Como vila de pescadores foi ‘retirada de mapa’ para aprovação de parque eólico no litoral do Ceará

A vila de pescadores da Praia do Xavier, no município de Camocim, a cerca de 380 km de Fortaleza, “sumiu” do mapa após uma manobra cartográfica da empresa francesa Siif Energies, em 2009, segundo moradores do local e especialistas, para conseguir autorização e construir uma usina eólica. O local é habitado por uma comunidade de cerca de 100 habitantes, que mantinham uma rotina isolada de outras partes do município.

Na época, o mapa, que trazia a comunidade como um espaço de praia vazio (veja na imagem mais abaixo), foi entregue pela empresa e aceito pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), em um Relatório Ambiental Simplificado — documento obrigatório no processo.

Ainda conforme moradores e especialistas, a vila sofreu (e ainda sofre) com impactos socioambientais como  aterramento de lagoas: método inviabilizou uma das alternativas de pesca, especialmente na “Lagoa do Ferreira”. Em 2021, por exemplo, a comunidade possuía 26 famílias que viviam da pesca artesanal, mariscagem, catação de caranguejo, extrativismo e da agricultura familiar. Com o aterramento da principal lagoa, os moradores viram limitadas as opções de pesca.

A privatização de áreas públicas para instalação do empreendimento causou problemas como remoção de dunas e privatização de áreas públicas, antes frequentadas pela comunidade. Na época, moradores eram proibidos de acessar as dunas menores, que serviam como caminho para o distrito e o centro de Camocim.

No Relatório Ambiental Simplificado, a comunidade mais próxima retratada é a do distrito de Amarelas — cerca de 5,3 km de distância — no tópico “infraestrutura existente”; ou seja, ignorou-se a presença dos moradores de Xavier. O relatório ainda citou a comunidade, mas a apagou do mapa oficial. O g1 procurou a Semace para comentar o caso, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Segundo Adryane Gorayeb, pesquisadora e professora universitária, apagando a comunidade da Praia do Xavier, a empresa evitou ter de oferecer benefícios como forma de compensação por se estabelecer na área onde a comunidade vivia.

“As empresas camuflavam, não inferiam essas comunidades nos mapas dos empreendimentos justamente tentando se eximir das responsabilidades”, disse.

De acordo com publicação feita pelo O Globo, a CPFL (que comprou a empresa francesa) disse que o empreendimento seguiu o rito processual de licenciamento ambiental exigido pelo órgão licenciador competente, tendo sido emitidas todas as licenças necessárias para a implantação e operação plena. A empresa reforçou ainda que todos os requisitos de operação e obrigações referente ao empreendimento têm sido cumpridas.

No lugar da Praia de Xavier, a empresa redesenhou o mapa (veja abaixo) e incluiu “Praia Formosa” no lugar. A “Praia de Formosa”, no entanto, não consta na lista oficial de pontos turísticos divulgada pela própria Prefeitura de Camocim no site oficial do governo municipal.

 

Problemas socioambientais

O parque foi instalado a cerca de 250 metros das residências existentes. A instalação causou problemas como remoção de dunas, privatização de áreas públicas, que antes eram frequentadas pela comunidade, e aterramento de lagoas (após o desmonte das dunas), especialmente a principal delas, a Lagoa do Ferreira — o que inviabilizou uma das alternativas de pesca.

Em 2021, a comunidade possuía 26 famílias e cerca de 100 habitantes, que viviam da pesca artesanal, da mariscagem, da catação de caranguejo, do extrativismo e da agricultura familiar, conforme um relatório feito pela UFC. Com o aterramento da principal lagoa, os moradores viram limitadas as opções de pesca na comunidade, que precisou se restringir ao mar e lagoas menores. (Foto: Reprodução)

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