Por Henrique Acker – Enquanto escrevia essas linhas, acompanhava as declarações do primeiro-ministro português sobre as causas e consequências do apagão de energia elétrica em 28 de abril. Na Espanha e em Portugal, os governos estão pressionados e ainda procuram compreender as causas do incidente.
Na Espanha, o primeiro-ministro socialista Pedro Sanchez afirmou que vai “exigir as devidas responsabilidades aos operadores privados”. Já em Portugal, Luís Montenegro (PSD) disse que “estamos preparados para viver dias bons e dias menos bons”.
O primeiro-ministro português anunciou uma auditoria para apurar responsabilidades e a formação de uma comissão técnica independente para analisar a questão e oferecer sugestões.
Falhas na comunicação
Foram cerca de dez horas sem eletricidade, internet e comunicações nos dois países. O jeito foi resgatar o velho e bom rádio de pilha para ter informação sobre o que se passava.
Em Portugal, o ministro das Infraestruturas reconheceu falhas no Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), rede de comunicações exclusiva do Estado Português para o comando, controle e coordenação de comunicações em todas as situações de emergência e segurança.
A defesa civil admitiu que as redes fixas e móveis apresentaram falhas de comunicação. Isso prejudicou a comunicação e o atendimento à população em serviços de emergência, inclusive situações que exigiam o socorro a pessoas presas em elevadores e o acionamento das ambulâncias e bombeiros. Apesar disso, no geral, os servidores da defesa civil deram respostas aos pedidos de ajuda.
Cerca de 400 chamadas de pedido de socorro foram perdidas pelo INEM, órgão responsável pelo transporte de doentes e acidentados. Os hospitais públicos acionaram planos de contingência, mas muitas consultas e cirurgias tiveram que ser reagendadas.
Caos em Lisboa
Os sinais de trânsito deixaram de funcionar em Lisboa, gerando um caos. Houve quem parasse para oferecer carona aos que esperavam ônibus nos pontos. Bares e restaurantes que não têm geradores registraram prejuízos e pedem compensações ao governo. A rede de caixas eletrônicos deixou os portugueses sem serviços de pagamento e resgate de dinheiro.
Durante toda a tarde e início da noite, havia filas nos postos de combustíveis em várias cidades. Muitas pessoas correram aos supermercados para se abastecer de enlatados, papel higiênico, água engarrafada, velas, pilhas e lanternas de todo tipo. Alguns mercados ficaram com as prateleiras vazias.
As quatro linhas do Metrô de Lisboa só reabriram por volta das oito e meia da manhã de terça-feira, 29 de abril. Muitos trabalhadores tiveram que tomar ônibus urbanos, provocando longas filas e viagens lotadas.
Os aeroportos suspenderam grande parte dos voos, mas milhares de pessoas tiveram que retornar nesta terça para resgatar suas malas e remarcar passagens. Hotéis próximos ao aeroporto de Lisboa estavam lotados.
Trens parados
Na Espanha, muita confusão também no trânsito e nos serviços em geral, com destaque para o transporte público nas grandes cidades. Cerca de 180 trens ficaram parados em todo o país, 40 deles dentro de túneis ferroviários. Na manhã desta terça-feira, ainda havia problemas com o sistema ferroviário em Madri e Barcelona.
Ontem, o primeiro-ministro espanhol fez declaração por volta das 17 horas, com informações, apelos e orientações básicas à população. Economistas espanhóis estimam em 1,6 bilhão de euros o prejuízo causado pelo apagão.
O apoio e o acolhimento da população foram fundamentais em alguns casos, como na estação ferroviária de Sans, em Barcelona. Milhares de pessoas aguardavam para retornar às suas casas e tiveram a solidariedade de vizinhos da estação, que ofereceram carona em seus carros, comida, água e até cobertores.
Boatos e versões
Chegou a circular a versão de um ataque cibernético, o que foi descartado pelos analistas do sistema energético espanhol. Os mais fanáticos europeístas difundiram até a hipótese de uma sabotagem russa.
As primeiras informações davam conta de que o apagão teria sido consequência de um problema ocorrido na rede elétrica, ao sul da França, levando a um aumento abrupto em cinco segundos da tensão da rede elétrica espanhola.
Outra versão dá conta de que teria ocorrido uma falha de interligação de energias alternativas ao sistema de distribuição no sudeste da Espanha. O governo espanhol não confirma nenhuma dessas hipóteses.
Dependente do vizinho
Como o abastecimento de energia elétrica português é interligado com o sistema ibérico – que abrange Espanha – a queda provocou reação em cadeia, atingindo imediatamente a distribuição e derrubando o fornecimento nos dois países.
Ex-ministros da área e técnicos criticaram a falta de orientação à população. De acordo com especialistas, seria fundamental enviar mensagens à população já na primeira hora. Na quinta hora após o ocorrido, seria importante uma mensagem com orientações sobre como se conduzir.
Para Luís Mira Amaral, ex-ministro e ex-funcionário da EDP (hoje privatizada), acusou o atual e o antigo governo (PSD e PS) de irresponsabilidade. Segundo ele, a compra de energia mais barata ao sistema espanhol não pode deixar o país dependente do país vizinho.
Mira Amaral alerta para a ausência de prevenção no sistema português, com geradores parados que deveriam ser imediatamente acionados no caso de falhas de abastecimento do sistema espanhol.
Para ele, o sistema elétrico português tem plena condição de abastecer todo o país. A rede de produção, distribuição e fornecimento de energia em Portugal é totalmente privatizada há cerca de 15 anos.
Oligopólios privados
A grande produtora e distribuidora de energia em Portugal é a EDP, antiga empresa estatal. Privatizada definitivamente em 2011, hoje a EDP é parte de uma holding do ramo energético que conta com cerca de 35 mil funcionários, com participações e atuação em outros países, inclusive o Brasil.
Seus principais acionistas em Portugal são empresas de capital chinês (21%), de capital espanhol (6,83%), de capital estadunidense (6,33%) e outra de capital canadense (5,37%).
A maior fornecedora de energia elétrica no mercado português é a REN – Redes Energéticas Nacionais, antiga subsidiária da EDP. Coincidentemente, a REN tem entre seus maiores acionistas empresas da China (25%), Espanha (17%) e EUA (7,7%).
Na Espanha, o sistema de produção, distribuição e fornecimento de energia elétrica também está nas mãos de grupos privados. Os maiores são a Endesa, Iberdrola, Naturgy, Total e também a EDP. (Fotos: Reprodução)
Por Henrique Acker (correspondente internacional)