Ex-presidenta foi a única estrangeira homenageada com a Medalha da Amizade no evento que condecorou outras 14 personalidades de diferentes áreas de atuação
A ex-presidenta do Brasil e atual gestora do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), Dilma Rousseff, recebeu na manhã de domingo (29) na capital chinesa, Pequim, a Medalha da Amizade, a mais alta honraria concedida pelo Estado chinês a cidadãos estrangeiros. Dilma é a segunda latino-americana a receber a medalha, depois do ex-presidente cubano Raúl Castro.
A medalha foi entregue em Pequim pelo presidente Xi Jinping, em cerimônia com toda a pompa e circunstância realizada no Grande Salão do Povo, tradicional cenário dos principais eventos políticos do país. O povo chinês não esquece os amigos estrangeiros que ajudam a construir o país, disse Xi, que completou: “Dilma Rousseff é um excelente exemplo disso”.
A ex-presidente foi a única estrangeira homenageada no evento, que condecorou outras 14 personalidades de diferentes áreas de atuação, todas chinesas. A medalha foi criada em 2016, e é concedida àqueles que fazem contribuições notáveis para a modernização socialista da China, ao promover intercâmbios e cooperação entre a China e países estrangeiros.
Dilma foi a 12ª pessoa estrangeira a receber a honraria. A primeira medalha desse tipo foi concedida ao presidente russo Vladimir Putin, em 2018. No ano passado, um reconhecimento similar concedido a especialistas estrangeiros, o Prêmio de Amizade do Governo Chinês, foi entregue ao professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, Evandro de Carvalho Menezes, e ao ex-presidente da Agência Espacial Brasileira, José Raimundo Coelho.
Em seu discurso, Dilma agradeceu o que chamou de “honra extraordinária”, e afirmou que a medalha “é a prova dos fortes laços de amizade e de cooperação entre nossos povos e países”. De fato, a condecoração parece diretamente ligada ao bom momento nas relações bilaterais.
Os dois países celebram em 2024 o cinquentenário de estabelecimento de laços diplomáticos; em novembro o presidente Xi fará uma visita de Estado ao Brasil; e há uma inegável afinidade geopolítica entre os lados, que se estendeu a uma proposta conjunta para a guerra na Ucrânia, apresentada em maio. Nesse clima de lua-de-mel, cresceu a expectativa em Pequim de que o Brasil anuncie sua adesão à Iniciativa Cinturão e Rota, o megaprojeto chinês de infraestrutura também conhecido como “Nova Rota da Seda”.
Desde o ano passado presidente do NBD, o “banco dos Brics”, com sede em Xangai, Dilma defendeu o projeto chinês em seu discurso, “uma ousada iniciativa de criar novos caminhos para a cooperação global com benefícios mútuos”, segundo ela.
Mais tarde, em conversa com jornalistas brasileiros, ela ampliou a explicação sobre o que vê como vantagens de aderir à iniciativa, algo que o Brasil está mais perto do que nunca de fazer. “É um bom programa de cooperação internacional. Primeiro porque ele é o único existente. Não há outro com um escopo tão amplo, nem tampouco que tenha gastado US$ 1 trilhão ao longo de dez anos. Mas agora há uma coisa importante para o Brasil e para os países do Sul Global. A proposta de fazer uma parceria em industrialização. Parques industriais e também transferência de tecnologia. Acho que essa é a grande oportunidade e a proposta fundamental para o Brasil”, disse Dilma.
“O segundo aspecto é que o projeto não exige exclusividade, você pode fazer tantas outras parcerias quanto pretender”, complementou.
Outro ponto destacado pela ex-presidente: “pela primeira vez um país ‘com alguma proeminência internacional’ propõe um desenvolvimento comum. Manter-se como grande exportador de commodities é fundamental e o Brasil não pode abrir mão de continuar a ser o maior fornecedor de produtos agrícolas e de proteínas para a China”, diz ela.
“Mas o que não podemos é aceitar uma divisão do trabalho internacional na qual nós produzimos commodities e eles — ou quem quer que seja — produzam manufaturados”, rebate a ex-presidente. “Essa divisão de trabalho é antiga, ultrapassada, e não nos interessa”, afirma. “Como alcançar os países desenvolvidos? Temos que procurar uma parceria que transfira tecnologia e precisamos investir muito em educação. Eu acredito que o Brasil fará uma parceria estratégica com a China de alta qualidade.”
O mandato de Dilma como presidente do NBD vai até o início de julho de 2025. Por ora, ela diz ser difícil prever o que fará depois de deixar o banco. Mas adianta que pretende voltar ao Brasil e que quer usar o que aprendeu em sua temporada vivendo na China. No discurso que fez ao receber o prêmio, Dilma reafirmou o compromisso de “intensificar a cooperação entre China e Brasil, baseada em benefícios mútuos”.
Para ela, o Brasil deve estar aberto a aprender com todos os países, mas a China oferece mais possibilidades, tanto em transferência de tecnologia como em modelos de governança. Sobre as práticas que contribuíram para o desenvolvimento do país, Dilma destacou as que lhe chamaram mais a atenção nas “características chinesas”.
“Uma delas é a flexibilidade de tentar e aprender tentando”. Há muitos projetos-piloto, os chineses testam ideias partindo do pressuposto de que algumas darão errado”, diz ela.
Dilma era presidente do Brasil quando foi lançado em 2014, durante a Cúpula dos Brics em Fortaleza, o NBD, o banco que hoje chefia. Ela não esconde o orgulho por ter contribuído para o processo de institucionalização do grupo de emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. No próximo mês, na cidade russa de Kazan, acontecerá a primeira reunião de cúpula do Brics ampliado, com a adesão de cinco novos membros: Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã.
(Foto: ADEK BERRY / AFP)