Ditadura Nunca Mais – “A Ditadura dos cartéis”

Henrique Acker (correspondente internacional)   –   Alguém poderia comparar a ditadura militar brasileira a outros regimes totalitários, como o regime nazista na Alemanha, em função dos métodos adotados de governar e de lidar com os adversários. Geralmente, tendemos a nos conformar com a superfície, com dificuldades para ir a fundo nos problemas. Há ainda quem divida o mundo entre “bons” e “maus”.

Da mesma forma, pode-se reduzir a análise da ditadura militar brasileira aos seus comandantes, ao sadismo dos seus torturadores. Não, a ditadura militar não foi um regime de exceção, mas quase uma regra na tradição política do Brasil. Um regime autoritário para impor a vontade das classes dominantes. No nosso caso, quais foram os beneficiários da ditadura de 1964/85?

Em seu livro de 1977 – “A ditadura dos cartéis” – o empresário alemão Kurt Mirow, que residiu no Brasil, fez um estudo detalhado dos diversos segmentos da economia brasileira. Neste trabalho, Mirov concluiu que a cartelização da economia brasileira em praticamente todos os ramos era um entrave ao desenvolvimento do país e que a ditadura estava intimamente vinculada aquela forma de organização econômica da sociedade.

Muitos historiadores adotaram a designação de “ditadura civil-militar”, a partir do apoio dado ao regime pelos principais grupos econômicos privados brasileiros e estrangeiros instalados no país. Mais de 80 empresas estiveram envolvidas em espionagem e delação de quase 300 de seus trabalhadores, que foram presos, torturados e alguns mortos ou permanecem “desaparecidos”, segundo levantamento feito pela Comissão Nacional da Verdade.

 

 

O intuito era sufocar qualquer movimento sindicalista que estivesse sendo gestado entre os trabalhadores de grandes montadoras, como Volkswagen, Chrysler, Ford, General Motors, Toyota, Scania, Rolls-Royce, Mercedes Benz, e também de outros setores, como a Brastemp, a estatal Telesp, a Kodak, a Caterpillar, a Johnson & Johnson, a Petrobras, a Embraer e a Monark – a maioria delas concentradas no ABCD paulista e no Vale do Paraíba.

As empresas justificavam o controle e a colaboração com o regime pela suposta ameaça comunista dos movimentos sindicais. Desde citar os nomes de quem organizasse atos sindicalistas ou vendesse jornais na porta da fábrica, até qualificar algumas mortes como “acidentes de trabalho”, quando de fato não o eram. A polícia, em muitos casos, chegava a receber das companhias milhares de folhas de registros dos empregados que estiveram presentes em greves ou manifestações, com todos os seus dados pessoais.

De acordo com o levantamento da Comissão da Verdade, 40% dos mortos e desaparecidos durante a ditadura são trabalhadores. Um dos maiores desserviços prestados pelo regime militar foi estimular a cartelização da economia brasileira, que se reflete até hoje na economia e na política do país. Essa cartelização proporciona ao empresariado chantagear a sociedade, combinando propostas em licitações públicas, segurando estoques, determinando preços de seus produtos com margens abusivas de lucro.

 

Kurt Mirow autografando seu livro para populares

 

Um dos setores cartelizado no Brasil era e é o de mídia. Praticamente todos os grandes jornais e grupos de TV e Rádio apoiaram o golpe, dando cobertura aos “feitos” da ditadura militar.  A começar pelo grupo Globo, da família Marinho, mas também pelo grupo Folha, dos Frias. A eles se juntaram o SBT, de Silvio Santos, e outros. Isso, apesar da censura prévia a que era submetido o trabalho de seus funcionários nas redações.

Em troca, os grupos de mídia empresarial tiveram não só verba publicitária do regime militar, como a estrutura de satélites (via Embratel) para expandir seu alcance a todo o território nacional, com retransmissoras de Rádio e TV. Aliás, um dos slogans da ditadura era “Integrar para não entregar”.

A ausência de concorrência é um dos aspectos marcantes do capitalismo no Brasil. Amparados pelo Estado, os grandes oligopólios – com destaque para o capital financeiro – tiveram na ditadura militar uma alavanca fundamental para suas operações. (Fotos: Internet/ Reprodução)

 

(*) Kurt Mirow se tornou um homem visado pela ditadura e teve que sair do país, vindo a falecer em 1992.

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

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