BRICS busca equilíbrio nas relações internacionais

Henrique Acker (correspondente internacional) – Ao contrário do que se pode imaginar, o surgimento do BRICS (2009) não se dá por um alinhamento político de países para contestar a ordem internacional capitalista, comandada por Washington e Bruxelas.

Os quatro países que se reuniram inicialmente – Brasil, Rússia, Índia e China – para formar o bloco que mais tarde (2011) incorporou a África do Sul, tinham por objetivo buscar caminhos de afirmação econômica das nações consideradas em desenvolvimento ou “emergentes” no cenário internacional.

A crise financeira internacional desencadeada em 2008, provocada pelo contágio da crise dos bancos estadunidenses, ajudou a consolidar a necessidade do bloco.

Nos últimos anos, a economia desses países tomou tamanho vulto que saltou de 14% para cerca de 36% do PIB mundial, o mesmo que todo o G7. É bem verdade que metade disso deve-se à China, com um crescimento notável ano a ano. Mas é inegável o potencial produtivo e de consumo de países que, juntos, representam 40% da população do planeta.


Fantasmas e caricaturas

A pandemia, a guerra da Ucrânia e as respostas dos EUA e da União Europeia acabaram por forçar uma aproximação ainda maior dos componentes do BRICS. Não por qualquer afinidade política ou ideológica dos seus dirigentes, mas por necessidade de sobrevivência.

É um equívoco primário limitar a expansão do BRICS ao desejo de Vladimir Putin de formar um bloco que sustente a Rússia no cenário internacional. Até porque, China e Brasil – mesmo não cedendo à chantagem da OTAN – já manifestaram a necessidade de diálogo por uma paz justa na Ucrânia.

Da mesma forma, é patético acreditar que a China será capaz de convencer todos os países do bloco a adotar a Nova Rota da Seda como eixo ou modelo para sua política de comércio e desenvolvimento.
O mesmo raciocínio pode-se aplicar às ambições da Índia, do Brasil e da África do Sul, sem falar dos quatro novos membros admitidos na cúpula de Kazan e dos 13 países-parceiros admitidos pelo BRICS (1).

 

O velho imperialismo em xeque

A forma agressiva como os bancos do norte ocidental se apropriaram de ativos russos nestes últimos dois anos e meio, determinada por Washington e Bruxelas, é só um sinal das irregularidades praticadas por um sistema que deveria preservar os depósitos de países e grupos privados, independente de suas orientações políticas e dos regimes de suas nações de origem. O mesmo se deu com as reservas de ouro da Venezuela em bancos britânicos.

As recentes alianças militares dos EUA e países do Oriente para prejudicar a rota marítima comercial da China no Mar da China e no Oceano Pacífico, é outro sintoma de que os EUA não aceitam a possibilidade de expansão de uma nova ordem mundial, onde países “emergentes” cumpram papéis essenciais, tanto na cadeia de produção, como de distribuição e consumo em todos os segmentos da economia.

Engana-se quem acredita que a adesão do Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos e Etiópia ao BRICS seria possível se não houvesse flexibilidade necessária para admitir países com orientações políticas, costumes e até crenças religiosas completamente diferentes.
Isso só prova que, ao contrário do discurso rancoroso emanado por Washington e Bruxelas e reproduzido pela mídia empresarial do norte ocidental, o que move o BRICS é, essencialmente, a busca de caminhos de integração econômica e comercial mais justos, num cenário mundial em que as transações em dólar e o sistema financeiro predominante só favorecem as velhas práticas imperialistas, fundadas nas resoluções do Tratado de Breton Woods (2).

 

Ruptura com o colonialismo financeiro

Todos os países do BRICS, com exceção da Rússia, foram vítimas do velho colonialismo do norte ocidental e da intervenção político-militar estadunidense no século XX. São séculos de exploração, escravização e submissão, que os colocaram em papéis absolutamente subordinados aos grandes impérios da Europa e da América até o final do século XX.

China e Rússia, que no século passado fizeram revoluções populares e alcançaram desenvolvimento notável em algumas áreas, são nações que já superaram problemas como a extrema pobreza, falta de estrutura e até déficit tecnológico. Por isso mesmo, assumem naturalmente certo protagonismo no BRICS.

Mas o bloco só surgiu e pode existir como resposta às dificuldades que as demais nações emergentes do sul global enfrentam para disputar os mercados, a partir de regras que favorecem as antigas nações imperialistas.

Ao contrário da política que ainda prevalece no cenário internacional, que tomou conta da própria ONU, em que a maioria dos países imperiais não são obrigados a cumprir suas determinações e desobedecem assintosamente às decisões, o BRICS propõe a reformulação do Conselho de Segurança, alargando sua representatividade a todos os continentes.

Democratizar os centros mundiais de decisão
O BRICS não é uma construção para uma “nova ordem mundial” que ameace a lógica do mercado capitalista, nem mesmo anti-imperialista, à medida que dele participam nações cuja abrangência das relações comerciais e a influência política vão muito além de suas próprias fronteiras. Também não se trata de um bloco dos países do “bem” ou do “mal”, como pretendem definir de forma infantil os estrategistas de Washington e Bruxelas.

O BRICS é um esforço conjunto de governantes de nações com inúmeras diferenças, que perceberam a impossibilidade de progredir no cenário mundial sem que os centros de decisão econômica e política sejam, pelo menos, democratizados e a balança seja equilibrada para permitir oportunidades iguais para todos.

Quem esperar do BRICS posturas alinhadas de seus membros em todos os aspectos vai se decepcionar. É bem provável que existam conflitos internos, superáveis ou não. Mas sua existência e seu evidente fortalecimento no cenário mundial já são suficientes para causar profunda preocupação nos atuais centros do capital financeiro, que comandam os negócios e a política internacional.

(1) Países-parceiros do BRICS – Turquia, Indonésia, Argélia, Bielorrússia, Cuba, Bolívia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria e Uganda foram aceitos como países-parceiros, uma nova modalidade de adesão provisória e parcial de novos países ao BRICS.

(2) Tratado de Bretton Woods – Os acordos de Bretton Woods foram propostas definidas entre Estados Unidos, Canadá, países da Europa Ocidental e Austrália, entre outros 44 países, em conferência realizada entre 1 e 22 de julho de 1944, que elaborou regras para o sistema monetário internacional. Dali emergiram o Banco Mundial, o FMI e a adoção do dólar como moeda para transações econômicas internacionais.

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

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