Cresce a onda de levantes militares na África

Henrique Acker (correspondente internacional)-  Depois de diversas tentativas dos movimentos de libertação anti-imperialistas dos anos 60 e 70, surge agora, em diversos países africanos, uma nova onda de levantes militares que expressam sentimentos  antiocidentais, anti-europeus e especialmente anti-franceses.

As sublevações militares ocorridas no Níger e no Gabão seguem tentativas semelhantes ocorridas nestes mesmos países nos últimos anos, assim como em Burkina Faso (janeiro e setembro de 2022), Mali (2020 e 2021) e Guiné (setembro de 2021).

O que não fica evidente são os motivos que levam militares a dissolver governos corruptos e tomar o poder nesses países. Em alguns casos, os sublevados expressam um forte sentimento nacionalista. Outros parecem atender ao clamor da maioria da população civil, que sai às ruas para apoiar a queda de governantes corruptos e seus regimes autoritários.

Mas, afinal, o que propõe essa nova camada de oficiais militares africanos? Pretendem manter-se no poder ou restituir o poder civil e construir novas democracias? Que capacidade têm para unificar seus países, a maioria dividida em inúmeras tribos, religiões e costumes?

Difícil cravar um diagnóstico próximo da realidade, seja porque há pouca informação sobre os objetivos dos militares que assumem o poder seja porque há grupos que, ao contestarem o imperialismo da França e dos EUA, aliam-se aos russos e chineses, também interessados nas riquezas minerais africanas.

 

Neocolonialismo por trás de governo corruptos

Historicamente a França submeteu à pilhagem absoluta as jazidas minerais de suas colônias africanas por cerca de 200 anos. Mesmo depois da independência, com o final da II Guerra Mundial, o governo francês impôs o chamado “Pacto Colonial” aos novos governantes das ex-colônias. Muitos aceitaram a função de fantoches da França, formando governos corruptos e impopulares.

No Níger, por exemplo, empresas francesas seguem explorando as minas de urânio na região de Agadez. O urânio é fundamental para o sistema de instalações nucleares francesas, que fornece grande parte das necessidades de energia elétrica do  país, enquanto os quase 26 milhões de nigerinos nunca puderam desfrutar de um grama de sua riqueza. O Níger é o quarto maior produtor mundial de urânio.

O Gabão, que tem população de pouco mais de dois milhões de habitantes e cujo território pertenceu à antiga África Equatorial Francesa até 1959 (juntamente com a atual República Centro-Africana, Chade e Congo Brazzaville), era governado pela mesma família (Bongo) desde 1967. O país é grande produtor de petróleo e urânio. A deposição do presidente pelos militares ocorreu logo após o anúncio de mais uma vitória eleitoral de Ali Bongo, com denúncias de fraudes reconhecidas até mesmo pela União Europeia.

O Níger é a segunda nação da África que recebe maior assistência militar dos EUA. Desde 2002, Washington começou a prestar assistência antiterrorista e, nos últimos dez anos, forneceu mais de meio bilhão de dólares em armas, veículos blindados e até aviões de vigilância.

Além disso, os Estados Unidos mobilizaram na última década mais de 1.000 soldados no Níger, que desenvolvem treinamento e assistência ao exército nigerino. De acordo com o relatório do Instituto Tricontinental, os Estados Unidos são hoje o país estrangeiro que mais tem bases militares no continente africano. Oficialmente, há 29 instalações em 15 países.

Segundo o documento oficial “Nova Estratégia para a África do governo dos EUA” (2019),  fonte de levantamentos do Instituto Tricontinental, “Grandes potências concorrentes, nomeadamente a China e a Rússia, estão expandindo rapidamente sua influência financeira e política na África. Eles estão deliberada e agressivamente direcionando seus investimentos para a região para obter uma vantagem competitiva sobre os Estados Unidos”.

 

Rússia também disputa riquezas

Por sua vez, cresce a presença e influência de grupos de mercenários a serviço do governo russo na África. O grupo Wagner, por exemplo, participou diretamente com tropas e instrutores militares dos conflitos na República Centro-Africana, Líbia, Sudão, Mali e Moçambique.

A empreitada é financiada extra oficialmente pelo governo de Vladimir Putin, em apoio a empresas privadas russas que operam principalmente na área de mineração de ouro, urânio e outros metais no continente africano. O Grupo Wagner também é usado como moeda de troca na ajuda militar e de combate a grupos separatistas e terroristas islâmicos.

Em julho deste ano, o governo russo realizou encontro, em Moscou, com a participação de representantes de 49 dos 54 países africanos, incluindo 17 chefes de Estado. Além da promessa de envio de cereais a seis países africanos, em forma de ajuda humanitária, o governo russo firmou acordos de venda de armas e equipamentos militares a vários países do continente.

Pesa também na boa relação de países da África com Moscou, o fato da Rússia ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, votando muitas vezes a favor dos interesses dos governos africanos.

 

Os interesses chineses na África

A maior atuação chinesa no continente africano dá-se por meio de investimentos externos diretos, ajuda financeira, projetos de infraestrutura e perdão de dívidas. Em 2009, a China tornou-se o maior parceiro comercial da África, passando os EUA – em 2012, o comércio sino-africano atingiu US$198,5 bilhões, enquanto o comércio entre África e EUA foi de US$99,8 bilhões.

As importações chinesas do continente são essencialmente de petróleo, cobre, bauxita, urânio e alumínio, enquanto as exportações são principalmente de máquinas, têxteis e eletrônicos.

Os países do continente que recebem a maior parte do Investimento Estrangeiro Direto (IED) chinês são Angola e Sudão, os maiores exportadores africanos de petróleo para a China. Como consequência desses contratos, a África já responde com um terço das importações chinesas de petróleo.

Do ponto de vista militar, o governo chinês prefere apostar na União Africana como força estabilizadora e estabeleceu acordos visando o apoio financeiro e treinamento de pessoal da UA.

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

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