Pesquisa da ONG República.org mostra que os negros representam apenas 35,09% dos servidores públicos ativos no executivo federal. Além disso, também ganham menos
Levantamento feito pela ONG República.org revelou que apenas 35,09% dos servidores públicos ativos do executivo federal são negros, de acordo com dados do Sistema Integrado de Administração de Pessoal (Siape) de 2020. Isso mostra uma grande disparidade em relação à composição étnica da população, em que mais da metade (56% do total) é composta por pessoas pretas e pardas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Essa desigualdade se acentua ainda mais quando analisamos os cargos mais elevados na hierarquia do serviço público. Por exemplo, apenas 14,58% dos cargos de direção e assessoramento superior de nível 6 (DAS-6) são ocupados por negros. Isso ocorre devido à formação de redes de contato ao longo da vida, que historicamente têm beneficiado pessoas brancas em detrimento de pessoas negras e indígenas. Além disso, a disparidade é evidente nas carreiras de estado e de gestão, onde os brancos ocupam 73% dos cargos, enquanto os negros ficam com apenas 23,72%.
De acordo com a gerente de Dados e Comunicação da República.org, Vanessa Campagnac, “por mais que tenhamos uma entrada no serviço público baseada em valores como o mérito e a isonomia, ao olharmos para o retrato político-social da sociedade brasileira, temos uma extrema desigualdade de acesso entre pessoas negras e indígenas em relação a pessoas brancas, o que se reflete em quem é selecionado no concurso público”.
Vanessa acredita que a baixa presença de negros nessas carreiras é influenciada pela complexidade dos concursos e pelos custos associados à sua preparação. “Costumam ter um maior número de fases e contam com cláusulas de barreiras que criam vários obstáculos a serem percorridos”. Os custos financeiros, como compra de materiais e descolamento, e não financeiros, como a disponibilidade de tempo para investir nos estudos, também são fatores que prejudicam essa desigualdade.
Outro ponto relevante é a disparidade de gênero, que afeta ainda mais as mulheres negras no serviço público. O salário médio mensal das mulheres negras é 33% menor do que os homens brancos que ocupam cargos equivalentes. A remuneração líquida média dos homens brancos é de R$ 8.774,20 por mês, enquanto as muheres negras recebem média de R$ 5.815,50 mensalmente.
Lei de Cotas
A Lei de Cotas (Lei 12.990, de 9 de junho de 2014) é uma tentativa de corrigir essa desigualdade. A lei reserva 20% das vagas em concursos públicos da União para pretos e pardos, e desde sua implementação, houve um aumento no ingresso de negros no serviço público federal. No entanto, os efeitos foram prejudicados pela redução na quantidade de concursos públicos nos últimos anos.
A pesquisa da República.org mostra que, em 2008, 29% das pessoas que ingressaram no serviço público federal eram negras. Em 2020, esse percentual estava em 43%.
Há iniciativas em andamento para prorrogar a Lei de Cotas e aumentar a faixa de reserva de 20% para 30%. A secretária de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo, do Ministério da Igualdade Racial, Márcia Lima, enfatiza a importância de manter essa política para promover uma maior equidade racial no serviço público. Segundo ela, “para garantirmos uma maior equidade racial, precisamos manter a política de cotas raciais nas carreiras do serviço público federal”.
Cargos comissionados
Outra medida para tentar conter a desigualdade dentro do serviço público, é o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em março de 2023, que reserva 30% dos cargos de confiança na administração direta, autarquias e fundações para pessoas negras. Essa ação abrange Cargos Comissionados Executivos (CCE) e Funções Comissionadas Executivas (FCE), com o objetivo de criar uma representatividade mais equitativa.
Vanessa Campagnac, destaca que a implementação de ações afirmativas em cargos comissionados é fundamental para combater distorções, pois a presença de pessoas negras “em cargos de decisão podem atrair, de forma orgânica, mais pessoas negras para essas posições, pois há, assim, a construção de redes de contato mais diversas”. Além disso, a norma também estabelece a observação da paridade de gênero na ocupação desses cargos, contribuindo para uma maior igualdade de oportunidades.
Embora a Lei de Cotas seja específica para o executivo federal, esforços estão sendo feitos em várias unidades da federação para implementar reservas de vagas para negros. Além da manutenção das cotas nos concursos, a gerente da República.org sugere outras formas de apoio à população negra. “Uma ajuda de custos para preparação de concursos e deslocamento, ou investimento em preparatórios destinados a pessoas negras poderiam acelerar a redução dessa desigualdade”, ressalta.
(Foto: Cláudio Rabelo/CMBH)