Criador do “Menino Maluquinho”, cartunista Ziraldo morre aos 91 anos

O cartunista Ziraldo morreu na tarde deste sábado (06), aos 91 anos. A informação da morte foi confirmada pela família. Ele faleceu enquanto dormia em sua residência, no Rio de Janeiro.

Ziraldo foi o criador da história do “Menino Maluquinho”, seu grande sucesso. Sua carreira também é marcada por obras como “Turma do Pererê”, além de ter, também, participação ativa na fundação do jornal “O Pasquim”, um dos principais veículos de combate à ditadura militar no Brasil.

 

Exposição em sua homenagem

O Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (CCBB RJ) recebe, desde o início de março, a exposição sensorial Mundo Zira — Ziraldo Interativo, onde toda a família poderá ter contato com os personagens criados pelo quadrinista e escritor brasileiro, que fazem parte do imaginário infantil de todas as idades. A mostra ficará em cartaz até 13 de maio, celebrando o talento do artista, que completou 91 anos em outubro do ano passado.

A estreia ocorreu em 2022, em Brasília, onde a exposição imersiva foi vista por 65 mil pessoas. Os ingressos são gratuitos e podem ser retirados a partir do próximo dia 28 no site do CCBB RJ. A exposição funcionará todos os dias, exceto terça-feira, das 9h às 20h.

Seu estúdio, onde trabalhou durante 70 anos, instalado no bairro da Lagoa, zona sul do Rio, está sendo transformado no Instituto Ziraldo.

As histórias infantis contadas por ele em mais de 200 títulos, incluindo Flics, Menino Maluquinho, Turma do Pererê, Menino Quadradinho, entre outros, ocuparão o saguão e o quarto andar do CCBB RJ, para serem apreciadas por cariocas e outros visitantes. A direção artística e curadoria são de Adriana Lins e Daniela Thomas, respectivamente sobrinha e filha do artista. A exposição é realizada pela Lumen Produções e pelo Instituto Ziraldo, com patrocínio da PRIO, empresa do setor de óleo e gás do Brasil, e do Ministério da Cultura.

Quem era criança e conheceu os livros e personagens de Ziraldo passou para os filhos e netos. “Flicts tem 60 anos, a Turma do Pererê também. São gerações. São avós, filhos e netos”, disse em entrevista à Agência Brasil a curadora Adriana Lins. Acrescentou que crianças de 10 e 12 anos, que atuam hoje em redes sociais, que nasceram quando Ziraldo tinha 80 anos, são leitores de suas histórias, o que comprova que os personagens são atemporais. “Elas conhecem os livros, os personagens e adoram”. Adriana afirmou que Flicts, lançado em 1969, é atual. “Ele fala de inclusão, de aceitação, das diferenças, da comunhão”. Sem ser didático, seus livros têm sempre uma lição para transmitir. “Ziraldo é tão literatura, poesia e sensibilidade que a mensagem chega. É por isso que tem tantos fãs. Ele conversa como leitor. Sua obra é pessoal”, destacou Adriana.

 

Interatividade

A exposição une interatividade e tecnologia com a arte tradicional, proporcionando nova leitura das obras icônicas do artista. “Quando pensamos na obra de Ziraldo, pensamos no prazer, no fascínio e na alegria que ele consegue transmitir com sua arte. Agora, nessa exposição, queremos ir além das páginas, sair do papel, recriando uma conversa com o seu acervo. Em Mundo Zira, livros, quadrinhos e personagens saem das páginas e ganham novas dinâmicas pelas mãos dos visitantes”, afirmou a filha mais velha de Ziraldo, Daniela Thomas, curadora artística do Instituto.

Quando o visitante entrar no saguão do CCBB RJ, já perceberá que Ziraldo está presente no prédio. Balões gigantescos de 3 e 4 metros de diâmetro, estarão suspensos no ar com todas as cores do Flicts e com as figuras dos amigos do Menino Maluquinho, dando as boas-vindas e convidando todos a brincar e a viajar no Mundo Zira. “A gente mais tura os universos de Ziraldo. A gente traz os meninos da lua, que são os meninos dos planetas, o Menino Maluquinho, a Turma do Pererê, o Planeta Lilás, Flicts, o Bichinho da Maçã, com o qual Ziraldo ganhou o Prêmio Jabuti de melhor livro de arte em 1982”, lembrou Adriana.

Quando a pessoa chega ao quarto andar, do lado de fora da galeria, já começa a ter contato com o mundo de Ziraldo. O próprio artista dá as boas-vindas ao público em uma fotografia gigante em preto e branco. “É como se ele estivesse falando: Pode chegar que é aqui!”. O Menino Maluquinho aponta então para a direção que o visitante deve seguir. Na porta de entrada, Flicts recebe as pessoas que acabam parceiras dessa orquestra de cores e sons, disse Adriana. À medida que as pessoas movem os braços e as mãos como se fossem maestros, o livro vai surgindo em um telão e se animando, fazendo aparecer cores e palavras. “Você vira o condutor dessa história. Vai mergulhando no sensorial e se apropriando dos sentimentos, de percepções, ao mesmo tempo que está brincando, se divertindo”.

