Relatório mostra que mais de 144 mil mulheres foram vítimas de algum tipo de agressão doméstica em 2022. Quase metade da violência contra meninas de 10 a 14 anos tem caráter sexual no Brasil
Em 2022, 221.240 meninas e mulheres sofreram algum tipo de agressão, a maioria no âmbito familiar, com 144.285 submetidas a violência doméstica. Dessas, 12 mil sofreram abuso sexual, como apontam os dados do Atlas da Violência, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública nesta terça-feira (18).
O número equivale, na média, a uma vítima de estupro do sexo feminino a cada 46 minutos no país. A violência sexual foi o quarto tipo de ocorrência mais frequente contra esta parcela da população, sendo meninas de 10 a 14 anos as mais vitimadas. O levantamento mostrou ainda que entre as vítimas de até 9 anos, a violência mais frequente foi a negligência, com 37,9% dos casos, seguido de violência sexual, com 30,4%.
Na faixa etária de 10 a 14 anos, a violência sexual se torna prevalente — tal violação foi apontada em 49,6% dos registros. Entre 15 e 19 anos, foi de 21,7%. Depois disso, ele cai para 10,3% de 20 a 24 anos. A redução continua, nas faixas seguintes, até chegar a 1,1% no grupo acima de 80 anos.
A violência sexual contra meninas voltou ao centro do debate devido ao Projeto de Lei Antiaborto por Estupro na Câmara, que determina a prisão ou internação (no caso de menores de 18 anos) de vítimas de estupro que fizerem aborto depois de 22 semanas de gravidez. Meninas que foram vítimas de estupro são um dos grupos que mais recorrem ao procedimento para interromper a gravidez após 22 semanas, de acordo com especialistas. Por isso, essa faixa até 14 anos seria uma das mais afetadas caso o PL venha a ser aprovado pelo Congresso Nacional.
No Brasil, o aborto é permitido por lei em casos de estupro, de risco de vida à mulher e de anencefalia fetal (quando não há formação do cérebro do feto). Atualmente, não há no Código Penal um prazo máximo para o aborto legal.
Os números de violência usados no Atlas têm como base os registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), um sistema criado pelo Ministério da Saúde para notificar, compulsoriamente, qualquer caso suspeito ou confirmado de violência doméstica/intrafamiliar, sexual, autoprovocada, tráfico de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil, tortura, intervenção legal e violências homofóbicas contra as mulheres e homens em todas as idades.
Isso significa que o levantamento é composto apenas pelos casos oficialmente registrados no Sinan. O próprio Atlas da Violência enfatiza esse ponto para explicar que muitos outros casos devem ocorrer sem o conhecimento das autoridades. A estatística, porém, considera apenas os dados de violência sexual, sem especificar casos de estupro.
Nesse contexto, os dados divulgados mostram um grande aumento no número de registros de violência sexual em 2021 e 2022 em relação a 2020, justamente no período pós-pandemia. A faixa etária dos 5 aos 14 anos foi a que apresentou a maior elevação, passando de 11.587 registros em 2020 para 20.039 em 2022, um crescimento de 73%. De 0 a 4 anos, subiu 50,6% (de 3.441 para 5.182), e de 15 a 19 anos, 41,6% (3.256 para 4.872).
Violência física na fase adulta
A partir dos 15 até os 69 anos, ou seja, em toda a vida adulta da mulher, a violência física passa a ser a mais comum: na faixa etária de 15 a 19 anos este tipo de agressão esteve presente em 35,1% dos casos e chegou a 49% entre mulheres de 20 a 24 anos. Entre o público feminino até 59 anos, o percentual é de 40%. A partir dos 70 anos, a negligência volta a ser uma forma de violência bastante presente na vida das mulheres, crescendo até o fim da vida.
Sobre a autoria da violência doméstica e intrafamiliar, os homens foram os principais agressores, responsáveis por 86,6% dos casos. A única faixa de idade em que homens e mulheres apareceram empatados (50% cada) enquanto autores das violências foi de 0 a 9 anos, ou seja, se igualam na autoria de violência contra crianças. Em todas as outras faixas de idade, os homens são maioria entre os agressores — entre 30 e 35 anos, eles representam 95,8% dos autores.
“Ou seja, se tivéssemos que descrever o que é ser uma mulher no Brasil, poderíamos dizer que na primeira infância é a negligência a forma mais frequente de violência, cujos principais autores são pais e mães, na mesma proporção. A partir dos 10 até os 14 anos, essas meninas são vitimadas principalmente por formas de violência sexual, com homens que ocupam as funções de pai e padrasto como principais algozes. Dos 15 até os 69 anos, é a violência física provocada por pais, padrastos, namorados ou maridos a forma de violência prevalente entre as mulheres”, descreve o relatório.
(Foto: Reprodução/Diário do Nordeste)