Deputadas protestam contra machismo após processos no Conselho de Ética

Célia Xakriabá (PSol-MG), Sâmia Bomfim (PSol-SP), Talíria Petrone (PSol-RJ), Fernanda Melchionna (PSol-RS), Erika Kokay (PT-DF) e Juliana Cardoso (PT-SP) se manifestaram, nesta quarta-feira (14), afirmando ser uma tentativa de silenciamento de parlamentares mulheres

 

O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados instaurou seis processos contra deputadas nesta quarta-feira (14). Os alvos são Célia Xakriabá (PSOL-MG), Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Erika Kokay (PT-DF), Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Juliana Cardoso (PT-SP). Todas as representações foram apresentadas pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, que diz que as deputadas quebraram o decoro parlamentar durante votação do projeto do marco temporal de terras indígenas, no fim de maio.

A relatoria é selecionada a partir de um sorteio de lista tríplice. Na representação contra Célia Xakriabá (PSol-MG) foram sorteados Paulo Magalhães (PSD-BA), Jorge Solla (PT-BA) e Jack Rocha (PT-ES) para a relatoria. No caso de Sâmia Bomfim (PSol-SP), foram apontados Washington Quaquá (PT-RJ), Gutemberg Reis (MDB-RJ) e Miguel Ângelo (PT-MG). Para a representação contra Talíria Petrone (PSol-RJ), o colegiado indicou Sidney Leite (PSD-AM), Fábio Costa (PP-AL) e Rafael Simões (União-MG).

Erika Kokay (PT-DF) terá a relatoria de seu caso decidida entre Bruno Ganem (PODE-SP), Ricardo Ayres (Republicanos-TO) e Acácio Favacho (MDB-AP); e Fernanda Melchionna (PSol-RS), com Gabriel Mota (Republicanos-RR), Ricardo Maia (MDB-BA) e Alex Manente (Cidadania-SP). Em relação à deputada Juliana Cardoso (PT-SP), o presidente do conselho, Leur Lomanto Junior (União-BA), considerou que, por ela já ser alvo de uma representação, instaurada em 30 de maio, pelo mesmo motivo, a relatoria do outro requerimento seria aproveitado, sob a responsabilidade de Gabriel Mota (Republicanos-RR).

A bancada feminina afirma que a ação para instauração dos processos foi orquestrada e acusa a Comissão de Ética e machismo. A sessão foi marcada por bate-boca, ironias e troca de acusações. O projeto do marco temporal foi aprovado no plenário da Câmara e seguiu para o Senado. Segundo o PL, as deputadas citadas gritaram ao microfone: “Assassinos do povo indígena!”. Apesar de os microfones terem sido cortados, o PL afirma que as deputadas continuaram ofendendo os parlamentares que fazem oposição ao governo, principalmente o deputado Zé Trovão (PL-SC), autor do requerimento de urgência para a votação do projeto. O PL acrescenta que as deputadas usaram as redes sociais para “manchar a honra de diversos deputados”.

Na abertura da sessão do Conselho de Ética, o deputado Chico Alencar (PSol-RJ) lembrou que, em 2 de fevereiro, o PSol “protocolou representações em desfavor de parlamentares que, através de suas redes sociais, de manifestações explícitas, fizeram declarações de incitação e de apoio aos atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro”. “Essas representações estão na gaveta da presidência da Casa até agora, desde o dia 2 de fevereiro. Entretanto, vamos examinar aqui representações feitas agora, anteontem, contra parlamentares mulheres do PSol e do PT com uma celeridade que nos parece inadequada”, disse ele.

