Impactos de natureza diversa, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Expectadores tocados e interessados em compreender a ditadura militar no Brasil (1964 – 1985). O cinema brasileiro é aclamado por sua abordagem sobre as consequências do autoritarismo, que continua a ameaçar as democracias atuais. Diversas são as razões que levam o filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, a ser considerado um forte concorrente ao Oscar neste domingo (2), conforme analisam especialistas, independentemente de ganhar prêmios.
Baseada na obra homônima de 2015, escrita pelo autor Marcelo Rubens Paiva, a produção foi lançada em 2024 e atraiu mais de cinco milhões de espectadores aos cinemas. Se conquistar o prêmio neste domingo, será a primeira estatueta para o Brasil. Em 1960, o filme brasileiro Orfeu Negro conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro, mas sua representação era pela França, sob a direção de Marcel Camus.
Marcelo Rubens Paiva é um dos cinco herdeiros de Eunice Paiva (1929 – 2018), que foi advogada e ativista, e do ex-deputado Rubens Paiva (1929 – 1971). Rubens teve seu mandato suspenso e, posteriormente, foi alvo de perseguições, sequestrado, torturado e assassinado por agentes da ditadura militar, incluindo membros da Aeronáutica e do Exército.
Até o momento, o filme conquistou 38 prêmios, tanto nacionais quanto internacionais, incluindo o Prêmio Goya e o Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz. No Oscar, obteve indicações em três categorias: Melhor Filme, Melhor Atriz, para Fernando Torres, e Melhor Filme Internacional.
Maneira alternativa
De modo geral, especialistas consultados pela Agência Brasil afirmam que revisitar o passado de uma maneira alternativa, em interação com um presente conturbado, provoca reflexão e engajamento do público, o que já, por si só, é uma conquista.
Segundo o professor Arthur Autran, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que coordena um grupo de pesquisa sobre cinema e audiovisual na América Latina, a influência é “imensa” em vários aspectos, independentemente de o filme conquistar algum Oscar neste domingo.
“O longa-metragem realmente se transformou em um verdadeiro acontecimento. Um grande número de pessoas demonstrou interesse pelo cinema nacional”, comenta.
Para ele, isso claramente gera um ambiente bastante favorável e, mesmo sem recorrer diretamente a fundos públicos, representa uma manifestação da política pública brasileira voltada para o setor audiovisual.
Uma outra conquista do filme para o país mencionada pelo professor é a exaltacão da memória nacional. “(O assassinato de Rubens Paiva) foi uma atrocidade cometida pelo regime militar brasileiro. A película apresenta essa história de maneira profundamente comovente e intensa. Há uma grande habilidade em recontar essa tragédia nacional e apresentá-la de uma forma narrativamente impactante”, afirma Autran.
De acordo com a análise do especialista, a obra cinematográfica, ao apresentar uma história impactante, destaca o cinema do Brasil.
“Temos voz”
A professora de artes cênicas Dirce Waltrick do Amarante, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ressalta que o reconhecimento internacional representa uma conquista significativa para a arte brasileira.
“Temos conseguido levantar nossa voz, uma voz que se expressa em português e representa um país periférico como o Brasil. É uma voz que vem sendo escutada”, afirma a pesquisadora.
Segundo a visão de Dirce Waltrick, o impacto do filme tem gerado um reconhecimento das produções artísticas brasileiras. “Esse filme é extremamente significativo devido à sua temática e possui grandes possibilidades de conquistar o Oscar. De qualquer maneira, considero-o essencial, um marco para a nossa cultura”.
Segundo a professora, o papel de uma obra de arte é, na verdade, provocar e inquietar.
“As pessoas são motivadas a buscar informações e conhecer mais sobre Eunice Paiva, que defendeu os direitos dos povos indígenas, um aspecto que é menos explorado no filme.”. ( Foto: Alile Dara Onawale/Sony Picutres)
