Brasil e Portugal: semelhanças não são só coincidências

Por Henrique Acker      –    Nos últimos anos, observa-se em terras lusitanas alguns fenômenos parecidos aos que vivemos em tempos não muito distantes no Brasil. Ao contrário do que se imagina, as novas práticas econômicas e financeiras em Portugal têm muito mais a ver com a impunidade aos negócios dos mais ricos do que com problemas no varejo com um ou outro imigrante que arrisca a sorte fora de seu país.

As semelhanças vão desde a concentração e lucros no setor bancário ao crescimento da venda de planos de saúde, do avanço das igrejas evangélicas ao tráfico de drogas. Tudo isso embalado no avanço avassalador do ritmo do funk e das chamadas de call centers das empresas de telemarketing.

 

Sotaque conhecido

Diariamente, empresas de todo tipo importunam as pessoas através de departamentos de televenda invasivos, muitos deles terceirizados. É o crescimento do setor de telemarketing empurrando produtos e serviços que ninguém pediu, a qualquer hora do dia ou da noite.

Velha prática do “mercado” no Brasil, certamente essas empresas chegam aos números das pessoas pela compra e venda indiscriminada de listagens telefônicas adquiridas junto a outras empresas que possuem os dados pessoais de seus clientes.

O negócio deve ser rentável, porque trata-se de uma das funções mais oferecidas nos classificados de empregos em Portugal. A remuneração do operador de call center varia de 800 euros (part time) a 870 euros (salário-mínimo) e muitos são brasileiros.

 

Bancos lucram com comissões

No setor financeiro, os lucros dos bancos em Portugal subiram 13% para um valor recorde de 6,3 bilhões de euros em 2024. Só os cinco maiores bancos tiveram lucros de 4,9 bilhões de euros. Por sua vez, em 2010 eram 54 mil bancários e, em 2023, o total caiu para 44 mil, ou seja, menos dez mil funcionários.

Como acontece no Brasil, comissões cobradas aos clientes são um dos segredos para tanto lucro. Em 2024, o total arrecadado em comissões pelos cinco maiores bancos foi de cerca de 2,5 bilhões de euros, metade de todo o resultado positivo do ano. Por minuto, os clientes pagaram 4.800 euros em comissões.

Em recente decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa anulou a sentença que condenava 11 bancos do chamado Cartel da Banca ao pagamento de multa de 225 milhões de euros, pela combinação entre si de valores cobrados aos clientes no crédito à habitação, ao consumo e às empresas entre 2002 e 2013. Os juízes consideraram que o crime prescreveu.

Pelo andar da carruagem, só falta instituir as taxas absurdas de juros para os cartões de crédito e o tal “cheque especial”, uma modalidade brasileira de agiotagem oficializada.

 

Saúde privada avança

Cresce a cada dia a fatia do “mercado” de saúde, onde pacientes são tratados como clientes. O setor privado já representa 54% da oferta hospitalar em Portugal, dispondo de 131 hospitais com aproximadamente 11.700 camas. Os cinco maiores grupos de saúde privada dominam 35% da oferta nacional de camas no país.

De acordo com o Relatório do Orçamento do Estado para 2025, as despesas com a saúde privada em diversas modalidades (exames, internações, cirurgias) vão representar 49,6% (8,3 bilhões de euros) do total reservado ao setor. Em 2024, mais de 3,7 milhões de portugueses possuíam um seguro saúde e cerca de 1,1 milhão pagavam plano de saúde, de um total de 10 milhões e 400 mil residentes no país.

Enquanto isso, faltam médicos e enfermeiros nos hospitais públicos, o tempo de espera dos pacientes aumenta e as urgências hospitalares do Serviço Nacional de Saúde, inclusive pediátricas, fecham em diversas regiões do país.

Um estudo recente revela que os cartéis da saúde privada lesaram o Estado português em 1,5 bilhão de euros de 2003 a 2023. Isso ocorreu em negociações para a compra de bens e serviços junto a empresas ligadas à realização de concorrências públicas. Mas o número das fraudes pode ser muito maior, uma vez que só foram detectadas 10% das infrações.

 

PCC em Portugal

Quem imaginava que os grupos criminosos brasileiros estariam restritos ao território nacional, enganou-se redondamente. Um levantamento da polícia portuguesa revelou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) já teria cerca de 1.000 pessoas atuando diretamente no país.

Com quantias volumosas em espécie, o PCC precisa “lavar” esses recursos. Em território europeu, a organização estaria investindo na construção civil, comércio de frutas exóticas, restaurantes, barbearias e até fraudes virtuais, utilizando negócios aparentemente legítimos, financiados por remessas ilegais. Esses empreendimentos são registrados em nome de pessoas sem antecedentes criminais, conferindo legalidade às atividades.

A captura de um brasileiro de 38 anos que morava na Grande Lisboa, acusado de organizar a extração de cocaína dos cascos de navios, comprovou a sofisticação do esquema. Equipes de mergulhadores fixariam a cocaína nos cascos das embarcações no Brasil, retirando-as posteriormente em portos europeus. Cada navio pode carregar de 100 a 150 quilos de droga.

Recentemente, as autoridades portuguesas interceptaram no Açores um submarino adaptado, carregando 6,5 toneladas de cocaína. A bordo estavam três brasileiros, um colombiano e um português. Já se sabe que o PCC estabeleceu ligações comerciais com grupos europeus do tráfico de drogas para desovar a cocaína e receber armas.

 

Em nome de Deus

Outro ramo de atividade que costuma dar muito dinheiro no Brasil ganhou notoriedade nos últimos anos em Portugal. As portas se abrem quando se sabe que a cada dez brasileiros na terrinha, quatro são evangélicos.

Foi assim que uma surpresa saiu das urnas em 2024, em Portugal. O nanico partido Alternativa Democrática Nacional (ADN) obteve quase 100 mil votos, contra os 10 mil de 2022. Os principais cabos eleitorais da sigla foram os bolsonaristas Marcos Feliciano e Silas Malafaia, líder da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC), com suas mensagens por redes sociais aos fiéis.

“Portugal é um laboratório, nós vamos abrir igrejas em todo o país e aqui na Europa”, afirmou Silas Malafaia na cerimônia de inauguração de sua segunda igreja, em Vila Nova de Gaia. Apesar de 80% da população portuguesa se declarar católica, os evangélicos são os que mais crescem no país, inclusive na instalação de igrejas. A Igreja Universal do Reino de Deus ergueu um templo central em Lisboa, onde já possui outras sedes.

Assim como no Brasil, não se paga impostos sobre as contribuições dos fiéis em Portugal. Em recente investigação de uma rede de TV, foi descoberto o caso de Zaqueu Pereira, que se diz pastor de uma congregação que ele mesmo fundou no Seixal. Lá, além dos cultos, o autoproclamado pastor aloja imigrantes numa garagem, amealhando até 400 euros por mês em cada quarto improvisado.

A mesma TV fez nova rep0000ortagem, na qual mostra outro espaço gerido por Zaqueu. Trata-se de um armazém de dois andares, com 27 quartos que abrigam 50 pessoas, em Setúbal. Desde 2021, Zaqueu Pereira é investigado por crimes de auxílio à imigração ilegal.

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

 

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Fontes:

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