Henrique Acker (correspondente internacional) – A exigência de taxas para o andamento dos processos de pedido de Autorização de Residência (AR) provocou filas e tumultos nas sedes da Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) em Lisboa e no Porto, em meados de maio.
Diante do prazo de dez dias úteis para quitar o valor e das dificuldades em resolver a questão pela internet, muitos perderam dias de trabalho para buscar esclarecimentos. Há cerca de 400 mil pedidos de AR e outros milhares de renovação ainda sem respostas.
O que se sabe é que o novo governo, de direita, vai aumentar as exigências para a emissão de autorização de residência para a imigração. “Tem de ser regulada, atrativa para profissionais qualificados, proativa com os jovens estudantes e capaz de reunir famílias”, alertou o novo primeiro-ministro Luís Montenegro em seu discurso de posse.
Nossa reportagem conversou com brasileiros que retornaram e outros que permanecem em Portugal. São alguns testemunhos que servem de parâmetro para entender o que acontece à maioria dos que saem do Brasil para tentar a sorte do outro lado do Atlântico.
Aluguéis altos, salários baixos
O que mudou em Portugal depois da pandemia e da guerra da Ucrânia? O mercado de moradia passou a ser regulado por fundos imobiliários. Devido ao aumento da procura por europeus e norte-americanos, os preços aumentaram e as exigências (cauções, adiantamentos, etc) para os contratos de aluguel são cada vez maiores. Ainda mais para a massa de imigrantes que vive de salário-mínimo (820 €) ou trabalha em mais de um emprego para sobreviver.
As reclamações contra a AIMA são as mesmas dos tempos do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF): telefones com números sempre ocupados; portal da internet com falhas; prazos que não são cumpridos; processos sem respostas dentro das exigências legais. São dificuldades que provocam a demora na legalização de estrangeiros, muitos já trabalhando e contribuindo para a Previdência Social portuguesa.
O Brasil responde pela maior colônia de imigrantes, com 400 mil já regularizados, além de 200 mil com dupla nacionalidade e outros 150 mil que aguardam a legalização. Apesar dos alertas de que as coisas pioraram em 2024, muitos brasileiros ainda se aventuram em Portugal, iludidos por youtubers e enganados por golpistas da internet, que prometem facilidades. Mas também cresce o número dos que voltam ao país.
Frustração por não exercer a profissão
Há quatro anos e meio em Portugal, Marcio Moreira é pediatra formado há 35 anos pela UERJ, especialista em neurofisiologia clínica há 25. Desde que chegou com a mulher e um filho, tentou validar o diploma e trabalhar na sua especialidade no país, sem sucesso. O mesmo acontece com sua esposa, também médica.
Para se sustentar, o casal trabalha voltado para o Brasil. Ele viaja uma vez por mês e fica uma semana no Rio, onde dá consultas e realiza exames. Ela atua no setor de telemedicina, orientando colegas no Brasil, via internet. Em sua cidade, na região da Grande Lisboa, o médico presta serviço voluntário numa creche.
Defensor do sistema público de saúde e preocupado com o avanço dos grupos de medicina privada, Márcio lamenta que o convênio para receber médicos brasileiros no Serviço Nacional de Saúde de Portugal – anunciado pelo governo anterior – não tenha saído do papel.
Ele também vê com preocupação as imposições da Ordem dos Médicos de Portugal, que exige provas de profissionais estrangeiros para a validação de diplomas, limitando o acesso de médicos brasileiros experientes ao mercado de trabalho.
Rente que nem pão quente
Robson José tem 22 anos, está em Portugal desde 2022 e conseguiu trabalho numa padaria na região de Aveiro. Seu contrato prevê 40 horas semanais de trabalho ou oito horas/dia, com intervalo de 1h e 20 minutos. Na prática, ele e seus colegas cumprem jornadas de 48 horas de trabalho, com intervalo de refeição de 20 minutos. Ganham cerca de 900 €.
