Henrique Acker (correspondente internacional) – Se tiver que apontar um vencedor do debate de 10 de setembro, qualquer analista político com um mínimo de isenção apostará na candidata democrata, Kamala Harris. Ao contrário de Joe Biden, no debate de junho promovido pela CNN, foi Harris quem pressionou Donald Trump, demonstrando naturalidade nas respostas e até censo de humor.
Há várias razões que justificam os desempenhos de Harris e Trump. Talvez o mais forte seja o estilo de debate organizado pela ABC News, a cadeia de TV promotora do encontro.
O microfone aberto somente para quem estava usando a palavra foi um deles. Com isso, Trump perdeu a chance de interromper o adversário com insultos e piadas que desconcentram o oponente, como costuma fazer em outros debates.
O fato de Harris ter sido a primeira a responder aos mediadores, deu-lhe a chance de tomar a iniciativa e partir imediatamente para o ataque a Trump, desde o bloco inicial de perguntas.
Trump se surpreendeu e ficou um tanto na defensiva, ao contrário de seu estilo normalmente intimidatório. Os analistas políticos estadunidenses ficaram certamente surpresos, porque havia uma expectativa que ele partisse para a ofensiva.
Estratégias diferentes
Provavelmente Harris foi instruída a não perder a oportunidade de surpreender Trump, visto que a campanha do republicano não confirmou se aceitaria um novo debate. E foi o que a candidata democrata fez. “Neste debate vocês vão ouvir o mesmo velho papo de mentiras, queixas e ofensas”, sentenciou a democrata logo no início.
Já no primeiro bloco, Harris atacou o legado do ex-presidente. “Donald Trump nos deixou o pior desemprego desde a grande depressão (1929), a pior pandemia em um século, o maior ataque à nossa democracia desde a Guerra Civil. O que temos feito é limpar a bagunça dele”, resumiu Harris.
A estratégia de Trump foi de vincular Kamala Harris a Joe Biden, associando o desgaste da atual administração à candidata democrata. “Lembrem-se disso: ela é Biden. Ela está tentando se distanciar de Biden. A pior inflação que já tivemos. Uma economia horrível… ela não pode escapar disso”.
Mas Harris não carregou o fardo de defender Biden. “O que eu ofereço é uma nova geração de liderança para o nosso país”, disse Harris, jogando nas costas de Trump o peso da velha política.
Boatos desmentidos
Na tentativa de desqualificar os imigrantes, Trump saiu-se com uma das suas, declarando que “imigrantes da América Central estão roubando e comendo cachorros e gatos de moradores americanos”, boato difundido sobre a cidade de Sringfield (Ohio). Isso para concluir que se Harris for Presidente “vamos virar uma Venezuela piorada”.
No entanto, o mediador do debate esclareceu que a ABC News entrou em contato com a prefeitura de Springfield, que negou o caso.
O republicano se eximiu de responsabilidade ao ser acusado por Harris de atentar contra a democracia, quando seus apoiadores invadiram as dependências do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Trump defendeu-se dizendo “Eu não fiz nada… eles perderam o controle”, negando qualquer participação direta ou incentivo à violência no episódio.
Em outra tentativa de comprometer a adversária, Trump acusou os democratas de defenderem o aborto após o nono mês de gestação. O que também foi desmentido pelo mediador do debate, lembrando que não existe nenhum estado americano em que essa seja uma prática legal reconhecida.
Duas receitas para defender a supremacia dos EUA
É difícil cravar com precisão qual será o efeito do debate entre candidatos à Presidência dos EUA sobre o eleitorado. Ainda mais num país cujo perfil do eleitor varia do Norte para o Sul, do Leste para o Oeste, do campo para as cidades e das grandes cidades para as cidades menores do interior.
A democrata Kamala Harris é uma personagem do staff político. Sua missão é defender a hegemonia econômica, política e militar do país, preservando o status de superpotência dos EUA. Foi o que fez no debate e faz na campanha, usando um verniz de renovação, através de um identitarismo simpático às novas gerações.
Já o republicano Trump é a típica liderança histriônica da nova extrema-direita, com suas piadas debochadas e tiradas irônicas. Defende os mesmos interesses das velhas elites estadunidenses, procurando atrair o eleitorado conservador, descrente da política oficial. Para isso, usa a imigração como bode expiatório para justificar os problemas da sociedade estadunidense.
O certo é que os debates eleitorais televisivos tornaram-se menos um espaço para a discussão de ideias e planos, e muito mais um show para a apresentação de personalidades. Quem estiver num dia mais inspirado e desempenhar melhor seu papel pode convencer o público e vencer o debate. Mas nem sempre os debates decidem as eleições.
As pesquisas eleitorais apontam ligeira vantagem para Kamala Harris. Como a eleição é indireta, através de um colégio eleitoral, a vitória deve estar com o candidato do partido que vencer na maioria dos seis estados com maior número de delegados: Califórnia (54), Texas (40), Flórida (30), Nova Iorque (28), Illinois (19) e Pensilvânia (19).
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
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Fontes:
Íntegra do debate com legendas em Português
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