Canibalizando o Orçamento público

Henrique Acker   –   Faz tempo que o Brasil convive com um grupo que canibaliza o Orçamento público e faz da atividade parlamentar uma ferramenta lucrativa para seus negócios privados. O Centrão é um ajuntamento de parlamentares, cujo único propósito é usar seus mandatos para reforçar oligarquias políticas regionais, agregando prefeitos, vereadores, deputados estaduais e empresas privadas.

Essa teia de poder político e econômico, que comanda a Câmara dos Deputados, em Brasília, e estende seus tentáculos a estados e municípios, tornou-se um entrave ao avanço da democracia no país. Sim, porque democracia se faz com amplo acesso popular aos direitos e benefícios, cobertos com recursos públicos, a partir dos impostos pagos pela população.

Ora, se os recursos que sustentam o Orçamento da nação não são empregados em prol da maioria, desviados que são para interesses privados disfarçados de emendas parlamentares, é evidente que os responsáveis por essa verdadeira apropriação indébita estão desvirtuando a atividade parlamentar e beneficiando a si próprios, seus grupos políticos e empresas privadas com dinheiro público.

O Orçamento Secreto é apenas a mais recente excrescência desse jogo, que envolve grande parte do Congresso Nacional e o Poder Executivo. Agora já não é possível sequer conhecer o autor das emendas e seus beneficiários, que via de regra são Prefeitos e empresas privadas que parasitam o erário público, através de obras inexistentes ou superfaturadas.

O novo governo Lula, que se prepara para assumir em 1 de janeiro de 2023, já enfrenta dificuldades para alocar recursos para cumprir o compromisso de manter os R$ 600 do programa bolsa-família, num país em que 33 milhões passam fome e tantos outros milhões estão no limiar da pobreza.

Parte da mídia empresarial chama de “PEC do estouro” a proposta do novo governo que prevê recursos para o bolsa-família. O “mercado” só se preocupa com a manutenção do anacrônico teto de gastos, que limita os recursos públicos e assegura o pagamento em dia de juros/amortizações da dívida pública, cujos títulos estão nas mãos de bancos privados. Em resumo: o Orçamento Secreto envolve apenas alguns bilhões, o serviço anual da dívida pública é coisa de centenas de bilhões.

Entre o fim do governo Bolsonaro e o início do governo Lula, o Centrão negocia à vontade seus interesses, até porque garantiu a reeleição de seus líderes e ampliou sua base. Numa manobra demagógica, em resposta aos acenos de Artur Lira ao novo governo, Bolsonaro congelou a liberação das verbas das emendas do Orçamento Secreto de 2022. Assim, a extrema-direita atira no colo de Lula o ônus de negociar com o Centrão.

O PT e alguns de seus aliados já definiram o apoio à reeleição de Artur Lira à Presidência da Câmara dos Deputados. Lira já avisou a Lula que os recursos e o tempo de vigência da PEC da transição devem ser reduzidos, e quer assegurar que o Orçamento Secreto de 2024 já esteja garantido no texto da Emenda Constitucional.

Por sua vez, deputados do PT sequer se pronunciaram sobre a proposta da deputada do PSOL, Fernanda Melchiona, que propôs o fim dessas emendas em debate na Comissão Mista do Orçamento, acompanhada pelo deputado Elias Vaz (PSB).

Com base num parecer do Tribunal de Contas da União (TCU), o STF já rejeitou o Orçamento Secreto, classificado como matéria inconstitucional.

Ninguém exige do governo Lula que institua uma república popular no Brasil, mas que resgate apenas os princípios republicanos, para que se possa limpar a fossa em que a extrema-direita transformou o país. O combate ao Centrão não é uma questão moral, mas uma necessidade para destravar o Poder Legislativo e se possa avançar em políticas públicas, no caminho do aprofundamento da democracia.

(*) Henrique Acker é jornalista e correspondente internacional na Europa

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