Pela proposta, pedágio do primeiro túnel submerso do País terá tarifa social, em torno de R$ 14, e vai realocar 700 famílias que vivem em palafitas nas áreas portuárias, sem saneamento básico.
O presidente da Autoridade Portuária de Santos (APS), Anderson Pomini, apresentou nesta terça-feira (13) aos membros da Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, em Brasília, a nova modelagem do túnel submerso entre Santos e Guarujá, duas cidades da Região Metropolitana da Baixada Santista. Segundo o projeto, a construção do túnel de 900 metros de extensão e 21 metros de profundidade tem orçamento estimado de R$ 5,85 bilhões, com prazo de execução em quatro anos, iniciando já em 2024, com previsão de cobrança de um pedágio nos moldes da tarifa social, com valor parecido ao cobrado pelas barcas que atualmente atravessam o estuário santista.
“Nossa prioridade é a manutenção da tarifa social. Nós temos ali um problema que é do Brasil, tanta riqueza, tanta pujança na margem direita, que representa 30% do nosso comércio exterior, e na margem esquerda, tanta pobreza, ao mesmo tempo. Então, se eu tenho por objetivo implementar um túnel para linkar o lado rico com o lado pobre, eu preciso oferecer e assegurar uma tarifa social”, explicou.
Pomini avaliou um custo médio de R$ 14 pela passagem de carro pelo túnel, ao tempo de 1 minuto e 42 segundos. Atualmente, a travessia de balsas entre Santos e Guarujá tem um custo de R$ 12,30 para carros e de R$ 6,20 para motos, entre outros preços que podem chegar até a R$ 101. A operação tem uma duração que varia de 18 a 60 minutos. São cerca de 35 mil automóveis atravessando o canal de navegação do porto de Santos, por dia, número que se acentua em altas temporadas, causando transtornos no tráfego terrestre.
Do ponto de vista ambiental, o presidente da APS destacou que o túnel reduzirá em cerca de 72 mil toneladas/ano as emissões de CO2e na atmosfera. Também está prevista ação, junto com a prefeitura de Guarujá e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), para realocar 700 famílias que hoje vivem em palafitas nas áreas portuárias, sem saneamento básico.
Recursos
Ainda de acordo com Pomini não faltam recursos para a construção do primeiro túnel submerso no Brasil, que promete ser a maior obra, em termos de infraestrutura do País, para os próximos anos. Boa parte deste dinheiro é do próprio caixa da APS. “Nós temos hoje no caixa da Autoridade Portuária R$ 2,5 bilhões. Isso é fruto de leilões, de arrendamentos que foram promovidos pelas gestões passadas e pelo início da nossa gestão”, disse. Outras fontes de recursos para bancar o projeto são da própria União, do Banco Brics (grupo composto por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) e depois de uma concessão que irá custear parte das despesas.
No cronograma do orçamento previsto ano a ano, Pomini ponderou que o valor é “passível de redução em razão da concorrência”. Seriam R$ 50 milhões em 2023, R$ 1 bilhão em 2024, R$ 2,5 bilhões em 2025, R$ 1,3 bilhão em 2026 e 1 bilhão em 2027/2028. Vale ressaltar que no ano passado, na gestão Bolsonaro, o valor previsto para o projeto era de R$ 2,9 bilhões e a obra fazia parte da lista de investimentos obrigatórios do eventual concessionário no plano de desestatização da APS, que acabou não avançando no governo Lula.
Divergências
A gestão do projeto defendida por Anderson Pomini, que na audiência representou o ministro dos Portos e Aeroportos, Márcio França, conflita com o modelo apresentado na sessão pelo secretário de Parceria em Investimentos de São Paulo, Rafael Benini. O debate a respeito da modelagem e a competência de quem deve assumir o projeto representa a única trava ao projeto.
O secretário insistiu na competência do Governo de São Paulo para elaborar outro modelo e conceder a obra e a operação do túnel a um concessionário privado por meio de uma parceria público privada (PPP). Para Benini, a PPP é a única forma de tornar o projeto viável, porque, segundo ele, vai garantir uma convergência “entre o poder público e privado em relação à qualidade da obra”.
“É mais interessante iniciar a obra com um parceiro que vai dispor de seus recursos próprios para trazer o melhor resultado possível a um bem que viria a administrar”, disse o secretário. “Um modelo de concessão de trinta anos que permite ao operador construir e definir uma tarifa adequada. A PPP resulta em um ganho de eficiência”, completou.
Ambos afirmaram que respeitam a boa vontade dos dois lados, mas não abriram mão de seus modelos de negócio. Pomini disse que a possibilidade por meio de PPP, levantada pelo governo paulista, “levaria, pelo menos, sete anos somente para concluir a concessão”. Ele reiterou a preocupação do governo federal com a tarifa social do túnel e que o projeto do ministério não vai resultar em desapropriação de casas no entorno do Porto de Santos ou de Guarujá.
