas para combater ao lado da Ucrânia contra os russos.
Os governos da Suécia e da Alemanha já admitiram que uma vitória russa na Ucrânia pode representar o início de uma nova ofensiva militar de Putin na Europa, desta vez contra países que fazem fronteira com a Rússia. Do encontro de Paris saiu a resolução de arrecadar munições de todos os países aliados e aumentar a produção de armamentos na União Europeia.
As recentes reclamações de Zelensky e o pessimismo de líderes europeus sobre o conflito na Ucrânia, desmentem o otimismo difundido por parte da mídia ocidental desde o início da guerra. O clima de preocupação das lideranças europeias com o destino da guerra é também uma senha para o esperado aumento da fatia militar nos orçamentos dos países da OTAN. (Foto: AP)
Por Henrique Acker (correspondente internacional)