O anúncio partiu do líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), após tratativas com o ministro da Educação, Camilo Santana
A votação da proposta que altera o Novo Ensino Médio acabou sendo postergada na Câmara dos Deputados para 2024. A proposta estava na pauta de votação de terça-feira (19), mas no inicio da noite o líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), anunciou o adiamento pelas redes sociais. Segundo o deputado, a decisão foi acordada após encontro com o ministro da Educação, Camilo Santana, autor do projeto de lei (PL) 5230/23, e o relator da matéria, deputado Mendonça Filho (União-PE). “Esse é um assunto que interessa a todos os setores da sociedade e precisa ser amplamente discutido com responsabilidade e pluralidade. Discutir o Novo Ensino Médio é discutir sobre impacto na vida de milhões de famílias brasileiras. Não é pouca coisa. Por isso, junto ao ministro Camilo Santana e o deputado Mendonça Filho articulamos o adiamento da votação do PL para março. Mais debate, mais pluralidade”, disse o petista em trechos de duas postagens via X/Twitter.
Estudantes, trabalhadores, especialistas e parlamentares comemoraram o adiamento da votação. Apesar da maioria desses setores ainda desejar a revogação, e não a correção de seus retrocessos, como propõe o Ministério da Educação (MEC), existe um consenso entre eles de que o maior adversário não é o governo e sim as propostas do relator na Câmara, Mendonça Filho – então ministro da Educação do governo Michel Temer, que o foi responsável por esse Ensino Médio que aí está. “A votação do Novo Ensino Médio, que aconteceria hoje na Câmara dos Deputados, foi adiada para março, após realização da Conferência Nacional de Educação! Essa foi uma reivindicação dos movimentos para que a proposta fosse debatida de forma mais ampla, garantindo que a reforma seja pensada por profissionais da área”, comemorou o deputado Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ). “Vale lembrar que o texto que está sendo discutido no Congresso é um parecer do deputado Mendonça Filho.”
“Após uma intensa mobilização estudantil, encabeçada pela @ubesoficial, garantimos que o debate sobre o novo ensino médio ocorrerá durante a Conferência da Educação. Seguiremos pressionando para que o NEM seja revogado e a participação estudantil aconteça! #RevogaNEM”, reforçou a direção da UNE, em uma rede social.
Entre outros pontos, Mendonça Filho inseriu no texto a possibilidade de pessoas de “notório saber” ministrarem aulas na educação tecnológica e profissional. A norma já havia sido adotada na reforma do ensino médio, que foi aprovada em 2017 pelo Congresso Nacional e entrou em vigor de maneira completa no ano passado, mas é uma das iniciativas mais controversas desse modelo de ensino e não constava no PL 5230 em sua versão original. O deputado também alterou a distribuição da carga horária prevista para alunos do ensino médio. O governo propunha 2,4 mil horas de disciplinas obrigatórias e 600 de optativas, enquanto o parlamentar defende a adoção de 2,1 mil horas em disciplinas básicas e 900 horas para matérias opcionais.
A União Brasileira dos Estudantes (Ubes), por exemplo, é favorável ao PL 5230 da forma como o texto foi redigido pelo governo Lula. A entidade ajudou a capitanear o protesto ocorrido na Câmara nesta terça e comemorou a notícia do adiamento da votação da proposta. A diretora de Políticas Institucionais da organização, Gabriela Leopoldo, afirma que a vantagem reside na possibilidade de se ampliar entre os estudantes o debate sobre o conteúdo do relatório.
O segmento pretende aprofundar as discussões durante a Conferência Nacional de Educação, que ocorre no final de janeiro, em Brasília. A Ubes teme diferentes pontos do parecer de Mendonça, mas especialmente a questão da carga horária. Para nós, o ensino médio precisa ter as 2,4 mil horas da formação geral básica. É muito importante ter um quantitativo de horas que faça com que a gente de fato esteja dentro das escolas e com uma carga horária que nos faça, por exemplo, ter as matérias que vão nos [ajudar a] fazer o Enem e ingressar na universidade.”
Conferência Nacional de Educação vai debater o tema antes da votação
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), Heleno Araújo, confirmou que a votação ficará para depois da realização da Conferência Nacional da Educação (Conae 2024), prevista para o período de 28 a 30 de janeiro próximo. “ A Conae vai discutir o tema e nós vamos trazer o debate para o Congresso, com interlocução do MEC”, disse Heleno. O dirigente da entidade que representa os trabalhares da educação listou cinco prioridades para o restabelecimento do Ensino Médio que atenda às necessidades de aprendizagem dos jovens.
- Elevar a carga horária da formação geral básica para 2.400 horas, agregando todos os conteúdos disciplinares previstos na legislação;
- Oferta obrigatória da língua espanhola no ensino médio, podendo integrar o currículo do ensino fundamental a partir do sexto ano, a depender das condições estruturais dos sistemas e redes de ensino;
- Maior articulação entre a formação geral básica e a parte diversificada do currículo, prevendo a oferta interdisciplinar e presencial de ao menos dois percursos por unidade escolar;
- Prioridade da oferta integrada de educação técnica profissional ao ensino médio; e
- Extinção do “notório saber” como critério aceitável para o exercício da docência. Para a entidade, isso desvaloriza os profissionais da educação.
A lista coincide com a do Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade, que inclui a reivindicação do fim do subfinanciamento do Ensino Médio e da Educação Profissional. Na análise dos integrantes do coletivo, o PL substitutivo que consta do relatório de Mendonça Filho é praticamente uma reedição da reforma do ensino médio atualmente em vigor. E mais: um exemplo de como o futuro sempre pode repetir os erros do passado.
Segundo eles, o relator comete alguns equívocos. Entre eles, defender a carga horária mínima destinada à Formação Geral Básica (FGB). Enquanto o PL do governo propõe 2.400 horas ao longo do ensino médio, o substitutivo propõe reduzi-la para 2.100 horas, alegando atender ao Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed). Porém, redução da carga horária da FGB é redução da possibilidade do direito ao conhecimento científico, artístico, filosófico e humanístico para 88% dos jovens das escolas públicas de ensino médio.
O Executivo também havia retirado a previsão de permitir a contratação de profissionais sem licenciatura. O substitutivo do Mendonça reintroduziu a possibilidade de contratar profissionais com notório saber.
(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)