Reportagem Especial do jornalista Jamil Chade, do Portal UOL.
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Jamil Chade (UOL) – Em uma obra que está sendo considerada como chave para a transformação da geografia do comércio mundial, o presidente da China, Xi Jinping, inaugurou um mega porto no Peru e deixou aliados de Donald Trump em estado de alerta. O local foi batizado pelo próprio chinês como o ponto de partida de uma “nova Rota da Seda marítima”.
O porto de US$ 1,3 bilhão é ainda a esperança de que a soja brasileira e minérios do país possam ser escoadas para a China, reduzindo o tempo e custo do transporte. Xi também viajará ao Brasil. Ele participa da cúpula do G20, no Rio de Janeiro, e depois será recebido pelo presidente Lula em uma visita oficial.
O chinês já realizou mais de dez viagens pela América Latina. Mas seu desembarque, desta vez, ocorre diante da vitória de Donald Trump e de uma estratégia americana para tentar reconquistar espaço na região.
Os chineses, porém, esperam que a rota facilite e aproxime as exportações de minérios e produtos agrícolas da América do Sul ao mercado chinês.
O porto de Chancay, a 80 quilômetros de Lima, vem causando preocupação nos EUA. A obra permite que navios de maior porte possam ancorar e reduz o tempo de trajeto de 35 dias para 25 dias entre a América Latina e a China. Isso significa um abalo para a competitividade dos portos de Manzanillo, no México, e Long Beach, na Califórnia.
A ex-chefe do Comando Sul, General de Exército Laura Richardson, caracterizou os projetos de infraestrutura da China no Caribe e nas Américas Central e do Sul como uma ameaça à segurança dos EUA.
O porto possui 15 ancoradouros capazes de acomodar alguns dos maiores navios de carga do mundo – e navios de guerra da China.
O jornal Global Times, uma espécie de porta-voz internacional do governo chinês, rejeitou a acusação e disse que o porto não era “de forma alguma uma ferramenta para a competição geopolítica”, chamando de “calúnias” as acusações dos EUA sobre o possível uso militar do porto.
Xi, em seu discurso de abertura do porto, se recusou a tocar no tema geopolítico. Para ele, trata-se da “Rota da Seda marítima do século 21”.
“A China está disposta a trabalhar com o lado peruano para tomar o projeto Chancay como ponto de partida para forjar um novo corredor marítimo-terrestre entre a China e a América Latina e conectar a Grande Trilha Inca”, disse Xi, referindo-se a uma rede de montanhas do século XV que uniu o império Inca.
Aproximação de Lula e Xi foi alvo de críticas de novo chanceler de Trump
Pequim, hoje, é a maior potência comercial do mundo. Suas exportações ocupam 14% do mercado internacional e somaram, em 2022, mais de US$ 3,5 trilhões em vendas. O segundo colocado no ranking é a economia americana, que exportou US$ 1,5 trilhão a menos que os chineses.
Não por acaso, a viagem de Lula para a China em 2023 e a visita de Xi ao Brasil na próxima semana estão causando profunda preocupação na Casa Branca. Fontes em Washington confirmaram que há uma preocupação real de que a visita possa sedimentar uma nova relação entre Brasília e China, criando dificuldades cada vez maiores para os interesses americanos na região.
Os investimentos chineses em áreas sensíveis da tecnologia também geram desconforto.
Entre os republicanos, as críticas são ainda mais contundentes. Ainda no ano passado, o senador da Flórida, Marco Rubio, alertou que a aproximação entre Brasil e China era mais um sinal da “desdolarização” do mundo, diante do acordo entre os dois países emergentes para realizar o comércio em moeda local, sem passar pelo dólar.
Rubio foi escolhido para ser o chefe da diplomacia de Trump, a partir de 2025.
O temor dos americanos não é apenas comercial. Parte das sanções que o país impõe contra o resto do mundo é financeiro, fechando mercado de capitais e opções de transações. Mas se um sistema paralelo é organizado, tais sanções perdem o efeito.
No caso chinês, analistas e diplomatas deixam claro que a ofensiva comercial e de investimentos é também parte de um esforço de ampliar sua influência geopolítica e ocupar áreas que por décadas foram considerados como quintais dos americanos ou europeus.
A visão chinesa para o mundo seria a do estabelecimento de pactos entre potências que, oficialmente, possam gerar benefícios mútuos. O discurso soa como música aos países do Sul, hesitantes diante do modelo desigual de relação com europeus e americanos.
Num recente estudo, o ex-ministro de Finanças do Chile, Felipe Larraín, e o acadêmico Pepe Zhang apontaram que, de fato, há hoje um maior investimento chinês na América Latina que nos EUA e praticamente o mesmo volume destinado para a Europa.
Parte da explicação seria a necessidade que os chineses continuam tendo em relação ao abastecimento de matéria-prima. Mas outro fato fundamental é a onda de restrições impostas por governos como o dos EUA, limitando a venda de ativos nacionais para os chineses, sob o argumento de ameaça à segurança nacional.
Segundo eles, em 2022, a China investiu:
US$ 8,4 bilhões na Europa
US$ 10 bilhões na América Latina
US$ 4,7 bilhões nos EUA.
Só o Brasil teria recebido US$ 5,9 bilhões dos chineses em 2021, transformando o país no principal destino de investimentos de Pequim naquele ano.
Xi: doze viagens em 10 anos para América Latina.
O volume não ocorre por acaso. O presidente chinês, Xi Jinping, já visitou a América Latina doze vezes desde que assumiu o poder, em 2013. Além disso, Pequim declarou “parceiros estratégicos” países como Chile, México, Peru, Venezuela, Equador, Argentina e, claro, o Brasil.
Num estudo publicado em 2022 pelo Council of Foreign Relations, fica claro ainda que existe uma preocupação real por parte dos EUA de que a China esteja usando essas relações comerciais e de investimentos para atingir metas geopolíticas. Uma delas seria isolar ainda mais Taiwan, ilha que até recentemente contava com o reconhecimento de vários países latino-americanos. Mas com recursos e promessas de investimentos, a China convenceu República Dominicana, Nicarágua e, mais recentemente, Honduras, a abandonar o apoio às autoridades em Taipé.
Já em 2021, o almirante americano, Craig Faller, que liderou o Comando Sul, chegou a soar um alerta:
“Estamos perdendo nossa posição de vantagem nesse hemisfério e uma ação imediata é necessária para reverter essa tendência”.
Joe Biden de fato agiu, ampliando iniciativas para a região e mesmo para favorecer o comércio com o Brasil. Além disso, fez forte pressão para garantir que Lula fosse primeiro para a Casa Branca, e não para Pequim.
Na Europa, a preocupação também é real sobre o avanço chinês sobre o Brasil e o restante do continente. Num documento produzido pelo Parlamento Europeu no final de 2022, o bloco alertava que, entre 2000 e 2022, o comércio entre a China e América Latina aumentou em 26 vezes.
“A UE, que há muito tempo é o parceiro comercial mais importante da América do Sul e o segundo maior parceiro comercial da América Latina como um todo, tem experimentado uma diminuição em sua participação de mercado em meio à expansão do comércio da China”, admitiu o documento obtido pelo UOL. (Foto: CNN Internacional)