Deputadas de esquerda são as mais atacadas nas redes sociais

Cinco anos após o assassinato da vereadora Marielle Franco, parlamentares mulheres de esquerda são as que mais sofrem ofensas e ameaças no Twitter, Facebook, Instagram e Youtube. Essa violência é um dos principais motivos de afastamento das mulheres da política

 

Desde que conquistaram, com muita luta, o direito de votar, em 24 de fevereiro de 1932, as mulheres brasileiras têm acumulado notáveis avanços femininos. No entanto, a cada dia, os desafios na política se mostram maiores.  Apesar de corresponderem a 52% da população, elas ocupam, hoje, somente 18,1% das cadeiras da Câmara dos Deputados – 93 das 513 vagas.

No Senado, essa margem é ainda inferior, só 17,2%. Ou seja, são 14 mulheres dentre os 81 representantes da Casa. No executivo, também é descarada essa discrepância. Apenas 12% dos municípios do País têm mulheres ocupando cargos de prefeitura e só três das 27 unidades da federação são administradas por mulheres: Distrito Federal, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

Estes dados são mais um reflexo das desigualdades entre homens e mulheres presentes em tantas esferas da sociedade brasileira. Entretanto, a violência política contra as mulheres é um dos principais fatores da sub-representação. Isso significa que, para além das barreiras históricas para se eleger, quando as mulheres chegam ao poder, elas ainda enfrentam muitas dificuldades para manter os cargos conquistados – simplesmente por serem mulheres.

E passados cinco anos após o assassinato da vereadora Marielle Franco, a violência contra mulheres políticas nas plataformas digitais se evidencia cada vez mais, sobretudo entre os nomes da esquerda. É o que revela o relatório desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Culturas Políticas e Economia da Colaboração (Colab), da Universidade Federal Fluminense (UFF), que o OPINIÃO EM PAUTA teve acesso.

O levantamento acompanhou durante seis meses (entre julho e dezembro de 2021), mais de quatro milhões de mensagens direcionadas as 91 parlamentares mulheres que tinham mandato ativo naquela época (79 deputadas e 12 senadoras) e constatou um índice alto de ataques e violência discursiva. A análise se baseou em três pilares: os temas dos ataques, as menções nominais às parlamentares e as correlações entre as variáveis analisadas.

A violência política de gênero se revelou principalmente por: intolerância política (22,3%); discurso misógino (8,6%); desinformação (5%); aparência (3,6%); racismo (2,9%); homofobia (1,4%); e capacitismo (0,7%). Entre os níveis de ofensa, o insulto liderou com 41% dos ataques, seguido por invalidação (26,6%) e a crítica (24,5%), somando mais de 90% das mensagens ofensivas que circulam no Twitter, Facebook, Instagram e YouTube.

Ainda que os índices de violência discursiva sejam alarmantes, chama a atenção o fato de que, em 30% dos ataques, a ofensa foi proferida por meio de tom jocoso e satírico, como uma estratégia para camuflar a agressividade. “Esses ataques são camuflados. São pouquíssimos os ataques racistas, por exemplo. As ofensas, obviamente, são motivadas pelo perfil da parlamentar, mas o ataque, em si, se camufla muito. Ele vem em tom de brincadeira e, ao mesmo tempo em que ele ataca, ele tenta não soar tão ofensivo. Existe essa preocupação de camuflar um pouco a agressividade. Talvez, seja uma maneira dessas pessoas fugirem da regulação das plataformas”, avalia a pesquisadora da UFF Letícia Sabbatini, uma das autoras do estudo.

 

Talíria Petrone (PSol-RJ) é a deputada mais ofendida na internet: É urgente uma política de regulação das plataformas que fortaleça a democracia e freie o discurso de ódio e a desinformação. Foto: Bruna Menezes.

 

Parlamentares de esquerda são duas vezes mais atacadas que as de direita

O Mapa da Violência Política de Gênero em Plataformas Digitais aponta que parlamentares de esquerda são duas vezes mais atacadas que as de direita e que o espectro político-ideológico da parlamentar é a motivação principal das ofensas.

Entre as parlamentares monitoradas, Talíria Petrone (50%), Dayane Pimentel (37,5%) e Jandira Feghali (33,3%) foram as mais atacadas proporcionalmente. Pelo menos uma a cada três postagens direcionadas a estas parlamentares continham algum nível de violência.

“O que esse estudo nos traz é a constatação de como as principais plataformas digitais viraram arenas de disseminação do discurso de ódio e da desinformação. Estamos saindo de um período dramático da nossa história em que a violência política ganhou contornos gravíssimos, aliado ao fato de que as forças que estavam no comando do país financiavam a máquina de mentiras e de ataques à nossa existência. Estamos indo para o quinto ano do assassinato da nossa companheira e amiga Marielle Franco, portanto a violência política de gênero não é uma novidade. E quando o estudo nos mostra que nós, deputadas e senadoras de esquerda, somos duas vezes mais atacadas do que as parlamentares da direita, confirma também o espaço destacado que o discurso de ódio teve nos quatro anos de governo Bolsonaro”, sustenta a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ).

“Enfrento a tentativa de silenciamento da minha voz e do meu corpo político desde antes do meu mandato de deputada federal, o que se acirrou nos últimos anos. Isso é parte da conclusão de que dos alvos nominais da violência política de gênero, fui a parlamentar mais atacada nas redes sociais. Um tipo de violência que também anda junto com outra constatação pelo estudo: a maioria das ofensas são insultos e invalidação da nossa capacidade de atuar como parlamentar”, completou a deputada, em nota encaminhada ao OPINIÃO EM PAUTA.

