Comunidade internacional e observadores cobram a divulgação de atas detalhadas do pleito após opositores apontarem suposta fraude nas urnas. Brasil e EUA são dois dos países que não reconheceram o resultado devido à falta de transparência do processo
Nicolás Maduro foi proclamado vencedor das eleições na Venezuela em um evento realizado na tarde desta segunda-feira (29), em Caracas, pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). O resultado não é reconhecido pela oposição e está sendo questionado por vários países, incluindo o Brasil, devido à falta de transparência do processo. No poder desde 2013, o líder chavista ocupará a Presidência pela terceira vez consecutiva.
“Os venezuelanos expressaram sua vontade absoluta ao eleger Nicolás Maduro Moros como presidente da República Bolivariana da Venezuela para o período 2025-2031”, disse o presidente do CNE, Elvis Amoroso, um amigo pessoal de Maduro e da primeira-dama Cilia Flores.
O sentimento é de perplexidade nas primeiras horas após os resultados. O CNE anunciou que, depois de supostamente ter contado 80% das cédulas, Maduro recebeu 51,2% dos votos, em comparação com os 44,2% do candidato da oposição organizada, Edmundo González Urrutia. “Um resultado irreversível”, acrescentou Amoroso.
Após ouvir o resultado, que oficializou sua reeleição como presidente do país, Maduro condenou as acusações de suposta fraude nas urnas classificando as iniciativas como “tentativa golpe de Estado fascista”. “Estão tentando impor um golpe de Estado fascista e contrarrevolucionário na Venezuela mais uma vez”, disse Maduro. “Eles estão ensaiando os primeiros passos malsucedidos para desestabilizar a Venezuela e impor novamente um manto de agressão e danos à Venezuela”, acrescentou.
A oposição não reconheceu os resultados. Nas horas anteriores, logo após o fechamento das seções eleitorais, a equipe de campanha de González tornou público que o CNE só havia mostrado a eles 40% das seções eleitorais, apesar de terem enviado testemunhas por todo o país. Eles pararam de imprimir e transmitir os relatórios, disseram.
Daquele momento em diante, a preocupação entre os antichavistas estava no auge. Jorge Rodríguez, o operador político de Maduro, e Diosdado Cabello, o braço direito do presidente, vieram a público logo depois afirmando que haviam vencido as eleições, embora a contagem dos votos mal tivesse começado. Nesta segunda-feira, o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, vinculou a líder da oposição a uma suposta invasão do sistema eleitoral para “adulterar” os resultados da votação.
“A principal pessoa envolvida nesse ataque é o cidadão Lester Toledo (…) juntamente com o fugitivo da Justiça venezuelana Leopoldo López e María Corina Machado”, disse Saab à imprensa após anunciar o início de uma investigação.
Logo após o CNE ter proclamado a vitória de Maduro, o Centro Carter, um dos poucos observadores internacionais do processo eleitoral venezuelano, pediu que o órgão eleitoral “publique imediatamente os resultados das eleições presidenciais em nível de seção eleitoral”.
A continuidade de 25 anos de revolução bolivariana estava em jogo nas urnas no domingo. A oposição, organizada em torno de María Corina Machado, representou uma ameaça real à continuidade de Maduro no poder, desgastado por uma crise econômica que forçou um quarto da população a emigrar e pelas contínuas denúncias contra seu governo por violações dos direitos humanos.
María Corina, desqualificada como candidata pela Justiça, também cooptada pelo chavismo, deu seu lugar a Edmundo González Urrutia, um diplomata aposentado, muito tímido, que teve dificuldade em aceitar o cargo. Em um curto período de campanha, González tornou-se conhecido em todo o país e começou a superar Maduro nas pesquisas mais confiáveis. O chavismo se sentiu em perigo.
A oposição sabia que estava em desvantagem nas pesquisas — o chavismo controla todo o aparato estatal, inclusive o CNE, o árbitro das eleições. Entretanto, María Corina acreditava que sua vantagem era tal que Maduro não poderia escondê-la, nem dentro nem fora do país, especialmente diante da Casa Branca, com a qual está em negociações sobre sanções econômicas e reconhecimento internacional de seu governo.
A tentativa de fazer com que o chavismo se abrisse para um processo democrático e de transição esteve presente durante toda a campanha eleitoral, patrocinada por Washington, mas também pela Colômbia, Brasil e Chile. O objetivo era realizar eleições livres e transparentes que legitimassem o vencedor.
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil indicou que aguarda a publicação dos “dados desagregados por mesa de votação” do CNE para se pronunciar sobre o resultado — passo classificado como “indispensável” para a “transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”.
Estados Unidos e Chile foram os primeiros países a questionar abertamente o resultado. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, expressou as “sérias preocupações” da Casa Branca em Tóquio, onde está em turnê, de que “os resultados anunciados não refletem a vontade ou os votos do povo venezuelano”.
Gabriel Boric disse que os resultados publicados pela autoridade eleitoral venezuelana “são difíceis de acreditar”. “A comunidade internacional e, acima de tudo, o povo venezuelano, incluindo os milhões de venezuelanos no exílio, exigem total transparência dos resultados e do processo, e que os observadores internacionais não comprometidos com o governo prestem contas da veracidade dos resultados. O Chile não reconhecerá nenhum resultado que não seja verificável”, escreveu o presidente chileno em suas redes sociais.
A Colômbia se juntou a ele e, por meio de seu ministro das Relações Exteriores, Luis Gilberto Murillo, insistiu na necessidade de esclarecer “quaisquer possíveis dúvidas”. “Pedimos que os votos sejam contados, verificados e auditados de forma independente o mais rápido possível”, acrescentou.
O Alto Representante da União Europeia (UE) para Relações Exteriores, o espanhol Josep Borrell, disse que era “vital” para o processo eleitoral ter uma “contagem detalhada dos votos e acesso aos relatórios das seções eleitorais”.
(Foto: Federico Parra/AFP)