Disputa pelos rumos do capitalismo estimula aumento de conflitos regionais

Henrique Acker (correspondente internacional)   – O massacre dos palestinos no Oriente Médio, a guerra da Ucrânia, as provocações nas águas do Oceano Pacífico, os levantes militares na África e mesmo as eleições presidenciais nos EUA, em 2024, são muito mais do que disputas locais ou regionais. Ao contrário, são acontecimentos inteiramente ligados ao novo desenho da geopolítica, num Mundo marcado pelas potências internacionais e seus aliados.

O que assistimos é uma disputa pela hegemonia dos destinos do sistema capitalista internacional, dividido entre o projeto de capitalismo especulativo, tendo a frente os EUA e seus aliados europeus, contra o projeto de capitalismo de produção e comércio extensivo, comandado pela China, através de sua Nova Rota da Seda.

Neste cenário, a desmoralização da ONU, como organismo de resolução de conflitos, era só a gota d´água que faltava para o perigo de um novo confronto militar generalizado.

 

A sociedade do capital especulativo

A debandada dos EUA do Afeganistão e do Iraque (depois de cerca de 20 anos de intervenção militar), e a crise da bolha imobiliária de 2008/2009 – que contaminou o sistema capitalista em todo o Planeta – sinalizam um processo de declínio da influência econômica e política estadonidense no cenário internacional.

Dos anos 80 até a virada do milênio (anos 2000) prevaleceu um tempo de hegemonia dos EUA, como única superpotência mundial, a partir do desmoronamento da URSS. Muitos economistas e até historiadores acreditaram que se tratava de uma tendência irreversível, mas rapidamente as contradições do próprio sistema capitalista globalizado evidenciaram o contrário.

As mudanças engendradas por novos modelos de gestão industrial, com a aplicação de modernas tecnologias, levaram a um rápido processo de mudanças em que o trabalho vivo foi sendo reduzido, passando a prevalecer o sistema financeiro, com a predominância do capital especulativo, em detrimento da produção.

É justamente dos anos 80 a afirmação do projeto neoliberal no mundo capitalista ocidental, adotando a privatização de empresas estatais, o chamado “estado mínimo”, a globalização (o capital passou a operar em rede mundial e consórcios multinacionais) e a desregulamentação das leis trabalhistas (precarização) e previdenciárias. O capital passou a operar em bolsas de valores, num modelo em que prevalece a formação de holdings e os paraísos fiscais.

 

Fim da URSS e a nova China de “mercado”

O fim da URSS e do bloco socialista desmantelou toda a estrutura estatal até então vigente naqueles países, que se integraram por completo à economia de mercado. Foi justamente da burocracia dos antigos PC o surgimento dos atuais “oligarcas”, que compraram empresas estatais e se beneficiaram de sua privatização, em parceria com os grupos mafiosos corruptos que controlavam o setor de armas e de segurança. É essa gente que toma conta do aparelho de Estado na Rússia de Putin e em alguns países do Leste Europeu.

A China, um dos poucos remanescentes do antigo projeto de sociedade baseada na propriedade estatal, manteve toda a estrutura centralizada de poder político do PC, mas flexibilizou por completo sua economia, adequando-a às exigências do “mercado”. Em três décadas houve rápida industrialização do país, formação de uma nova classe média consumidora de bens duráveis, a partir da criação de consórcios entre o Estado e grandes grupos privados chineses em praticamente todas as esferas.

Já as mercadorias extraídas da Natureza, necessárias à produção, foram sendo agrupadas no mercado internacional com preços dolarizados, na forma de commodities. Essas mercadorias são particularmente importantes para regiões que detêm menos tecnologia de ponta (América Latina, África, Oriente Médio), cujas economias se baseiam na exportação de matérias-primas.

O problema é que elas vêm perdendo valor ano a ano. Cabe ressaltar que a exportação desses produtos depende da demanda dos países mais desenvolvidos.

 

Declínio dos EUA e da democracia liberal

Como potência que sobrevive do controle do comércio internacional (através do dólar como moeda de referência) e da venda de armamentos, os EUA seguem provocando ou intervindo direta e indiretamente em conflitos em todo o globo terrestre.

A lógica deste projeto em crise é a redução da produção de bens e o privilégio do capital especulativo, com o empobrecimento e submissão completa dos povos, precarização do trabalho, exclusão dos mais pobres e a acumulação e concentração desmedida da riqueza, devidamente lavada e depositada em paraísos fiscais.

Um projeto que empurra a humanidade para a exclusão, só pode ser administrado num ambiente de redução da democracia, dos direitos e benefícios. Daí a nova ascensão de grupos de extrema-direita em todo o Ocidente, nas últimas décadas nas chamadas democracias liberais.

 

As armadilhas do “modelo chinês”

O “modelo” de capitalismo chinês, em parceria com o Estado, opta por um caminho distinto, propondo aos povos o intercâmbio e ampliação da produção e do comércio. Esse projeto só pode prosperar num ambiente de diálogo internacional, avanço do crescimento, da renda e do consumo, ao menos para uma parcela da população mundial.

Cabe ressaltar que o dito “modelo chinês” nada mais é do que a produção e o consumo em larga escala, sem assegurar liberdades, direitos trabalhistas e previdenciários, com o  desrespeito aos limites da exploração do trabalho e ao meio-ambiente.

É evidente que este projeto coloca a China, país cm maior mercado interno, maior consumidor de matérias-primas e produtor de mercadorias do Planeta, como a principal potência em ascensão econômica, o que ameaça os interesses dos EUA e seus aliados. Ou seja, a humanidade se vê diante de dois projetos imperialistas.

 

Risco de um novo confronto mundial

Neste cenário de disputa entre estratégias diferentes de administração do capitalismo, o risco de generalização de conflitos e até de uma nova guerra mundial é patente. Guardadas as devidas proporções, foi o que causou as duas grandes guerras mundiais no século XX.

A grosso modo, as provocações contra a China no Oceano Pacífico, a guerra na Ucrânia, os confrontos na África e o massacre de Israel sobre os palestinos, delimitam campos muito claros: de um lado os EUA e seus aliados (União Europeia, Reino Unido, Japão, Coréia do Sul, Austrália, Israel e Arábia Saudita); de outro a China, num bloco que reúne ainda Rússia, Irã e Coréia do Norte, podendo abranger alguns países importantes da África.

Resta saber se haverá tempo e espaço para evitar que novos conflitos regionais eclodam na África e na Ásia, ameaçando empurrar a humanidade para uma nova guerra. E também que papel jogarão outros países, como Brasil, Índia e Turquia, num ambiente de aberta confrontação internacional. Além disso, até onde as grandes potências militares estarão dispostas a evitar o uso de armas de destruição em massa, sobretudo as de tecnologia nuclear. (Foto: Reprodução)

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

 

 

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