CCJ do Senado aprova PEC que autoriza comercialização de parte do sangue humano

Texto que segue para o plenário da Casa permite a comercialização do plasma por hemorredes e laboratórios privados para outras empresas

 

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, nesta quarta-feira (4), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a autorização da coleta remunerada e comercialização de plasma sanguíneo. O objetivo da proposta é alterar o artigo 199 da Constituição Federal que veda “todo tipo de comercialização” de “órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante” ou na “coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados”. O texto ainda precisa ser aprovado no plenário da Casa e pela Câmara dos Deputados para que comece a valer.

Se for aprovada pelas duas Casas do Congresso, será aberta exceção para o plasma, que poderá ser coletado, processado e comercializado para desenvolvimento de novas tecnologias e de produção de medicamentos hemoderivados. A proposta ainda determina a preferência de uso do plasma humano para ações voltadas para o Sistema Único de Saúde (SUS). “No âmbito do SUS, a iniciativa privada atuará em caráter complementar à assistência em saúde, mediante demanda do Ministério da Saúde, cumpridas as normas regulatórias vigentes”, complementa a PEC.

Por 15 votos favoráveis e 11 contrários, os senadores aprovaram o relatório da senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), que ainda prevê que pessoas físicas, doadoras de sangue, possam receber uma compensação financeira pelo plasma. Com isso, é esperado que o Brasil possa alcançar a “almejada autossuficiência na produção de biofármacos destinados a prover o SUS”. O projeto foi sugerido por um conjunto de senadores majoritariamente do centrão e de setores da direita, depois que o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público (MP) solicitaram ao Ministério da Saúde, em 2020, uma solução para o problema causado pelo desperdício de milhares de bolsas de plasma no Brasil.

Segundo a senadora Daniella Ribeiro a ideia é atender uma demanda do setor de biotecnologia e diminuir a dependência da importação de medicamentos que atendem pacientes hemofílicos e com outras doenças relacionadas à coagulação sanguínea. De acordo com o TCU e o MP, desde 2017 foram perdidos 597.975 litros de plasma no País, o que equivale ao material coletado em 2.718.067 doações de sangue. Pela Constituição, uma lei deve tratar sobre temas como remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas e coleta de sangue e derivados para fins de transplante, pesquisa e tratamento, sendo vedada, expressamente, a comercialização desses.

Atualmente, a produção de hemoderivados é exclusiva da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), bem como a venda desses medicamentos, que são feitos a partir do fracionamento industrial do plasma sanguíneo. A partir de doações de sangue, a substância é extraída e, com ela, a indústria farmacêutica consegue separar insumos para o tratamento de diversas doenças.

A emenda recebeu críticas de diversos integrantes do governo, incluindo da ministra da Saúde, Nísia Trindade, que afirmou estar trabalhando para que o “sangue não seja transformado em mercadoria”. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, fez um apelo, nesta manhã, contra a aprovação da PEC. “Essa proposta autoriza empresas privadas a captarem o sangue humano e venderem produtos desse sangue. É o verdadeiro vampirismo mercadológico, é autorizar que empresas privadas suguem o sangue da população brasileira e transformem em produto a ser vendido”, declarou.

“Abrir essa feira de compra e venda de sangue humano tem um risco sanitário gravíssimo. Quando se começa a transformar isso em algo a ser vendido, na prática empresas privadas e bancos privados de sangue vão captar um volume cada vez maior desse sangue para vendê-lo. Com isso, se reduz as regras de controle sanitário e descarte de sangue que pode estar contaminado”, ressaltou Padilha.

Votos contrários

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) realizou um voto separado durante a comissão, defendendo que não seja permitida a venda do plasma sanguíneo, o que acredita ser um passo para a “regressão das relações sociais” e um ponto inegociável. “Eu acho que essa não é uma boa prática, eu acho que nós estaremos incorrendo num grave erro. Nós já estamos acostumados há muitos anos a doar sangue, é só fazer as campanhas que o povo brasileiro é solidário, tem consciência social, tem sentimento de pertencimento e vem doando sangue sucessivamente durante todos os anos”, disse.

A relatora do texto pontuou ter estudado sobre o assunto e ressaltou que não pode ser feita confusão, já que, segundo ela, a venda do plasma não está mais no texto proposto. “Nós retiramos a remuneração. Não cabe aqui mais falar de remuneração, não existe remuneração nem para sangue, nem para plasma”, afirmou Daniella.

Apesar disso, senadores pediram que fosse incluído no texto a proibição de ser remunerada a coleta de plasma humano. Durante a discussão, a senadora Zenaide Maia (PSD-RN) disse ter assinado o documento para criação da PEC, mas que, na proposta original, não tinha a palavra comercialização. Agora, também entende a proposta como um retrocesso. “Sabe quem vai doar o sangue? Os pobres. E sabe quem vai faturar com parte do corpo humano dos brasileiros de boa vontade? As grandes indústrias sem nenhuma garantia de que isso vai voltar para a gente”, argumentou.

Instituições

No relatório, Daniella afirmou que a Hemobrás  não consegue suprir a demanda da população. A empresa emitiu uma nota, no mês passado, em que defende a ampliação de sua atuação e uma maior integração dos bancos de sangue públicos e privados para que a demanda do SUS seja atendida com mais efetividade. Entretanto, para a Hemobrás, não há garantia de que a entrada da iniciativa privada vá, de fato, resultar em ganhos para o mercado nacional ou em maior efetividade no abastecimento do sangue.

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) também tem posicionamento contra a aprovação da PEC do Plasma. A instituição disse ter enviado à CCJ do Senado um documento em que se manifesta contrariamente à atividade privada na coleta e processamento de plasma humano, e também a mercantilização do sangue.

O Ministério da Saúde afirmou, em setembro, que via com cautela a proposta e se coloca contrário “à remuneração, compensação ou comercialização na coleta de sangue, ou de plasma”. “Isso desestruturaria a política nacional de sangue, referência mundial pela sua excelência e capacidade de atender a todos os brasileiros”, afirmou a pasta em nota.

(Foto: Reprodução/Governo do Estado do Rio de Janeiro)

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