Henrique Acker (correspondente internacional) –Depois de dois anos fora do Brasil, finalmente estive no Rio por três semanas, em dezembro de 2023, a convite dos meus irmãos. Foram dias de muitas emoções. A maior delas, sem dúvida, foi estar com meus filhos, que hoje considero irmãos mais novos. Ver como amadureceram e, de jovens promissores, se tornaram adultos serenos e com a cabeça no lugar.
Igualmente emocionante foi rever minha mãezinha, já em idade avançada e com muitas debilidades. Infelizmente constatei que aquele ser frágil de hoje é só uma sombra de quem conheci de perto.
Pelos meus cálculos imprecisos, nos 21 dias de viagem estive com cerca de 40 amigos e colegas. Com parte deles pude conversar longamente. Pessoas que conheci na minha infância, adolescência, juventude e na idade adulta. Gente dos lugares em que estudei, dos locais em que trabalhei, do Rádio, da ECO-UFRJ, do Colégio Cruzeiro, de Santa Teresa e da militância política de esquerda. Assim mesmo, não pude rever a todos que queria.
Da cidade onde nasci e aprendi a gostar, infelizmente não resta nem sombra. Nos bairros que percorri a pé – incluindo o Centro da cidade – constatei abandono, sujeira, bagunça, levas de pessoas dormindo nas calçadas, desrespeito ao espaço público e nenhuma intervenção urbana que justifique os impostos pagos pelos cariocas.
O Rio de hoje é terreno propício para o domínio de milícias e oportunistas de toda ordem, como já acontece faz tempo nas favelas e subúrbios, ainda mais abandonados. Afinal, se a população entende o que é público como “terra de ninguém”, para que respeitar os espaços comuns? Praças e ruas do Rio estão largadas (com raras exceções), ocupadas por uma informalidade que é achacada e obrigada a contribuir com as quadrilhas.
A privatização em massa das empresas estaduais, iniciada nos anos 90 (governo FHC/Marcelo Alencar), retirou do Estado as ferramentas capazes de intervir e regular a vida da população. E ainda reduziu muito a arrecadação de impostos.
Não há sistema público de transporte (trens, metrô, barcas), os serviços como água, tratamento de esgotos, fornecimento de gás e luz (Cedae, CEG e Light) foram privatizados. Até estacionamentos (Coderte) e vias públicas (linha Amarela e Ponte Rio-Niterói) foram para as mãos de grupos privados. Sem falar no Banerj, único banco de fomento que oferecia linha de crédito a pequenos e médios produtores.
Os espaços públicos foram loteados, os serviços são caros e ruins, as empresas privatizadas fazem o que querem sem serem incomodadas por qualquer tipo de controle eficaz. São “monitoradas” por agências, via de regra dirigidas por gente indicada ou amiga das empresas que deveriam fiscalizar.
Nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário predomina uma espécie de lumpen-burguesia, inculta, que participa do banquete dos grupos agarrados aos governos estadual e municipais.
É nesse ambiente que proliferam igrejas evangélicas neopentecostais e o bolsonarismo, fenômenos de extrema-direita. As autoridades estão desmoralizadas e só conseguem se impor aos mais pobres através dos vendilhões do templo e a força bruta.
O carioca se divide entre a dura realidade e o saudosismo de uma cidade bela, que perdeu seus encantos para os descalabros do dia-a-dia. Talvez isso explique o verdadeiro “foda-se” em que o Rio sobrevive, desgovernado por um sujeito que mal sabe falar e um promoter, representantes legítimos do que há de pior na política: a negociata e o cinismo.
Tive a felicidade de passar o Natal com meus parentes e filhos e o Ano Novo com gente boa da ECO-UFRJ. A viagem também evidenciou para mim o contraste entre o que há de mais triste no ser humano e atitudes que nos surpreendem positivamente. Mas isso é assunto para outra crônica.
Por Henrique Acker (correspondente internacional)