Corte concluiu que é possível fazer arresto da propriedade em caso de atraso em pagamento de financiamentos nos quais imóvel foi dado como garantia
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (26) que, quando houver atraso no pagamento de um financiamento imobiliário, os bancos e outras instituições financeiras podem tomar, sem decisão judicial, aquele imóvel que está sendo financiado. Oito ministros votaram de forma favorável à manutenção da regra atual, e dois foram contra.
A discussão envolve uma lei de 1997 que criou a alienação fiduciária, sistema no qual o próprio imóvel que está sendo comprado é apresentado como garantia. Neste tipo de financiamento, o próprio imóvel é usado como garantia e, caso o comprador não pague as parcelas, o bem pode ser retomado pelo banco para ser leiloado. Após o leilão, o valor devido é zerado e o contrato de financiamento é desfeito.
O relator, ministro Luiz Fux, considerou a lei constitucional e foi seguido pelos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. “Eu entendo que essa previsão legal diminui o custo do crédito, o que considero muito importante, e minimiza a demanda pelo Poder Judiciário, já sobrecarregado”, afirmou Barroso.
Edson Fachin apresentou divergência, sendo acompanhado por Cármen Lúcia. “Continuo a entender que, diante da ponderação entre a proteção do agente financeiro pelos riscos assumidos e a preservação dos direitos fundamentais do devedor, especialmente quando se trata do direito fundamental social à moradia, deve assegurar todos os meios para garantir o melhor cenário protetivo do cidadão e sua dignidade como um mínimo existencial”, avaliou.
O caso que motivou o julgamento é de um devedor de Praia Grande (SP), que firmou contrato com a Caixa para adquirir um imóvel de R$ 66 mil. No entanto, ele deixou de pagar a parcelas, fixadas em R$ 687,38 por mês. Com isso, a Caixa retomou o imóvel com base na Lei 9.514/1997, que permite a execução extrajudicial do bem em contratos mútuos de alienação fiduciária pelo Sistema Financeiro Imobiliário (SFI).
A defesa, no entanto, recorreu ao Poder Judiciário. A alegação é de que como a retomada ocorre sem ação na Justiça, o direito à defesa, ao contraditório, fica prejudicado. A defesa do cliente também alega que o banco é parte interessada no caso, por isso, o processo de retomada deveria passar pelo crivo da Justiça.
A Corte estabeleceu uma tese, que tem repercussão geral, ou seja, terá que ser seguida nos demais casos semelhantes em todo o país. O ministro Nunes Marques disse que a regra dá segurança aos contratos e ressaltou que o devedor pode recorrer à Justiça se considerar que há uma irregularidade. “Essa solução legislativa impulsionou o mercado imobiliário e deu segurança aos contratos. De resto, se o devedor verificar alguma irregularidade no procedimento, está livre para recorrer ao Poder Judiciário”, argumentou.
Cármen Lúcia, por sua vez, afirmou que o devedor não pode ter o “ônus da judicialização” e também defendeu a proteção do direito à moradia. Em manifestação apresentada na quarta-feira, no início do julgamento, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que a modalidade de alienação fiduciária representa 98,2% do financiamento bancário destinado à aquisição de imóveis, e que em 2020 havia 7 milhões de operações ativas garantidas por esse modelo.
Também na quarta-feira, Fux concordou com os argumentos de que o modelo atual contribuiu para a redução dos custos do setor. “A exigência de judicialização da execução dos contratos de mútuos com alienação fiduciária de imóveis iria de encontro aos avanços e aprimoramentos no arcabouço legal do mercado de crédito imobiliário, os quais tiveram significativa contribuição para o crescimento do setor e redução dos riscos e custos”, avaliou o relator.