 

Bancada feminina protesta no Salão Verde da Câmara dos Deputados contra as tentativas de intimidação (Foto: Ascom Psol (Mariane Andrade)

 

Talíria Petrone foi uma das se manifestar e argumentar que o processo para a instauração dos processos estava “contaminado por machismo”. “Há sim dois pesos e duas medidas no Parlamento brasileiro. Um deputado vai ao plenário, veste uma peruca, comete um crime previsto em código penal e são 76 dias para esse processo chegar até aqui (Conselho de Ética). Os Três Poderes são depredados, a partir, também, de incentivo de parlamentares eleitos para esta Casa. Há processos contra eles  e são mais de 130 dias que estes processos não chegam aqui. Transfobia pode? Chamar de vagabunda pode? Chamar de bandido pode? Como, muitas vezes, nós somos chamadas, associando a gente, por exemplo, ao comércio ilegal de drogas, sem nenhuma prova. Pode chegar aqui e destruir a Praça dos Três Poderes sem nenhuma responsabilização? É um apelo que faço, que é um sentimento de indignação da sociedade que se mobiliza contra a reprodução do machismo e do racismo aqui dentro dessa casa. Coincidentemente, os focos são corpos femininos, uma bancada específica. É um ataque conjunto, com a anuência desta comissão”, protestou.

Juliana Cardoso (PT-SP) se disse alvo constante de ataques. “Deputadas são chamadas de abortistas e vagabundas diariamente nesta Casa e não vejo ninguém revoltado. Quem nos chama desta forma com os microfones desligados? Esses mesmos deputados, que agora estão doídos e indignados por terem sido chamados de assassinos. Curioso, não? Precisamos conversar com a mesa diretora sobre os procedimentos desta Comissão de Ética. Ela precisa servir como método de proteção de parlamentares, e não como forma de caçar alguém pelo eu gênero”, argumentou.

Presidente da Comissão de Ética, Leur Lomanto Júnior (União-BA), afirmou que todos os critérios técnicos foram contemplados para a instauração de processos e garantiu isonomia. “Os tratamentos são igualitários e seguirão sendo, enquanto eu for presidente”.

Pouco depois, Lomanto Júnior cortou o microfone em que falava Sâmia Bomfim (PL-SP) e foi acusado de machismo. “A Câmara tem que definir se é a Câmara Federal ou a Câmara do Machismo, que é disso que se trata, mais uma vez: essa ação coletiva que está sendo movida no Conselho de Ética. Foi uma representação contra seis deputadas de uma só vez. E a Mesa Diretora aceitou, algo, flagrantemente, fora do regimento. Absolutamente irregular, demonstrando que tem um objetivo político claro, uma tentativa de intimidação. Percebendo a gravidade da irregularidade resolveram voltar atrás e apresentaram seis representações individuais, que foram aceitas em tempo recorde: foram 4 horas entre o protocolo e chegar aqui na pauta do Conselho de Ética. Isso nunca aconteceu na história do Congresso Nacional. Enquanto isso, os parlamentares que, efetivamente, participaram, incitaram e organizaram os atos golpistas de 8 de janeiro, estão há mais de meses lá na Mesa e o Arthur Lira nem leu. Cito o nome dele, porque trata de uma ação individualizada contra as deputadas que por parte de quem, por algum motivo, não quer que a gente fale no que a gente acredita”, afirmou.

Erika Kokay destacou que a representação está permeada de irregularidades. “Foi uma representação coletiva, isso eu realmente nunca tinha visto, o que indica que havia tentativa de punição coletiva de posturas e ideias. Condenação de ideias não cabe neste parlamento”, comentou a parlamentar. “E é também uma cortina de fumaça. Tem que entrar no mérito do que representa essa proposta que foi aprovada para os povos indígenas no território. (…) Tentam punir, calar quem pensa diferente.”

Célia Xakriabá, em coletiva após a instauração do processo, defendeu que as mulheres parlamentares estão sendo silenciadas. “Não viemos para fazer baderna, não viemos para quebrar o Congresso, como no dia 8 de janeiro. Viemos para quebrar o machismo, o racismo, que tenta impedir que nós sigamos falando.”

A Coordenação da Bancada Feminina da Câmara disse que as representações configuram violência política. “É importante frisar também que existe uma sutileza na violência política de gênero e que tais representações são uma tentativa de silenciar as parlamentares, de impedir o exercício dos seus mandatos e de obstaculizar seus direitos políticos”, afirma a bancada em nota.

 

(Foto: Lula Marques/Agência Brasil)

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