Como na maioria dos estabelecimentos do setor de cafés, bares e restaurantes em Portugal, apesar do que está na lei, Robson e os demais funcionários não recebem em dobro pelos domingos e feriados trabalhados.
No contrato está especificada a função de empregado de mesa, mas ele acaba atendendo também no balcão, na confecção de lanches, no caixa e ainda faz serviço de limpeza. As férias, que deveriam ser combinadas entre patrão e empregado, acabam sendo determinadas pelo empregador, nos períodos do ano em que a padaria fecha.
Mão-de-obra barata nas fábricas
“Trabalhei muito, é uma exploração”. É assim que Kelly M. Ribeiro, 44 anos, define as relações de trabalho para os imigrantes nas fábricas de Portugal. Essa mão-de-obra terceirizada e barata entra pelas agências de emprego e permanece no limite de um ano. Grande parte alimenta a ilusão de ser incorporada aos quadros da empresa, mas nem chega a completar esse tempo de contrato.
Kelly passou cerca de três anos e meio em Portugal, entre dois períodos. Trabalhou em cinco fábricas na região onde morou, no meio-norte do país. Algumas empresas ofereciam cartão de alimentação, outras um adicional em espécie. Já o transporte sempre foi por conta do trabalhador. O horário de trabalho previa cinco dias semanais (40 horas), mas em muitas empresas os imigrantes são chamados para trabalhar aos sábados até 13 horas, em troca de um pequeno acréscimo aos salários.
“Foi uma experiência para a minha vida. Trabalha-se muito, mas você ainda tem uma certa compensação”, lembra Kelly referindo-se ao ambiente de segurança e aos bons serviços públicos prestados nas áreas de saúde e educação em Portugal. Ela retornou definitivamente ao Brasil no final de 2022.
Ilusão e frustração
Augusto B. Khater, 31 anos, e Natália deixaram o Brasil em setembro de 2022 com o sonho de uma vida nova em Portugal. O casal se estabeleceu inicialmente em Viana do Castelo, ao norte do país. Natália conseguiu nota no ENEM para ingressar numa universidade portuguesa e obteve o visto de estudante. Augusto pediu, sem sucesso, autorização de residência.
Em fevereiro de 2023 decidiram tentar a sorte em Lisboa, onde moraram num quarto. Depois de várias entrevistas de emprego sem respostas, a situação ficou insustentável. Retornaram ao Brasil em julho de 2023.
Hoje, Augusto trabalha na área de comércio exterior, no Rio, dividindo o apartamento com Natália e a sogra. “Se a pessoa tem trabalho e uma situação estável no Brasil não vale a pena ir para Portugal, apesar da boa qualidade de vida e da segurança de lá”, conclui.
Pela experiência que viveu, ele acredita que o certo seria sair do país se for com um emprego garantido, visto de trabalho e uma reserva de dinheiro para uns dois anos. “O que adianta sair do Brasil para ganhar salário-mínimo (820 €), pagar 600 € de aluguel e ser semi-escravo em outro país?”
“Nunca vi tanta gente voltando”
Cláudio Sousa é mineiro, tem 33 anos e está em Portugal faz sete. Há quatro anos trabalha para uma empresa de transporte internacional de carga na filial do Porto. A clientela, em sua esmagadora maioria, é de pessoas que retornam ao Brasil.
“De dois anos para cá o atendimento cresceu em torno de 30%. Hoje nós prestamos serviços para 30 a 40 clientes por mês, só na Região Norte de Portugal”, confirma Sousa. Em Lisboa, sede da empresa, a média é de 100 a 150 encomendas despachadas mensalmente para o Brasil nos últimos meses.
Em geral, são casais de classe média, entre 30 e 35 anos, com um ou dois filhos, que só conseguem trabalhos de salário mínimo e não aguentam pagar aluguel. “Nem na pandemia eu vi tanta gente voltando para o Brasil como agora”, constata Cláudio.
Na imagem em destaque, fila imigrantes na porta da Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA), em Lisboa. (Fotos: Reprodução)
Por Henrique Acker (correspondente internacional)