Levantamento de rede de cientistas que investigam eventos climáticos extremos aponta que aquecimento do planeta permitiu que desastre tivesse uma chance maior de ocorrer
A junção dos efeitos da mudança do clima provocada pelas emissões de gases de efeito estufa das atividades humanas com a ocorrência do fenômeno El Niño tornou mais provável a ocorrência de eventos extremos como as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul no mês de maio. A conclusão é de um estudo do World Weather Attribution (WWA) feito por pesquisadores do Brasil, Reino Unido, Suécia, Holanda e Estados Unidos divulgado na última segunda-feira (3).
Para analisar a catástrofe gaúcha, foram usadas informações de dois períodos: um de quatro dias (29 de abril a 4 de maio), e outro de dez dias (de 26 de abril a 5 de maio). A WWA é uma iniciativa formada por cientistas de entidades como Grantham Institute Climate Change and the Environment, do Imperial College London (Reino Unido) e o Royal Dutch Meteorological Institute (Holanda), entre outras.
De acordo com o estudo, as alterações climáticas dobraram a probabilidade de ocorrerem chuvas como as que caíram sobre o estado entre o final de abril e o começo de maio. Também foi verificado um aumento de intensidade de 6% a 9% devido à queima de combustíveis fósseis. O levantamento aponta que precipitações com essa intensidade são raras e esperadas para acontecerem a cada 100 a 250 anos. Caso não houvesse o cenário de profundas transformações climáticas, tais ocorrências poderiam ser ainda mais incomuns.
O estudo indicou, ainda, que o El Niño também influenciou o evento, resultando “num aumento consistente em todos os conjuntos de dados e para ambos os eventos: por um fator de 2-3 em probabilidade e 4-8% em intensidade para o evento de 10 dias e um fator de 2 a 5 em probabilidade e 3 a 10% em intensidade para o evento de 4 dias”.
Segundo o levantamento, “estas conclusões são corroboradas quando se olha para um clima com 2ºC de aquecimento global desde os tempos pré-industriais, onde encontramos um aumento adicional na probabilidade de um fator de 1,3-2,7 e um aumento na intensidade de cerca de 4% em comparação com os dias atuais”.
No caso de Porto Alegre, o estudo aponta que além dos fenômenos climáticos, a redução do investimento e da manutenção do seu sistema de proteção contra inundações contribuiu para “os impactos significativos das cheias”, apontando para a necessidade de “avaliar objetivamente o risco e de reforçar as infraestruturas” para torná-las resilientes a futuras enchentes “ainda mais extremas”.
Por fim, o estudo faz dois alertas importantes quanto à necessidade de se respeitar as legislação ambiental e no que diz respeito à forma como os avisos devem chegar com antecedência à população. As leis de proteção ambiental no Brasil, argumenta, não têm sido aplicadas de forma consistente, “levando à invasão de terras propensas a inundações e, portanto, aumentando a exposição das pessoas e da infraestrutura aos riscos de inundação”.
E conclui salientando que “as previsões e os avisos das cheias estavam disponíveis com quase uma semana de antecedência, mas o aviso pode não ter chegado a todas as pessoas em risco e o público pode não ter compreendido a gravidade dos impactos ou saber que ações tomar em resposta às previsões”. Por isso, finaliza, “é imperativo continuar a melhorar a comunicação de riscos que conduza a ações adequadas para salvar vidas”.
(Foto: Prefeitura de Passo Fundo (RS)