Estudo da FGV destrincha motivos para preços subirem mais que inflação.
As condições climáticas e a alteração no uso da terra, que favoreceram as culturas voltadas para exportação nos anos recentes, resultaram em uma desaceleração no crescimento da produção de alimentos no Brasil, o que justifica a elevação nos preços dos alimentos. Essa conclusão está presente na Carta do Ibre, uma análise mensal da conjuntura econômica realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV).
O artigo, escrito pelo economista Luiz Guilherme Schymura, conta com a participação de outros pesquisadores do Ibre e analisa as razões pelas quais a inflação dos alimentos tem aumentado a um ritmo mais acelerado do que a inflação oficial do Brasil, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A investigação indica que o aumento no custo dos alimentos resulta do descompasso entre a produção agrícola e as necessidades da população.
O IPCA de fevereiro indicou que a inflação referente ao setor de alimentos e bebidas aumentou 7,25% ao longo dos últimos 12 meses, superando a taxa geral, que foi de 4,56%. A Carta do Ibre destaca essa discrepância entre a inflação dos produtos alimentícios e a inflação total ao longo de um período mais extenso.
“De 2012 a 2024, o custo de alimentação nos lares aumentou 162%, ao passo que o índice IPCA total cresceu 109%”, segundo o relatório.
Dólar e clima
Ibre destaca que “o aumento dos preços dos alimentos, que exerce uma influência mais significativa na despesa dos indivíduos de baixa renda, tanto no Brasil quanto globalmente, é um fenômeno que perdura há aproximadamente 20 anos, sendo resultado de diversos e intricados fatores.”.
Schymura aponta que as mudanças climáticas são fatores que contribuem para a desconexão entre a inflação dos alimentos e o índice geral. Esses fenômenos, que incluem um aumento de eventos extremos e uma imprevisibilidade maior nas condições meteorológicas, resultam em interrupções na oferta de commodities e produtos alimentares. Esse impacto se faz sentir em várias regiões do mundo, com uma incidência clara e significativa no Brasil.
O estudo destaca que os impactos adversos das alterações climáticas passaram a se evidenciar de maneira clara a partir da metade dos anos 2000, sendo especialmente severos em regiões mais quentes do planeta, como é o caso do Brasil.
O relatório indica ainda que a “significativa desvalorização da moeda” contribui para o aumento dos preços dos alimentos, ao incentivar as exportações.
Com a desvalorização do real, exportar para outras nações e receber pagamentos em dólar torna a atividade do produtor mais rentável.
Outro efeito do câmbio elevado é o aumento nos custos de insumos agrícolas que são importados, incluindo defensivos, fertilizantes, além de máquinas e equipamentos.
Outro fator mencionado são as estratégias internas que promovem o consumo, como o “significativo aumento real do salário mínimo e a expansão considerable do Bolsa Família”. Com uma maior renda, a população tem tendência a elevar o consumo, afetando a dinâmica entre produção e demanda.
Produção agrícola
A divulgação feita pela FGV apresenta informações que indicam uma diminuição na velocidade de fornecimento de alimentos. “O avanço da produção agrícola global, que manteve uma média de aproximadamente 2,6% ao ano nas décadas de 1990 e 2000, reduziu-se para 1,9% na década de 2010.”.
O Ibre apresenta análises sobre situações concretas do Brasil. “O Brasil não está gerando alimentos suficientes nem para sua própria população nem para o exterior”. Um dos fatores que contribui para essa situação é a substituição de culturas – alimentos tradicionais estão sendo relegados em favor de soja e milho.
A produção agrícola está aumentando em um ritmo inferior ao requerido para satisfazer a necessidade de alimentos, tanto no mercado interno quanto externo, com foco especialmente no consumo humano. Parte das terras cultivadas parece estar sendo direcionada para a produção de itens voltados principalmente para a exportação, em vez de alimentos.
O Ibre apresenta informações sobre as variações nos preços dos alimentos em casa entre 2012 e 2024. As frutas registraram uma alta de 299%, seguidas por hortaliças e verduras com um aumento de 246%. Os preços de cereais, legumes e oleaginosas subiram 217%, enquanto tubérculos, raízes e legumes tiveram um incremento de 188%. Comparativamente, o índice geral da inflação foi de 109%.
Área trabalhada
A pesquisa revela que a extensão total de terras cultivadas no Brasil saltou de 65,4 milhões de hectares em 2010 para 96,3 milhões em 2023. No entanto, esse crescimento é predominantemente atribuído à soja e ao milho. Excluindo essas duas culturas voltadas para o mercado externo, a área cultivada manteve-se praticamente inalterada, com 29,1 milhões de hectares em 2010 e 29,3 milhões em 2023.
De acordo com o Ibre, houve uma redução de 20% na produção de feijão por pessoa no Brasil e uma queda de 22% na produção de arroz, ao se comparar os anos de 2024 e 2012.
“De acordo com Schymura, a superfície dedicada ao cultivo de arroz no Brasil diminuiu de 2,8 milhões de hectares em 2010 para 1,6 milhão em 2024, evidenciando a tendência de que plantações voltadas para o consumo interno estão sendo substituídas por culturas para exportação, principalmente soja e milho.”
O investigador destaca que, desde o começo da última década, a produção per capita de quase todas as frutas mais relevantes diminuiu no Brasil. Para a banana, a redução foi de 10%; para a maçã, de 5,6%; para a laranja, caiu 20% devido ao greening, uma praga específica; a produção de mamão teve uma queda de 40%; e a tangerina teve uma diminuição de 8%. A única exceção foi a uva, que teve um crescimento de 9%.
Verduras
No que diz respeito a legumes e verduras, que ocupam o segundo lugar entre os alimentos cujo preço mais aumentou além do IPCA no período de 2012 a 2024, o economista ressalta que essas plantações são mais suscetíveis a condições climáticas desfavoráveis.
“Uma alternativa, que não anula a anterior, é a elevação na procura devido a transformações nos costumes, como o interesse por uma dieta mais nutritiva. Além disso, a expansão das zonas urbanas em relação aos ‘cinturões verdes’ e o aumento dos custos da mão de obra podem ser elementos que limitam a produção de frutas e vegetais”, indica.
Carne
A investigação também identifica elementos que elevam o preço da carne, como o “ciclo do gado”, que resulta em uma diminuição da disponibilização a cada cinco anos, em média.
O interesse de nações estrangeiras pela carne do Brasil contribui para o aumento dos preços. Segundo o Ibre, as exportações desse produto cresceram de forma significativa desde 2017, enquanto a produção interna permaneceu em nível bastante constante.
De acordo com a fonte, em 2017, a quantidade de carne bovina disponível para consumo por pessoa foi de 39,9 kg, valor que reduziu para 36,1 kg em 2023, o que representa o menor nível desde pelo menos 2013.
Além disso, a análise revela que a produção de carne está sendo impactada pelas alterações climáticas, com ênfase no dano às pastagens provocado pela intensa seca em 2021. (Foto: Joédson Alves)