“O mercado quando constrói por conta própria, no formato de PPI, ele, obviamente, faz uma conta matemática, ao final, para recuperar o valor. Então, esse modelo, seria, absolutamente, discriminatório para aquelas pessoas e para aquilo que a gente pretende que é melhor estrutura portuária e social econômica”, frisou.
Ao refutar esse modelo do governo paulista, o presidente da APS disse que a competência do empreendimento é resguardada pela Constituição Federal à União. “A Constituição não deixa nenhuma dúvida sobre a competência. Nós aceitamos a participação do Governo do Estado, o próprio ministro Márcio França, já convidou o Governo do Estado a aportar valores para a implementação e construção dessa importante obra. Então, a questão da competência está mais que superada, basta a leitura da Constituição”, disse.
O secretário Benini foi questionado pelos deputados sobre a construção de uma nova via como alternativa ao Sistema Anchieta-Imigrantes (SAI), e disse que o Governo de São Paulo avalia dois projetos, o da Linha Verde, com um traçado desde o Rodoanel Leste até a margem esquerda do Porto, e o da terceira rodovia Planalto-baixada Santista. “O projeto da Linha Verde está com o PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse) aberto, com prazo de construção de sete anos a partir da assinatura do contrato. Nós estamos avaliando qual tem o melhor custo-benefício”, disse.
Repercussão
Os membros da Comissão de Viação e Transportes mostraram-se otimistas com o debate e com o sentimento de que falta poucos detalhes para que, após 97 anos, finalmente, saia do papel a ligação seca entre Santos e Guarujá – desde 1927 o tema é aventado, sendo que em 2014 o projeto do túnel submerso ganhou forma. Para o presidente do colegiado, deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP) a audiência esclareceu o impasse e deu subsídios para tentar buscar uma solução.
“Nunca houve uma audiência pública para tratar desse tema aqui no Congresso. E foi uma discussão com representante tanto do governo federal quanto do governo do Estado. Ambos muito bem preparados e abastecidos de informações e de razões. As propostas são quase iguais, mas o que precisa é ajustar as pontas políticas. Na política nunca tem não. Tem o diálogo. Vamos achar um caminho. E esta comissão tem o direito de tratar desse tema, porque o ministro responde aqui e o tema está nesta comissão”, disse o parlamentar, ressaltando ao Opinião em Pauta, que levou o caso ao governador Tarcísio de Freitas, que é seu aliado próximo.
“Ele me disse que o tema é do seu interesse e pediu para que eu trouxesse o recado que ele quer ele procura o diálogo, por que ele quer fazer essa obra. Agora, nós vamos achar a foram de fazer”, completou.
O deputado Kiko Celeguim (PT-SP), que solicitou o debate, classificou como muito positivo porque tornou publico para os deputados e toda a sociedade o empenho dos governos federal e estadual de tirar do papel essa obra tão importante para a região da Baixada Santista. “Pelo que eu pude perceber não existe nenhum problema de cunho orçamentário para a execução da obra. Tem uma questão de quem executa e qual o modelo de contratação. É claro, que pode haver, dependendo do modelo e de quem executar a obra, implicações com relação ao tempo e ao custo posterior cobrado à população em relação ao pedágio. Mas, foi muito produtivo porque a gente teve ali um compromisso, vamos dizer, de que a gente vai executar uma obra importante, não só para as duas cidades do estado de São Paulo, mas para todo o país”, analisou.
“Agora vamos estimular esse debate na Assembleia Legislativa de São Paulo, nas câmaras municipais das duas cidades para que a gente vá avolumando interesse de autoridades locais, estaduais e federais. Da parte do governo federal, enquanto comissão, vamos tentar garantir orçamento para o custo deste empreendimento e vamos cobrar do governo do Estado os passos que eles estão dando nesta direção. Eu creio que eles publicaram uma PMI para saber se vai ter alguma empresa interessada na execução da obra e vamos ver qual o melhor modelo para isso”, concluiu.
Confira a entrevista que o presidente da Autoridade Portuária de Santos (APS), Anderson Pomini, concedeu a reportagem do Opinião em Pauta no fim da reunião com os parlamentares, na Comissão de Viação e Transportes, da Câmara dos Deputados:
A divergência de qual será o modelo de implementação do projeto do túnel Santos-Guarujá foi superada nesta audiência?