 

Surpresas

Mais surpresas esperam o público nos espaços dedicados ao Menino Quadradinho, que fala da passagem da criança para a vida adulta, e no Planeta Lilás, sendo uma homenagem ao livro, em que o personagem vai descobrindo as palavras. Já o Saci Pererê leva os visitantes para outra sala, que é a Mata do Fundão, simbolizando todas as florestas brasileiras. Ali, projeções misturam personagens e barulhos de mata que vão surgindo a cada momento atrás dos galhos. “É um pega-pega, dentro da Mata do Fundão”, disse Adriana Lins.

Na verdade, a curadora explicou que se trata de um grande salão que vai criando ambientes. Em um desses ambientes, a imagem do visitante é capturada e projetada em uma ilustração de Ziraldo na parede em frente a ele. “O visitante vira então um personagem do desenho, daquela cena. Tem um menu de desenhos e o visitante pode escolher em qual imagem ele quer aparecer”. Na parte de percepção pelo desenho, há outro ambiente com mesas digitais, que o público escolhe qual desenho quer colorir, por textura diferente. Em seguida, o desenho é projetado muito grande na parede e os outros visitantes passam a ver sua arte, como você se tornou coautor de Ziraldo naquela ilustração.

A exposição destaca ainda outra linguagem ziraldiana, que são as onomatopeias. A interatividade funciona em alguns pontos do chão onde a pessoa passa e pisa, fazendo a onomatopeia surgir na parede com seu barulho característico. Daniela Thomas lembra que as exposições de Ziraldo, normalmente, são uma festa, porque seus desenhos são fascinantes. “São alegres, brilhantes, sedutores”, completou Adriana. “Isso encanta muito”. Em uma mostra interativa como essa, tudo vira festa.

De acordo com ela, que também é diretora do Instituto Ziraldo, “é uma exposição imersiva, divertida, dinâmica, indo além da contemplação, convidando o visitante a atuar e fazer parte da brincadeira. Segundo as curadoras, Mundo Zira — Ziraldo Interativo é um convite ao estímulo da criatividade e da reflexão. A interação com as obras oferece experiência educativa, unindo arte, tecnologia e mensagens sociais e ambientais. Os temas, tratados pioneiramente por Ziraldo desde os anos 60, permanecem não apenas contemporâneos, mas também urgentes.

Em sua última entrevista concedida em 2021, Ziraldo faou sobre a sua participação n´O Pasquim. Disse ele:

 

“Olha, a gente revolucionou o estilo de entrevista no Brasil por causa disso. Porque não tinha ninguém para tirar a entrevista do gravador. Então sempre tiravam do jeito que ela saia, e eu dizia: “Quem vai editar? Sérgio Cabral?”. “Não”. “Vai assim mesmo…” E inventamos a entrevista espontânea, onde aparecia o cara que tirava a entrevista, colocava “risos”. Nunca tinha isso né, aquela coisa dos risos, dos comentários, tal. Então, o Pasquim foi feito muito dessa improvisação. As dicas que a Olga Savary inventou, que era para ela poder botar as coisinhas que ela queria lá, acabou virando um dos maiores índices de leitura do Pasquim. Também criou o estilo de jornalismo, de forma de interpretar a notícia, que mudou um pouco a história da imprensa brasileira.

Tem uma frase do Millôr que foi publicado no Pasquim, “Jornalismo é oposição, o resto é um armazém de secos e molhados”. E é verdade. Outra coisa é o Millôr explicando que O Pasquim reunia uma porção de gente que você não pode comprar com dinheiro. A gente tinha, na época do Pasquim, época da ditadura, quer dizer, todo mundo silenciado, e nós todos tivemos o privilégio de não ficar calado. Quer dizer, de não engolir o que os caras queriam enfiar pela garganta da gente. E isso é muito salutar, entendeu? Então as pessoas que foram para o Pasquim, foram porque acharam um espaço para poder desenvolver a sua indignação”.

 

Ainda sobre o Pasquim, Ziraldo prossegue:

 

“Ter tido O Pasquim na minha vida para atravessar os chamados anos de chumbo foi um privilégio. Foi uma experiência válida e inserida no contexto, foi mesmo. Não sei se a palavra é afetou, quando você se refere às formas de criação. Afetou não é pejorativo? Estou perguntando. Não seria melhor dizer influiu? Quando você diz afetar, já vem com um preconceito. Já está me dizendo que achou que o Pasquim me fez mal. Fez não. Era o que a vida podia me oferecer para que eu a seguisse construindo naquele momento.

Quando eu fui para o Pasquim, já éramos (eu, Jaguar, Paulo Francis…) bastante conhecidos. O Pasquim já era um escrete, depois veio o Ivan Lessa, o Henfil arrebentou. O Fradim virou o maior sucesso do Pasquim. Eu pude atravessar a ditadura toda no Pasquim — em vez de ficar em casa chorando as mágoas, usamos as páginas do jornal para enfrentar a ditadura. Simultaneamente ao Pasquim, que não rendia dinheiro pra gente, fui um dos primeiros profissionais brasileiros a assinar peças publicitárias. Quando a ditadura voltou para os quartéis e o Pasquim perdeu o vigor, nos anos 1980, fiz O Menino Maluquinho. O livro fez tanto sucesso que eu virei autor para criança e sobrevivo hoje como autor para criança.”  (Foto: Thiago Queiroz/ Estadão)

 

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