Bolsa de R$ 12,8 mil do novo Mais Médicos é competitiva?

Reportagem do G1 mostra que o Programa Mais Médico para o Brasil, relançado recentemente pelo presidente Lula, que os valores previstos pelo programa para remunerar os novos contratados é compatível ou superior ao pago em algumas capitais e também é maior que a média salarial  verificada para médicos recém-formados.

Dada a importância do assunto para a o oferecimento de atendimento médicos às populações mais carentes do país, o Opinião em Pauta reproduz, integralmente, o excelente trabalho jornalístico realizados pelos repórteres  Emily Santos e Roberto Peixoto.

 

Profissionais do Programa Mais Médico durante atendimento — Foto: Arquivo/Reprodução TV Globo

Por Emily Santos e Roberto Peixoto, g1  –  Contratar médicos brasileiros é prioridade no novo Mais Médicos, programa criado originalmente em 2013 durante o governo Dilma Rousseff e relançado neste ano no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O foco é levar e manter profissionais de saúde em regiões de difícil acesso do Brasil.

O programa volta ainda sob críticas de entidades médicas em relação à exigência do diploma revalidado (entenda mais abaixo) e sob dúvidas do quanto a bolsa e outros benefícios serão suficientes para preencher todas as 28 mil vagas.

Levantamento do g1 e dados de entidades do setor apontam que o valor previsto para remunerar os novos contratados é compatível ou superior ao pago em algumas capitais e também é maior que a média salarial verificada para médicos recém-formados (veja mais abaixo).

No Mais Médicos, o salário (bolsa-formação) será de R$ 12.385 para 32 horas de atividades práticas nas Unidades Básicas de Saúde e 8 horas reservadas para a formação teórica. Além da bolsa, médicos terão auxílio moradia e auxílio alimentação que deve fazer o valor chegar a R$ 15 mil, e o valor pode subir ainda conforme diferentes tipos de bônus previstos pelo governo federal.

 

 

1 – Quanto ganham os médicos da atenção primária pelo Brasil?

 

O g1 buscou as secretarias municipais para verificar quanto recebem os médicos que atuam na atenção primária (postos de saúde, sobretudo) e que trabalham o mesmo total de horas do programa. Das capitais consultadas, o g1 recebeu seis posicionamentos:

Belo Horizonte: o valor médio do benefício é de R$ 12.348,40 para 40 horas semanais;

Rio de Janeiro: o salário base é de R$ 15.157,17 para 40 horas semanais, podendo ser acrescido de algumas gratificações que chegam até R$ 3.500;

Cuiabá: o piso salarial é de R$ 10.575,89 para 40 horas semanais. São acrescidos alguns benefícios, como adicional de insalubridade e prêmio-saúde, que variam entre R$ 800 e R$ 3.800;

Fortaleza: o valor do salário ofertado varia de R$ 11.553,43 a R$ 25.938,56 para 40 horas semanais;

Maceió: o valor do salário é de R$ 9.726,33 para 40 horas semanais. Os profissionais que atuam na Estratégia em Saúde da Família contam ainda com gratificação estipulada em 42% do salário base;

Recife: médicos que atuam em Unidades de Saúde da Família recebem R$ 16.812,42 para 40 horas semanais. A remuneração varia de acordo com carga horária e lotação, acrescidos alguns benefícios.

 

O pesquisador do FGVsaúde e especialista em saúde pública Marco Antonio Catussi Paschoalotto cita os dados recém-lançados do “Demografia Médica no Brasil em 2023”, estudo desenvolvido da parceria entre Associação Médica Brasileira e a Faculdade de Medicina da USP, para comparar a bolsa e a realidade do país.

Ele destaca que a renda média mensal dos médicos entre 19 e 30 anos em 2020 foi em torno de R$12.259. Já o grupo entre 31 e 40 anos teve uma remuneração em torno de 24 mil.

“Ou seja, o valor do novo Mais Médicos condiz com a média nacional, estando até um pouco acima se considerarmos os mais jovens”, diz o pesquisador. “A renda média mensal dos médicos foi de R$ 30,1 mil em 2020, o que pode levar o valor do novo Mais Médicos ser baixo. Mas esta não é a análise a ser feita”, diz Paschoalotto.

Paschoalotto, que é pós-doutor no Centro de Estudos da América Latina David Rockefeller (DRCLAS), da Universidade de Harvard, acredita que mesmo com a remuneração atual de R$ 12,8 mil o projeto pode ser sim atrativo para médicos mais jovens.

Isso porque, conforme explica, a população alvo do Mais Médicos é justamente formada por essas camadas mais jovens de profissionais, que geralmente buscam vantagens para ingressar em especializações e mestrados, possuem mobilidade e estão em início de carreira, dispostos a se fixarem em outras localidades.

 

 

2 – Quais perfis podem não se sentir atraídos pela iniciativa?

O presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), César Fernandes, ressalta que alguns pontos além da bolsa precisam ser levados em conta para analisar o potencial de atração do novo Mais Médicos.

Isso porque, explica Fernandes, embora à primeira vista as bolsas possam ser tidas como competitivas para o mercado de trabalho, profissionais da medicina que atuam em grandes centros costumam ter mais oportunidades de trabalho, e podem, por exemplo, complementar sua remuneração trabalhando tanto em cargos públicos como privados, algo que é mais difícil – mas não raro – em cidades interioranas (abaixo, veja o posicionamento de especialistas que discordam desse ponto).

“Um médico numa cidade grande pode ter dois, três ou mais vínculos. Com isso ele pode fazer uma somatória de ganhos que vai muito além desse valor que está sendo ofertado [pelo novo Mais Médicos]. Então, por exemplo, um médico jovem aqui em São Paulo tem a oportunidade de fazer um rendimento mensal muito superior”, acrescenta.

3 – Quais benefícios oferecidos além da bolsa e sua importância?

Além da bolsa, o governo federal prevê:

 

– reservar 8 das 40 horas contratadas para a formação teórica;

– os médicos do programa também vão ter direito à auxílio moradia e auxílio alimentação de acordo com a norma de cada município onde serão alocados. Segundo a pasta, com a soma da bolsa e dos auxílios, esse valor pode chegar a mais de R$ 15 mil;

– fora isso, um adicional de 10% a 20% será pago aos médicos que aceitarem trabalhar em municípios mais vulneráveis por pelo menos três anos;

– médicos com formação pelo Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior) terão um adicional de 40% a 80% da soma total das bolsas de todo o período que esteve no programa, algo que também vai depender da vulnerabilidade do município. No caso de médicos do Fies residentes de medicina de família, um auxílio para quitar as dívidas do financiamento também será oferecido;

 

Renato Tasca, ex-coordenador do Mais Médicos na Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), avalia que o salário não é o principal atrativo no programa.

“O salário é importante, mas não é a única coisa. O médico jovem que entra em um programa desse [porque vai ter] acompanhamento universitário, vai ter acesso a uma residência, a uma especialização”, explica.

“Desde o primeiro Mais Médicos, houve uma forte expansão nos cursos de medicina no país e hoje contamos com um número de médicos que é quase o dobro de quando começou o programa. Então, é uma condição mais favorável, porque temos muitos médicos jovens, recém-formados. O contexto de hoje torna essa nova solução mais interessante”, analisa Tasca.

 

 

4 – O que entidades médicas afirmam sobre a falta de exigência de um diploma válido no Brasil?

O novo formato do programa mantém a possibilidade de atuação de médicos estrangeiros e brasileiros formados no exterior, mas segue dando preferência para atuação dos nativos formados no país.

A falta de exigência do Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira) é o ponto de críticas de entidades médicas ao programa.

“É fundamental que seja exigida a revalidação de diplomas estrangeiros para o exercício da Medicina por médicos formados no exterior que, porventura, desejem participar do Programa”, disse o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), por meio de nota.

 

Segundo a Medida Provisória nº 1.165, esse médico, porém, deverá exercer exclusivamente suas atividades no âmbito do novo projeto. Mesmo assim, essa é uma das principais críticas ao novo Mais Médicos. Tanto o Conselho Federal de Medicina (CFM) como a Associação Médica Brasileira (AMB) manifestaram posicionamentos semelhantes.

“Nós não concordamos com isso porque essa é uma posição em defesa daquele paciente que será atendido por esse médico. Você não pode ser atendido por um médico que você não saiba se ele tem as competências para atender”, ressalta o médico César Fernandes, presidente da AMB.

“E essa não é uma posição xenofóbica. Esses médicos precisam ser muito bem recebidos se vierem com o Revalida, seja de onde forem. Precisamos apoiá-los e incentivá-los, mas eles precisam mostrar suas competências”, acrescenta.

Aliado a isso, Fernandes também critica a falta de investimentos na infraestrutura de algumas unidades de saúde de regiões carentes (o que, na sua visão, impossibilitaria a atuação plena de alguns médicos).

Ele ainda questiona o atual período de participação dos profissionais do programa, que considera curto para aqueles que almejam um plano de carreira e garantias de uma mudança de cidade e estados com seus familiares.

Com a publicação da MP dos Mais Médicos, o CFM também disse que está atento ao tema e que elaborará propostas que serão encaminhadas ao Congresso para o aperfeiçoamento do programa.

Como alternativa para ofertar essa assistência médica em locais remotos, a entidade defende que os profissionais já aprovados na seleção pública da Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária em Saúde (ADAPS) sejam contratados imediatamente.

“Na visão do CFM, o país precisa de uma carreira médica federal, com política de recursos humanos para fixação do profissional em áreas de difícil provimento, com financiamento de origem federal e garantia dos direitos funcionais aos médicos contratados”.

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