Nós fizemos a leitura do texto da Constituição Federal, que não deixou nenhuma dúvida sobre a competência. Nós aceitamos a participação do Governo do Estado, o próprio ministro Márcio França, já convidou o Governo do Estado a aportar valores para a implementação e construção dessa importante obra. Então, a questão da competência está mais que superada, basta a leitura da Constituição. Então, nós não temos divergência sobre o traçado, nós concordamos. As divergências no projeto apresentado pelo Governo do Estado estão relacionados as conexões. Projeto do governo é um pouco desatualizado, ainda demanda desapropriações. O nosso não, com participação das prefeituras de Santos e Guarujá e de todos os órgãos interessados na construção deste túnel. Então, é assim, o que nós precisamos é unir esforços, mas sempre atentos à lei, à Constituição, que estabeleceu que a competência, neste caso, é da Autoridade Portuária, do Ministério de Portos e Aeroportos e do Governo Federal. Ainda que houvesse um esforço para um entendimento diferente, nós não poderíamos avançar, tendo em vista que a Constituição proíbe. Não é por acaso que nós temos regras que precisam ser cumpridas. Está na Constituição. Como eu disse, seria o mesmo que nós debatêssemos a privatização da SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) ou outros assuntos de competência do Estado. Então, está superado o assunto e daqui para frente é trabalhar e tirar essa obra de 97 anos de debate do papel.
Por mais que seja absolutamente clara a questão da competência, o secretário em nenhum momento reconheceu isso. O senhor acha que essa questão pode caminhar para algum tipo de judicialização?
Olha, me parece que o governador e o secretários estão muito bem intencionados. Eles querem a implementação e querem a execução dessa obra. E me parece também que a questão da competência ficou esclarecida aqui, tanto é que quando eu insisti, por diversas vezes, eu não ouvi nenhum argumento contrário que justificasse a competência do Estado. Pelo contrário. O silêncio, muitas vezes, é uma grita, que foi o caso aqui, foi o que nós entendemos. Então me parece que o tema está politizado. O secretário, muito bem intencionado, obviamente, ele defende o ponto de vista dele. Mas é assim, quem tem que decidir a modelagem jurídica somos nós, uma vez que a competência é nossa. Eles poderão sugerir a o modelo de PPI? Poderão, como fizeram. Então, nós recebemos como uma sugestão e já descartamos. Porque os dados apresentados, as questões ambientais, sociais, econômicas, exige a implementação dessa obra, já com certa urgência. Uma PPI demanda mais sete, oito anos de debate. Tempo que nós não temos.
E no caso da PPI é provável que encareça o custo da tarifa para o usuário, não é isso?
Sim, além de atrasar na conclusão da obra. Veja só, nós temos vários argumentos que justificam a execução de obra pública com esses recursos públicos. Primeiro a manutenção da tarifa social. Nós temos ali um problema que é do Brasil, tanta riqueza, tanta pujança de um lado, a margem direita, 30% do nosso comércio exterior, e a margem esquerda, tanta pobreza, ao mesmo tempo. Então, veja só, se eu tenho por objetivo implementar um túnel para linkar o lado rico com o lado pobre, eu preciso oferecer e assegurar uma tarifa social. Não existe milagre. O mercado quando constrói por conta própria, no formato de PPI, ele, obviamente, faz uma conta matemática, ao final, para recuperar o valor. Então assim, uma tarifa ali ou um pedágio de R$ 50 a R$ 100 não se justifica. Seria, absolutamente, discriminatória para aquelas pessoas e para aquilo que a gente pretende que é melhor estrutura portuária e social econômica.
Com sete audiências públicas já realizadas e com as diferenças já bem demarcadas, o projeto deve avançar agora?
Não é por acaso que a Autoridade Portuária é a competente, o Ministério dos Portos é o competente. Tanto é que ele que iniciou as audiências e os debates e promoveu os avanços sobre esses projetos. O Governo do Estado não o fez porque sabe da origem que não tem competência para isso. Então, é claro que o Governo, agora, com essas informações poderá nos apoiar com o aporte financeiro. A proposta que nós fizemos é exatamente essa. O importante é que todos queremos a obra. Agora, a Constituição, a regra estabelece a competência que é do Governo Federal, que é da Autoridade Portuária.
É uma obra bilionária, mas não é por falta de recurso que ela não sai do papel. Você poderia falar sobre essas contas e a origem dos recursos que garantem a construção deste túnel submerso?
Poderia sim. Nós temos hoje no caixa da Autoridade Portuária R$ 2,5 bilhões. Isso é fruto de leilões, de arrendamentos que foram promovidos pelas gestões passadas e pelo início da nossa gestão. Muito bem. O fato é que nós somos superavitários e nós temos recursos garantidos para a manutenção para as obras de manutenção do Calado, aprofundamento do Calado, e reestruturação das perimetrais, ou seja, que são as chamadas obras de infraestrutura que asseguram o funcionamento do porto. Agora, já que nós temos esse caixa, o alinhamento político-econômico possibilitou que a Autoridade dispusesse desse valor, nós entendemos, essa nova gestão, com a orientação do ministro Márcio França, que essa obra, túnel, é importante para o Brasil, ela será a maior obra do Governo Federal, é simbólica para o Porto de Santos, para a infraestrutura portuária, para a sociedade, para a economia e para o litoral. Então daí a importância da participação do Governo do Estado aportando valores, respeitando a nossa competência.
(Fotos: Thiago Vilarins)