Bia Cardoso – Cinquenta anos após o Golpe Militar de 64, mais uma vítima do regime decide quebrar o silencio a respeito da Guerrilha do Araguaia. Desta vez uma indígena: a cacique Teriweri, da aldeia Tukapehy , localizada em São Geraldo do Araguaia, no sudeste do Pará.
Filha de cacique, “Teri” nasceu em 1953, na aldeia Suruí, que fica no mesmo município.
A área foi um dos focos de controle militar na caça aos guerrilheiros que se opunham ao golpe. “Eles entraram em nossas terras, tinham uma agenda com muitos nomes e até 1998 os militares ainda andavam por nossa aldeia conferindo quem falou alguma coisa”, diz.
A indígena continua vivendo na região conhecida como “Bico do Papagaio”, onde a aldeia liderada pelo pai se multiplicou em cinco, como estratégia para proteger o território indígena sob ameaça de grileiros.
“Teri” se calou por 52 anos, mas agora decidiu falar para o portal Opinião em Pauta.
A morte dos filhos
Teri é mãe de 10 filhos. Mas tem marcada na memória a perda de 2 filhos de uma gravidez interrompida por um aborto espontâneo.
Ela diz que nesse período os militares impediam que os indígenas colhessem alimentos na mata ou nas roças para comer. “Passamos muita fome, eu e meu povo”.
Ela conta ainda que o aborto foi em uma das muitas noites de intenso tiroteio. “Eu nem gosto de falar sobre isso. Me dói”, relembra.
A cacique testemunhou as manobras militares sem poder contar com a ajuda ou proteção da Funai, criada em 1967 para dar proteção aos povos isolados.
O relato da cacique Teri se afina com o conteúdo do relatório elaborado pela Comissão Nacional da Verdade, que apurou violações de direitos humanos contra os povos indígenas praticadas durante o regime militar.
De acordo com o relatório, no período entre 1946 a 1988 ao menos 8.350 indígenas teriam sido mortos pela ação direta do Estado.
Hoje, o que mais preocupa a cacique é o futuro do país e de sua tribo.
A aldeia não tem escola nem posto de saúde.
Para alimentar seu povo, ela pega na enxada para semear a terra e na foice para colher a produção. Planta macaxeira, banana, milho. Mas alerta que a lavoura já não é como antes.
“Nosso solo não é tão fértil. Não usamos fertilizantes. A Natureza tem o seu próprio ritmo”, diz ela.
O nome Terriweri faz referência a Capivara, animal que vive perto das águas, habilidoso no mergulho.
Ao falar da luta de diferentes grupos de mulheres por mais direitos, ela lembra que os indígenas estão em condição de maior vulnerabilidade social. Usa sua sabedoria para apontar o caminho: “precisamos pensar a nossa condição. Isso é um despertar”, diz ela, que entende a luta das mulheres como uma batalha de todos os dias.
As mulheres e a Guerrilha do Araguaia
Na Amazônia Paraense, ano de 1972, eclodiu o movimento de resistência à Ditadura Militar que ficou conhecido como Guerrilha do Araguaia.
Liderado por militantes do PC do B, que optaram pela luta armada, eles decidiram enfrentar o regime em defesa da Democracia. Era de maioria feminina.
Mulheres com menos de 30 anos que tentavam se organizar de muitas formas para resistir ao regime .
Elas criaram movimentos de base, foram para dentro dos partidos clandestinos, a maioria jovens que traziam no peito um ideal de liberdade.
Muitas foram presas, submetidas à tortura sexual, com ratos e baratas postos na vagina, conforme relatório da Comissão da Verdade.
Outras, pagaram com a vida. Desapareceram nas matas amazônicas.
Os impactos dessa luta influenciaram o pensamento de mulheres que nunca empunharam armas, que não tinham as mesmas convicções ideológicas que as combatentes, mas desejavam de igual modo uma sociedade melhor.
Segundo a historiadora Dulce Pandolfi, torturada pelo regime, o direito à verdade e a memória é condição essencial para a libertação de um passado que não pode ser esquecido.
O relato da cacique Terriweri é mais um entre muitos que viveram os tempos de trevas que comprovam isso.
Na foto, cacique Teri: – “Fiz aborto espontâneo por causa de tiroteios do exército “