Brasil registrou três homicídios de ativistas por mês durante o governo Bolsonaro

Gestão anterior atacou direitos constitucionais e elegeu indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais e sem-terra como inimigos. Aqueles que lutam em causas relacionadas às pautas indígena, ambiental ou por reforma agrária representam 78,5% do total de casos.

 

Entre 2019 e 2022, 169 defensores de direitos humanos foram assassinados no Brasil. Em média, foram três assassinatos por mês durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. É o que revela o estudo “Na Linha de Frente: violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil”, divulgado na última semana. Ao todo, o levantamento das organizações Terra de Direitos e Justiça Global identificou 1.171 casos de violência nesse período, sendo os 169 homicídios e 579 ameaças.

Os dados mostram o acirramento de conflitos territoriais e ambientais no país ao longo dos últimos quatro anos, com casos registrados em todos os estados brasileiros. A ameaça é o tipo de violência com maior número de ocorrência nos dados coletados pela pesquisa – 49,4%. Apesar de homens serem vítimas de 45,3% dos casos de ameaça registrados, a pesquisa identificou que mulheres tendem a sofrer mais esse tipo de violência do que outros tipos (161 ocorrências). A população transexual e travesti registrou 40 casos de violência sendo 10 casos de assassinatos.

Nos casos em que foi possível identificar que uma mesma pessoa foi vítima de mais de um episódio de violência durante o período analisado, percebeu-se que a ameaça é o tipo de crime mais recorrente, pois quando não são investigadas, tendem a se repetir e até se agravar. A pesquisa aponta diversos casos emblemáticos em que as ameaças são constantes, acirram os conflitos e, em alguns casos, resultaram em mortes.

Assim, a violência contra os defensores incluem desde atentados (16,8%) e agressões (4,4%) até casos de importunação sexual (0,2%) e suicídio (0,2%). Desse modo, 78,5% de todas as ocorrências tiveram como alvo pessoas que atuavam na luta pela terra, pelo território e pelo meio ambiente. Em 4,8%, as vítimas eram ativistas dos direitos LGBTQI+. Em 3,7%, a violência foi endereçada contra defensores da moradia e do direito à cidade.

Assim, dos 169 assassinatos 140 foram de defensores que atuavam em prol dessas causas. A maior parte dos assassinatos (63%) foi vitima de um ou mais disparos por arma de fogo. As violações de direitos humanos se concentraram no Norte e no Nordeste e atingiram principalmente indígenas e negros.

Para o coordenador executivo da Terra de Direitos, Darci Frigo, um dos aspectos que mais chamam atenção no relatório é que atentados contra defensores de direitos humanos são encontrados por todo o território nacional. Darci afirma que é preocupante a proporção de ameaças registradas, pois “significa que, quando as pessoas se movimentam para defender direitos humanos, elas são atacadas”.

Segundo o levantamento, 47% dos casos de violência contra defensores foram registrados dentro dos limites da Amazônia Legal. Os dois estados com a maior quantidade de violações foram o Pará, com 143, seguido do Maranhão, com 131 casos. As regiões Norte e Nordeste são campeãs na violência, com 379 e 367 casos respectivamente. O Sudeste teve 198 ocorrências nos últimos quatro anos, o Centro-Oeste, 146, e o Sul, 81.

 

Questão indígena

Para Frigo, os dados são um reflexo da política adotada pelo governo do ex-presidente, Jair Bolsonaro (PL). “A questão indígena salta aos olhos porque está ligada praticamente a 30% dos assassinatos. Isso coincide com o período em que o ex-presidente afirmou que não mais demarcaria terra indígena, que não haveria política pública para isso, além do incentivo à mineração, à grilagem, à invasão desses territórios, ao garimpo, ao desmatamento.”

“Foram falas da principal autoridade do país, que era o presidente da República, de que ele combateria os sem-terra, que não faria reforma agrária. Ele usou expressões racistas contra os quilombolas, ao dizer que essas pessoas eram pesadas em arrobas. São justamente os defensores de direitos humanos que estão em conflitos por território, terra e meio ambiente e que representam 78,5% dos casos”, explica o coordenador da instituição Terra de Direitos.

O estudo indica um cenário de terror no campo. Em média, três defensores de direitos humanos foram assassinados por mês, no período. Embora 2021 tenha sido o ano com mais assassinatos, 2022 foi quando o crime apresentou maior proporção em relação a outros tipos de violência (19,2%). Cerca de um terço das mortes foi registrado no intervalo entre o segundo semestre de 2021 e o primeiro de 2022.

Defensores indígenas e que se identificam como pretos e pardos são os alvos prioritários. Com 346 casos de violência de 2019 até o último ano (58% daqueles em que foi possível identificar cor e raça), indígenas correspondem a 50 assassinatos, sendo 2022 o ano mais letal para esta população, com 17 assassinatos. Pessoas negras foram vítimas em 153 casos, com 30 assassinatos (34%).

 

Levantamento considerou casos de violência individuais, como por exemplo, os casos dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, no Vale do Javari (AM), em junho de 2022. Na foto, manifestação em Brasília pelo atentado contra os dois. (Foto: Paula Ferreira/O Globo)

Bruno e Dom

O indigenista Bruno Pereira; o jornalista britânico Dom Phillips; e a coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens, em Tucuruí (PA), Dilma Ferreira, são alguns dos 169 defensores de direitos humanos assassinados ao longo dos últimos quatro anos. Pelo menos 63,3% dos assassinatos foram provocados por arma de fogo. Havia sinais de tortura em 11 dos corpos encontrados.

Darci Frigo avalia que é perceptível uma mudança de direcionamento com o novo governo, mas ainda é insuficiente. “Fui presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), que funcionava dentro do Ministério da Damares Alves (dos Direitos Humanos) no ano passado. E a gente teve muita dificuldade para desenvolver o trabalho do conselho, que é autônomo. A gente recebia muitas denúncias. A pesquisa representa exatamente o que a gente viu”, observa. “As manifestações do novo ministro, Silvio Almeida, de fato indicam uma mudança de rota, um compromisso mais profundo com os direitos humanos. Mas, ministério está sem estrutura, sem recursos.”

Na última quarta, foi instalado um grupo de trabalho na pasta, focado em reformular o Plano Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH). Embora essa seja uma iniciativa para reverter o panorama atual, Darci Frigo analisa que é preciso combater a impunidade para violências contra defensores dos direitos humanos. “Esperamos que haja uma campanha pública de reconhecimento do trabalho desses defensores porque eles são essenciais à democracia. Nesse sentido, é fundamental que o Ministério faça uma campanha.”

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