Plataformas

Entre as plataformas analisadas, o Twitter apresentou a maior incidência de ataques, mas é no Facebook que a violência política de gênero alcança maior visibilidade e desperta maior engajamento. Como defende Petrone, “é urgente uma política de regulação das plataformas, que efetivamente fortaleça a democracia e freie o discurso de ódio e a desinformação”. O posicionamento está alinhado com a declaração recente do presidente Luís Inácio Lula da Silva, em carta enviada à Unesco e lida durante a conferência global “Internet for Trust”, em Paris.

 

Deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) é a terceira mais atacada nas redes. Foto: Billy Boss/Câmara dos Deputados

 

Deputadas destacam o estímulo à misoginia do governo passado e cobram punições

Terceira no ranking de parlamentares mais atacadas proporcionalmente, a  deputada federal Jandira Feghali  (PCdoB-RJ) afirma que é indignante que as mulheres sejam alvo de violência política e que uma das principais causas do discurso de ódio seja o protagonismo feminino. “Houve nos últimos anos um estímulo à misoginia, que refletiu no aumento dos ataques a parlamentares mulheres. É preciso denunciar e punir os agressores e continuar estimulando o empoderamento e participação das mulheres na política. Não aceitaremos nenhum tipo de intimidação e avançaremos no enfrentamento de toda e qualquer violência contra mulheres”, defendeu.

Quarta colocada no ranking de menções ofensivas, deputada Fernanda Melchionnna (PSol-RJ) diz que não será silenciada. Foto: Luiza Herdy e Laila Varaschin

A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS), quarta maior vítima de menções ofensivas no levantamento (22,2%), respondeu à reportagem do OPINIÃO EM PAUTA que o alto índice de ataques está associado ao seu enfrentamento direto à extrema direita. “Sabemos da rede de ódio construída pelo bolsonarismo. Além do machismo escancarado nesses ataques, esta é uma forma de tentar intimidar mulheres em posições de poder. Mas nós não nos intimidaremos e não seremos silenciadas. Não há nenhum ataque que possa nos impedir de seguir denunciando as barbaridades da extrema direita contra os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras ou os inúmeros crimes que Bolsonaro cometeu durante seu governo. Quanto mais eles nos atacam, mais coragem temos para seguir a luta.”

Presidente nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) defende punição exemplar aos agressores. Foto: Adriano Machado/REUTERS

A presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), na sétima colocação (13,3%), falou à reportagem que a violência de gênero parte, em especial, da extrema direita, e cobra fortes punições para os que disseminam este ódio. “Tem uma questão ideológica, mas também é um reflexo da nossa sociedade machista e patriarcal porque não são críticas, não há um debate de ideias. São ofensas, agressões que tomam por base a desqualificação enquanto mulher. Temos uma lei para punir a violência de gênero na política durante as eleições e no exercício de direitos políticos e de funções públicas, mas precisamos aprimorar esse enfrentamento, seja por meio de conscientização, punição”, destacou a parlamentar.

 

Nomes da direita que romperam com Bolsonaro também são atacados

A pesquisa revela que nomes da direita também são vítimas de agressores nas plataformas digitais. Mas esta situação está muito associada à relação com o governo Bolsonaro. É o caso da Professora Dayane Pimentel, considerada um fenômeno em 2018, quando se elegeu com a votação mais expressiva da história da Bahia para deputada federal, com o slogan “a candidata do Bolsonaro na Bahia”. Antes desta eleição, ela era um dos nomes mais fortes para concorrer como vice na chapa presidencial do ex-capitão.

Já no decorrer da pandemia, o discurso da então deputada  se voltou contra o governo e a sua campanha pela reeleição foi ao lado do ex-juiz federal Sérgio Moro, também desafeto, naquela época, de Bolsonaro. O seu novo lema em 2022 era juntar forças para vencer o “bolsopetismo”.

Não deu outra: mesmo de direita, ela passou a ser vítima dos ataques bolsonaristas nas redes sociais e não conseguiu manter o passivo eleitoral para garantir um novo mandato. “Ela aparece, proporcionalmente, como a segunda mais atacada na pesquisa. Uma parlamentar de direita, eleita pela onda do bolsonarismo, mas ela passa a ser atacada quando rompe com essa vertente. Ela começou a receber muitos comentários a acusando de traição”, avalia a pesquisadora Letícia Sabbatini.

“As pessoas mais à direita, mais identificadas com o ex-presidente Jair Bolsonaro, têm uma atuação mais assídua nas redes, comunicando as suas insatisfações em relação aos parlamentares e, muitas vezes, agindo com violência”, complementou.

A pesquisadora da Universidade Federal Fluminense lembra que este episódio se assemelha muito com a situação da ex-deputada Joice Hasselmann, que também aparece no levantamento de menções ofensivas, figurando no oitavo lugar. Assim como a representante da Bahia, ela passou de uma das aliadas mais fiéis do ex-presidente a uma de suas maiores críticas. “É o mesmo caso. E isso só mostra que as motivações principais dos ataques são as questões ideológicas. É o principal mote dos ataques”, concluiu.

 

Foto principal: Mídia Ninja

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