Avanço chinês no mercado de carros elétricos já preocupa EUA e ocidentais

Icaro Brum   – A indústria automotiva global já deu início à corrida da transição energética, na esteira da Agenda de 2030 da ONU para a redução das emissões de carbono.

Em linhas gerais, a transição energética é um conceito que se refere à mudança estrutural nas matrizes energéticas. Isso envolve a mudança do uso predominante de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás natural, para fontes de energia mais limpas e renováveis.

E a velocidade com que a China tem transacionado para carros elétricos, em especial o avanço da montadora BYD, assusta não só o mercado ocidental como os Estados Unidos.

 

Custo de saída

O principal fator para a China largar na frente da produção de veículos elétricos é a “custo de saída” da economia ocidental, na visão do economista Luiz Alberto Melchert.

“Hoje tem uma fabricação de motores que é espalhada pelo mundo inteiro, um faz bloco, outro faz biela, outro faz pistão, etc. Então você envolve forjaria e fundição, toda a siderurgia, tudo voltado para o automóvel.”

Embora a indústria de automóveis ocidental esteja consolidada e possua o aparato de infraestrutura para a construção de carros a combustão, a necessidade de adaptação à produção de carros elétricos vai envolver expressivos montantes de dinheiro.

Melchert destaca que o carro elétrico é “outra máquina”, já que os componentes, as necessidades de produção e a tecnologia geram a necessidade de um investimento em outro tipo de indústria.

Segundo o articulista, é inviável a adaptação da indústria dos carros convencionais para os elétricos, ou seja, é preciso construir um novo segmento do zero, e esse fator por si só coloca a China à frente na disputa com a indústria ocidental.

A indústria automotiva chinesa dá a largada em escala ao direcionar seu foco para a produção de elétricos, sem precisar abrir mão de todo o investimento feito anteriormente e sem a resistência dos empresários do setor de automóveis a combustão, que teriam alto custo em abandonar as plantas já construídas.

“O ocidente está inteirinho crivado em indústrias desse tipo [siderurgia], a China não está, então a China pode simplesmente se dar o luxo de dizer não quero brincar disso, eu vou brincar de outra coisa.”

 

A aposta de Joe Biden

Enquanto os chineses avançam no setor, a indústria norte-americana precisa de um ciclo de adaptação muito maior, à exceção da Tesla, já que a montadora de Elon Musk nasceu direcionada para a produção de carros elétricos.

Para se aproximar da indústria chinesa, o governo de Joe Biden tem procurado incentivar a transição energética com investimentos e incentivos fiscais bilionários para alavancar o processo de crescimento.

Um exemplo desse incentivo foi lançado no ano passado, por meio da Lei de redução de inflação, que inclui incentivos fiscais de US$391 bilhões ligados à energia e ao clima. Para combustíveis limpos e veículos elétricos, o valor do incentivo chega a US$36 bilhões até 2031.

Um dos requisitos para a empresa ser elegível ao benefício é a produção local. Ou seja, além de terem sede no país, 80% das matérias primas utilizadas na produção das baterias precisam ser originárias da América do Norte.

Apenas no mês de agosto, o governo Biden chegou a oferecer US$12 bilhões em doações e empréstimos para as montadoras e fornecedores modernizarem suas fábricas para darem início à produção de veículos elétricos.

 

Incentivos fiscais são suficientes?

Para Melchert, a adoção desse tipo de isenção fiscal pode não ter o efeito esperado, pois um erro nessa estratégia é a teoria de que o empresário quer sempre maximizar seus lucros.

Para chegar ao lucro, o empresário precisa correr risco, e com os incentivos fiscais, o benefício só é positivo caso a empresa tenha lucro. Ou seja, correr o risco em uma transição industrial seria um investimento sem qualquer garantia de lucro.

A partir dos anos 90 a teoria econômica mudou radicalmente. Hoje a gente parte do princípio de tudo que a gente for falar sobre economia, você tem que partir do princípio que o medo de perder é muito maior do que a vontade de ganhar.”

Vinculado ao custo de saída, a China “não tem nada a perder” e isso os coloca na dianteira inclusive em torno dos riscos de investir forte na produção de veículos elétricos.

“Se Biden quiser trazer a indústria de volta para os Estados Unidos, a mitigação de risco através do estado é uma alternativa fiscal mais eficiente”, diz Melchert. Nesse modelo, o estado assume uma parcela do risco do novo empreendimento. Ou seja, o poder de compra do estado seria majoritariamente voltado para esse setor.

Um exemplo é a indústria de defesa norte-americana, que contabilizou mais de US$800 bilhões em gastos apenas no ano de 2021. Nessa linha, se o governo adotasse uma política de comprar apenas aviões elétricos, por exemplo, o estado garantiria um lucro para a indústria que alavancaria a transição energética.

 

Fator Níquel

A produção de veículos elétricos depende sumariamente do níquel, um metal altamente resistente à oxidação responsável pela densidade energética da bateria, o que impacta na autonomia do veículo.

A China tem investido fortemente no processamento do metal. Ao realizar aportes na indústria do níquel da Indonésia (país com a maior reserva de níquel do planeta), a indústria mandarim passa a ter vantagem competitiva e barateamento em seus custos de produção.

Por outro lado, os Estados Unidos terão que buscar parceiros comerciais, já que a reserva norte-americana não é suficiente para a demanda de carros esperada. A Indonésia não é um dos países com acordo de livre comércio com o país – e segundo Melchert, nem deverá vir a ser, por motivos religiosos, visto que a Indonésia é um país muçulmano. (Foto: Reprodução: veículos elétricos BYD)

 

Texto:  Icaro Brum  – jornalggn

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