Cessar-fogo provoca alívio em Gaza e crise em Israel

Por Henrique Acker   – A entrada em vigor do acordo de cessar-fogo em Gaza foi recebida de formas opostas entre israelenses e palestinos. Nada mais ilustrativo disso do que as imagens captadas pelas câmeras das emissoras de TV em Gaza e em Tel Aviv, no domingo, 19 de janeiro.

A sensação que se tinha era de que o acordo foi uma vitória dos palestinos, tamanho o entusiasmo com que o povo de Gaza recebeu sua entrada em vigor, a partir das 9:30h da manhã. A julgar pelas palavras de Benjamin Netanyahu e pela crise política instalada, o acordo teve gosto amargo para Israel.

 

Apreensão e crise

Durante todo o dia, em Tel Aviv, as imagens da Praça dos Reféns mostravam a expectativa de parentes e amigos emocionados pela libertação das três moças israelenses sequestradas pelo Hamas, em 7 de outubro de 2024. O grupo de amigos e parentes se transformou em um problema político para Netanyahu, e foi o que mais comemorou o acordo.

Por outro lado, o noticiário dava conta da crise do governo, com o abandono de três ministros de extrema-direita. Para aplacar o sabor reconhecido por todos de um “mau acordo”, Netanyahu foi forçado a alertar que Israel pode usar “o direito de retomar a guerra se necessário”.

Antes da chegada das moças a Israel, a Cruz Vermelha informou ao governo de Israel que as reféns estavam em boas condições de saúde. “Todas as três reféns israelenses libertadas estão em condições estáveis”, confirmou a equipe do Centro Médico Sheba, que as atendeu.

 

Alívio e alegria

Em Gaza, ao contrário, o que se viu foi uma explosão de felicidade. Crianças e adolescentes sorrindo, gritando de alegria. Desabafos de moradores demonstravam o alívio pelo fim do barulho ensurdecedor das bombas de todas as horas e todos os dias. Apesar de desolados com o estado de suas residências destroçadas e as milhares de vítimas, os palestinos que retornavam aos locais de moradia prometiam reconstruir tudo.

No Centro de Gaza, a imagem que fica é a de um comboio de veículos do Hamas cercado por uma multidão. Escoltadas pelos soldados da brigada Al Qassan, as três moças israelenses foram entregues a uma equipe da Cruz Vermelha. Cenas mostradas ao mundo pelos colegas da TV Al Jazeera, do Qatar.

Mesmo debilitado, fica evidente que o Hamas permanece de pé. Ou seja, uma das principais metas de Netanyahu – destruir a resistência armada palestina – não foi cumprida, mesmo depois de 15 meses de bombardeios e confrontos constantes.

Na madrugada de segunda-feira, a chegada dos 90 prisioneiros palestinos a Beitunia, na Cisjordânia, foi acompanhada com alegria e entusiasmo por parentes, amigos e milhares de populares.

Perdas e ganhos

O Hamas não foi só atingido pela ofensiva israelense em seu contingente armado. O grupo perdeu seus principais dirigentes. Ismail Haniyeh foi morto por Israel no fim de julho, em Teerã, e seu sucessor, Yahya Sinwar, foi abatido por soldados israelenses no sul de Gaza, menos de três meses depois.

Estudiosos de diversos centros da Europa e dos EUA reconhecem que, apesar dos bombardeios incessantes, combates e perdas em Gaza, o Hamas tem capacidade de regenerar suas fileiras. A começar pelo recrutamento de jovens órfãos palestinos.

Mesmo observando que o grupo de resistência armada está sob pressão por parcela da população palestina, que agora o vê como parte do problema, Hugh Lovatt, pesquisador do Conselho Europeu de Relações Internacionais, confirma “um aumento da popularidade do Hamas”. Na Cisjordânia ocupada, “claramente muitas pessoas se sentem próximas de suas ideias”.

 

Sem pátria, sem paz

O próprio governo dos EUA reconhece a capacidade do Hamas em recuperar quadros. “Estimamos que o Hamas recrutou quase tantos novos militantes quanto os que perdeu”, declarou recentemente (15/1/25) o secretário de Estado americano, Antony Blinken.

No estudo mais recente do Palestinian Center for Policy and Survey Research, publicado em setembro de 2024, o Hamas segue sendo a força política com mais apoio entre os palestinos (36% dos entrevistados), mas com uma diminuição de quatro pontos em comparação a junho de 2024.

Não está dado que o acordo de cessar-fogo vai alcançar as três fases e atingir as metas anunciadas. Muito menos que o cumprimento deste acordo poderá evoluir para uma paz duradoura em Gaza.

Há quem afirme que o próximo alvo do governo de Israel será a Cisjordânia. O que parece evidente, mais uma vez, é que não haverá paz enquanto os palestinos não tiverem o direito à sua pátria. (Fotos: Reprodução)

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

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Fontes:

 

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